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Opinião

O Analista de Bagé e a conjuntura nacional

O Analista de Bagé e a conjuntura nacional

Artigo por RED
21/04/2023 15:19 • Atualizado em 24/04/2023 10:36
O Analista de Bagé e a conjuntura nacional

De RENATO STECKERT DE OLIVEIRA*

Ícone da nossa psicanálise campeira, o Analista de Bagé pontificou certa vez que, em épocas de crise, é melhor esquecer o Universo e ir cuidar da defesa do Guarany. Pois desconfio que a máxima serve não apenas para endireitar guascas que se espicham nos pelegos daquele venerável consultório, mas para outras situações vida afora. Para a Política, por exemplo. Senão, vejamos.

A gravidade e os riscos implicados na situação que estamos vivendo no Brasil dispensa comentários. Durante quatro anos estivemos submetidos à ameaça permanente de um golpe de Estado, projeto explícito do demente que ocupou a Presidência da República, que só não foi concretizado por dois motivos principais.

Primeiro, o então governador Dória, ao bancar a primeira vacina contra a Covid, frustrou a possibilidade de decretação de um Estado de Sítio que viria – este era o projeto bolsonarista! – em decorrência do caos social, real ou provocado, subsequente à marca de, digamos, um milhão de mortos lá por julho/agosto de 2021. Decretado o Estado de Sítio, estaria pelada a coruja. Ou alguém duvida que a estratégia era provocar o máximo possível de mortos o mais rapidamente possível? Que os estrategistas do bolsonarismo atrasaram a compra de vacinas, incineraram outras tantas, tentaram entupir a população com aquele remédio para malária e fizeram o que fizeram em Manaus porque não acreditavam na ciência? É óbvio que foi de caso pensado! No entanto, havia um Dória no meio do caminho, e depois o SUS. Não à toa, ambos foram declarados inimigos do governo, cabendo à Dória as honras e os palavrões dedicados ao número 1;

Segundo, a corrupção. A corrupção impediu a articulação centralizada das bases políticas e operacionais do golpe. A turma foi rápido demais ao pote! Milhares de militares (6 mil, 8 mil, 10 mil?…) em cargos civis com complementos salariais de dois ou três dígitos, se distraíram, digamos assim. Quanto às bases sociais ativas do
bolsonarismo, queriam mais era passar logo a boiada e aproveitar o butim enquanto era tempo. Como impor disciplina em nome de objetivos nacionais quando seus acólitos estão negociando apoio a escolas em troca de barras de ouro?! Não há civismo que aguente! Faltaram um Mourão Filho, um Magalhães Pinto – enfim, gente que não se deixa comprar por um colar de diamantes porque sabe que o verdadeiro butim está mais à frente.

Em suma, não foi a “sociedade organizada” que frustrou o golpe. Sei que esta afirmação é dura de engolir, mas ou a encaramos de frente ou seremos vítimas das nossas ilusões. A sociedade nem estava e nem está organizada. Claro, pode-se argumentar que as instituições cumpriram seu papel e salvaram a democracia. Isto é parcialmente correto. Não podemos esquecer que quando o general Villas Boas chamou o STF à ordem da caserna para manter Lula preso antes das eleições de 2018, este obedeceu prontamente. Isto sem falar no papel deletério da Operação Lava Jato. O STF e demais instituições só começaram efetivamente a vestir as calças quando perceberam a confusão do outro lado – e, justiça seja feita, atuaram eficazmente para aumentar essa confusão e encurralar o golpismo.

Tampouco derrotamos o bolsonarismo nas eleições. O resultado – chega a ser ocioso dizer – mostrou uma população dividida. Ao meio. Novamente pode-se contraargumentar apontando as manipulações do governo, desde as econômicas até as policiais, visando impedir a vitória oposicionista. Certo! Quantos milhões de votos a mais Lula teria no segundo turno se não houvesse manipulações? Suficientes para uma vitória acachapante? E o fato de tantos eleitores terem se deixado manipular não mostra sobretudo um eleitorado em grande medida volátil? E a eleição de uma sólida bancada de deputados e senadores de extrema-direita como parte da maioria direitista no Congresso não entra nesse cálculo?

Em suma, a estrada que o governo Lula tem a percorrer é uma corda bamba, bambíssima! O caso envolvendo o general Gonçalves Dias é apenas uma amostra do arsenal de armadilhas de uma extrema-direita que está aprendendo suas lições. Além do que, o imbróglio em que o debate parlamentar sobre o arcabouço fiscal pode se tornar revelará uma direita “moderada” que não está disposta a ceder minimamente o poder parlamentar conquistado nos últimos anos.

Nestas condições, os ativos do novo governo são poucos, muito poucos. Estamos longe de 2003 e mesmo de 2009. Eles estão sobretudo em dois temas interligados: a questão ambiental e a política externa. Queimá-los (valha a literalidade para a questão ambiental…) significará entregar o governo.

À parte a questão ambiental, onde continuamos a acumular passivos injustificáveis, sublinhemos a importância crucial da política externa. É inegável o capital político que Lula dispõe nessa área. Bem empregado, ele com certeza poderá gerar o desafogo interno para a composição de uma base política e a recomposição da sua base social, desorientada desde as manifestações de 2013. A melhor forma de empregá-lo, neste início de governo, seria receber os afagos dos principais líderes mundiais, as honrarias dos governos e instituições que ansiavam por uma volta do Brasil à normalidade, responder com as amabilidades e sorrisos que correspondem, colher os acordos que vários países querem celebrar com o Brasil, reiterar nossa vocação de paz e faturar o saldo internamente. Entrar em bolas divididas neste momento (e quantas há neste mundo esquecido de meu Deus!) é a pior forma de entrar nesse jogo!

O caso da guerra no Leste europeu é especialmente emblemático sobre as armadilhas nas quais a ânsia de protagonismo pode cair. Independente de quem tenha razão (?!) na guerra entre Rússia e Ucrânia, não há motivo para buscar protagonismo na tentativa de construir uma solução para o problema quando a situação interna do país apresenta esse grau enorme de instabilidade. Os argumentos, por mais justos que sejam, serão apropriados como combustível para aumentar a polarização e levar água para o moinho da extrema direita, além do que o governo pode ficar preso à evolução do conflito, dado que ninguém tem o poder mágico de fazer cessarem os canhões assim, chamando o mundo a um gesto de boa vontade. A guerra traz riscos globais? É evidente!

Mas o Brasil pode sucumbir a um risco bem mais prosaico logo ali adiante: as eleições municipais de 2024. Elas mostrarão a temperatura das placas tectônicas que movem a sociedade, e poderão alastrar mortalmente o terremoto que Bolsonaro iniciou em seus quatro anos.

É simples assim, vistas as coisas aqui do meu canto, sensível à sabedoria destilada pelo grande analista gaudério. Aos que não aceitam tanta grossura, ofereço um verso do Paulinho da Viola: “Faça(m) como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar”.


*Sociólogo, professor aposentado da UFRGS, foi secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do RS e secretário de Estado Adjunto do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do RS.

Foto em Pixabay.

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