Opinião
Nova linha de defesa do tenente coronel
Nova linha de defesa do tenente coronel
De CARLOS R. WINCKLER*
Mauro Cid obedecia ordens. Qual o limite para obedecer ordens? Mais um passo para safar militares de alto escalão de responsabilidades. Procuram jogar tudo nas costas de Bolsonaro e família, além de cúmplices civis variados.
O tenente coronel chegou lá como? Bolsonaro foi ungido como candidato do chamado “partido militar” desde 2014 quando era recebido nas Agulhas Negras com todas as honras, nomeou milhares de oficiais para cargos na administração pública – sejamos justos, esse processo vem no mínimo desde o golpe de 2016. Um ajudante de ordens é o indicado pelo alto comando para ser olhos e ouvidos junto ao Executivo. Curiosa a linha de defesa: um tenente coronel, alguém ingênuo que movimentou milhões em suas contas e nada sabia, ou sabia, mas como bom militar a serviço da Pátria, balbuciava, por vezes, que não se podia fazer daquela maneira. Malandramente sugeria linhas diversionistas. Um toque tropical à linha de defesa utilizada por Eichmann no Tribunal de Nuremberg. Afinal, só transportava judeus. As ordens da solução final vinham de Hitler.
Na Alemanha nazista houve quem se negasse a cumprir ordens, muitos pagaram com a vida. Mas é algo ocioso citar o caso alemão. Por aqui se tem bons exemplos de invulgar coragem cívica. Em 1968, o Capitão Sérgio Macaco, oficial da Aeronáutica, se negou a cumprir ordem do brigadeiro João Paulo Burnier para explodir o Gasômetro do Rio de Janeiro a pretexto de “salvar o país do comunismo”. Em agosto de 1961, no auge da Campanha da Legalidade, sargentos e suboficiais não cumpriram ordens dadas por oficiais, que seguiam determinações dos ministros militares, em preparar aeronaves para bombardear o Palácio Piratini, núcleo da resistência democrática à tentativa de golpe. Na Argentina centenas de militares, julgados e condenados pelos crimes perpetrados na bárbara ditadura militar, tentaram utilizar o argumento da obediência devida.
O depoimento de Walter Delgatti, o hacker de Araraquara, após delação premiada na Polícia Federal, já em seus momentos iniciais mostrou os vínculos entre Bolsonaro e militares de alto escalão, na tentativa de desmoralizar as eleições e criar um clima para a “ruptura”. Grampear telefones do TSE, STF, produzir simulações de fraudes faziam parte do pacote com participação do hacker, patrocinado pela deputada fascista Carla Zambelli. Segundo o depoimento, ocorreu um encontro no Palácio do Planalto com presença de representante do Exército, comandado por Gomes Freire, e encontro com técnicos em informática no Ministério da Defesa chefiado pelo general Paulo Sérgio Nogueira.
Walter Delgatti, inquirido como testemunha na CPMI, reafirmou a absoluta responsabilidade de Bolsonaro. Na prática, uma forma de isentar os criadores. O Gabinete de Segurança Institucional, chefiado pelo inefável general Heleno passou ao largo de tudo. O tenente -coronel Mauro Cid, presume-se, preparava cafezinho para as visitas. Todos envolvidos usarão o argumento da obediência devida se acuados. Cid é pioneiro no uso do argumento. Mas obediência devida a quem, na realidade?
Sem dúvida, o tenente-coronel é uma alma cândida, merece ser anistiado preventivamente – de preferência na companhia de todos envolvidos – e quando a poeira baixar chegar ao generalato com uma piscadela do Alto Comando.
*Sociólogo. Graduado em Letras e Direito, com especialização em Mídia e Sociedade.
Imagem em FreePik.
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