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Opinião

Novo governo federal: onde cortar gastos?

Novo governo federal: onde cortar gastos?

Artigo por RED
21/12/2022 09:54 • Atualizado em 02/01/2023 09:07
Novo governo federal: onde cortar gastos?

De Ricardo Dathein*

O governo militar comandado por Bolsonaro realmente conseguiu cumprir uma parte de suas promessas, com seu ultraliberalismo. Ou seja, de redução (ou destruição) drástica da ação estatal, permitindo que o “mercado” (e parcialmente o Congresso) governe a sociedade. Isso significa, para o governo eleito, enormes desafios de
reconstrução de capacidades estatais necessárias, incluindo o problema das restrições orçamentárias. Além de garantir receitas frente ao absurdo “teto de gastos” constitucional, priorizando gastos sociais e investimentos, também serão necessários cortes de gastos, com definição de prioridades, até que o crescimento sustentável retorne e, com isso, haja a necessária recuperação de receitas. Mas onde cortar?

Há uma série de despesas que estão efetivamente exageradas e que precisam ser reavaliadas. Certamente há muitos casos. Um primeiro é o gasto militar. A previsão orçamentária do Ministério da Defesa para 2023 é de R$ 116 bilhões, com grandes aumentos em relação a anos anteriores. É difícil justificar esses enormes dispêndios, tendo em vista a inexistência de qualquer ameaça externa. Segundo o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), com gasto militar de US$
19,2 bilhões em 2021, o Brasil é o 17o país (entre 154) que mais gasta no mundo com forças armadas. Comparativamente, esse gasto é pouco menos que os de Israel e Irã, e mais que os de Turquia e Taiwan, por exemplo. Além disso, em 2022 o país está em 10o lugar no ranking de força militar Power Index (Global Fire Power), entre 142 países.

Provavelmente há também um excesso de pessoal, assim como de quadro de oficiais. Possivelmente também há desperdícios e ineficiência. Portanto, inclusive a partir da ideologia adotada pelas Forças Armadas, deve-se buscar aumento de eficiência, de produtividade. Um indicativo de excesso de pessoal é que 80% dos gastos
são com ativos e inativos/pensões, de forma que, proporcionalmente, pouco resta para investimentos em tecnologia e modernização. Outro indicativo de excedente de pessoal é a alocação de milhares de oficiais em cargos públicos civis, prejudicando sua formação e retirando de seu foco esses funcionários públicos. A disponibilidade de atuação em escolas cívico-militares é outro indicativo de pessoal em demasia, sem falar no tempo dispendido em redes sociais. Ou seja, se há disponibilidade de pessoal para trabalhar em áreas que não são de sua competência e nem devem ser, é porque existe excesso.

Outro evidente setor que deveria sofrer cortes é o do Judiciário e do Ministério Público. Há muito já se sabe que esses setores estão entre os mais caros do mundo, o que não deve ter mudado muito, talvez piorado, pois sempre há mais e mais necessidade de gastos adicionais. O Judiciário teve um custo estimado para 2021 em R$ 103,9 bilhões. Os Tribunais de Contas talvez também estejam superdimensionados.

Esses setores têm adotado medidas para aumentar sua produtividade. O problema, no entanto, deve ser estrutural, de concepção. Há também uma polêmica sobre a questão salarial. Uma opinião é a de que maiores salários atraem melhores profissionais. Outro entendimento é de que há um problema de seleção adversa, ou seja, os salários muito altos atraem e formam uma elite que não é representativa da população brasileira, assumindo, em muitos casos, uma ideologia de classe dominante com perversões históricas, caso da brasileira, justamente porque os salários são excessivos.

Aparentemente esses setores, com seu poder corporativo, estão se tornando irresponsáveis em termos fiscais, deslocados da realidade econômica do país, sem uma concepção adequada de desenvolvimento econômico e social.

Outra necessidade de revisão de gastos é o das isenções tributárias, como recentemente divulgado. Elas consomem cerca de 4% do PIB, ou R$ 400 bilhões por ano. Desse modo, setores econômicos provavelmente estão se acomodando em sua ineficiência, não admitindo mais a retirada de estímulos que deveriam ser provisórios. O caso mais flagrante deve ser o da agropecuária exportadora, que recebe muitos subsídios e paga poucos impostos (inclusive sobre ganhos extraordinários que não se devem ao seu mérito). Com essas isenções, o mercado é distorcido, pois esses setores beneficiários atraem para si capitais que não produzem desenvolvimento econômico e
social de longo prazo como outros poderiam.

Um setor que deve receber ênfase é o da educação. Os recursos escassos devem ser alocados prioritariamente no setor público. A educação é um fim em si mesmo, mas o foco dos gastos dos recursos da sociedade deve ser a educação pública. No caso da educação superior pública, os gastos devem ser recompostos, mas a expansão futura deve ser planejada levando em conta a demanda por quantidade e qualidade de profissionais. Ou seja, não basta criar oferta de mão de obra qualificada, é necessário que a demanda por essa mão de obra cresça concomitantemente, sob pena de frustração coletiva de milhões de jovens. Essa demanda não está sendo criada
pelo mercado, necessitando de políticas industriais e investimentos públicos. Portanto, os gastos públicos em educação superior devem fazer também parte de uma política industrial.

Outra área que deve ganhar atenção especial é o das políticas industriais e de inovações. Essas medidas são muito importantes, mas devem ser reavaliadas as experiências dos governos petistas anteriores. Incentivos sem foco adequado acabam se tornando improdutivos e, portanto, desperdícios. Essas políticas devem ser construídas através de missões prioritárias, definidas de acordo com um planejamento baseado em necessidades sociais, e não como subsídios generalizados e sem foco. O BNDES também deve ter sua atuação voltada para o cumprimento de uma estratégia de desenvolvimento, e não atuar como um banco de investimentos que atende qualquer demanda bem fundamentada. Parte essencial desses gastos deve ser do próprio governo e das empresas estatais, pois sabe-se que, apesar das políticas de inovação e das políticas industriais nos governos anteriores do PT, o gasto privado em inovações efetivas continuou ínfimo, assim como os investimentos privados. Esses últimos estão estacionados em torno de apenas 14% do PIB há décadas. E ainda mais agora, após as eleições, quando várias empresas privadas anunciaram que iriam reduzir seus investimentos em caso de vitória do candidato que não era de extrema direita. Isso justifica e amplia a necessidade de aumento dos investimentos públicos, o que também torna importantes os cortes de gastos como os vistos anteriormente.

Infelizmente o excedente econômico brasileiro crescentemente está sendo alocado em atividades improdutivas. Vamos construindo cada vez mais “pirâmides” e “catedrais”, sabotando o crescimento futuro. Essa questão deve pautar os cortes de gastos, para que haja uma alocação mais produtiva do trabalho.

É evidente que o dito “mercado” e os setores privilegiados do setor público (que na prática reivindicam soberania e que o “mercado” não contesta) não permitirão grandes cortes em seus orçamentos superdimensionados, assim como também não admitem reformas tributárias que poderiam propiciar muito mais justiça e eficiência à economia. Mas se pelo menos isso ficasse claro, já seria um ganho.

Texto publicado originalmente no Sul21.

* Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS.

Foto – Antonio Cruz/Agência Brasil

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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