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Opinião

Nossa democracia está por um fio

Nossa democracia está por um fio

Artigo por RED
07/10/2022 15:36 • Atualizado em 09/10/2022 20:40
Nossa democracia está por um fio

De ONDINA FACHEL LEAL*

Lula venceu o Primeiro Turno com 48% dos votos e isso é um fato político excepcional. Sua vitória, foi prevista, considerando a margem de erro, dentro do que foi anunciado semanalmente nesse último mês, por pelo menos dois dos principais institutos de pesquisas eleitorais, Data Folha e o IPEC. O que as enquetes eleitorais não conseguiram captar, pelo menos, não em toda sua dimensão, foi o quanto um ideário autoritário e conservador que toma a forma de bolsonarismo está espalhado feito um caldo de cultura nas entranhas de nossa sociedade.

As enquetes de opinião eleitoral, exatamente por serem pesquisas quantitativas que apresentam uma fotografia de uma realidade momentânea e por isso mesmo, superficial, não são desenhadas para captarem os corações e mentes do eleitor, mas tão somente uma intenção de voto naquele momento da pergunta e dada aquelas condições. Nada há de errado com as pesquisas, apenas não podemos pedir desse tipo de enquetes mais do que elas podem nos dar. Isso é sempre verdade com qualquer instrumento de investigação. Hoje, é possível que esses clássicos instrumentos de avaliação de opinião estejam um tanto defasados, dado o ritmo e velocidade que a informação (ou falsa informação) circula nas redes sociais digitais e o protagonismo dessas redes como formadores de opiniões. Certamente, cabe a nós cientistas sociais, melhorar esses instrumentos. E, cabe a nós, avaliarmos as pesquisas com a devida cautela e, sobretudo, criar outros instrumentos qualitativos de avaliação para balizar e/ou complementar a análise destas grandes enquetes. Mas não é disso que devemos tratar agora. Outras urgências se impõem.

Temos que entender que é extraordinária a vitória de Lula. É extraordinária a nossa vitória nesse Primeiro Turno. Temos um líder ímpar que representa uma longa luta histórica contra a ditadura, pelo estado de direito e por justiça social. Lula, ex-presidente de governos com imensa aprovação popular, sobrevivente da prisão que o calou e o humilhou (porque não há humilhação maior do que a da injustiça), que retorna mais velho e mais sábio com disposição para a liderar a nossa luta pela democracia. Isso ocorre em uma conjuntura em que a nossa sempre incompleta democracia novamente se vê ameaçada por aqueles que, para resumir aquilo que nada tem de simples, se poderia apenas identificar como os inquilinos da banalidade do mal, do mal em todas as suas perversas dimensões.

Nossa democracia está por um fio. Um embate final entre forças conservadoras e progressistas que definirá o nosso futuro está agendado para o próximo dia 30 de outubro. Se o Primeiro Turno nos ensinou alguma coisa foi que o enraizamento de uma cultura conservadora é muito mais profundo e extenso do que nós, quem sabe do alto de nossa arrogância (ou, na melhor das hipóteses, nossa ingenuidade) tínhamos conseguido perceber. Afinal, carregamos a bandeira da democracia e do estado de direito como se valores fossem que a todos dizem respeito. Não são. Isso ficou explicitado no recente pleito. Existe um perigoso desejo fascista por aí espreitado o nosso cotidiano, na violência das palavras de ódio, quando desviamos o olhar daquele que diz que tem fome, em cada ato racista, em cada medo que impediu que carregássemos a bandeira de nosso partido.

Repito, nossa democracia está para um fio. A única forma de sairmos vitoriosos no Segundo Turno dessas eleições presidenciais é através de uma aliança ampla, irrestrita e mesmo radical − no sentido de uma amplitude heterodoxa − do que resta de forças democráticas nesse país. Será preciso também aliar-se e dar visibilidade a novas alianças, como os principais meios de comunicação de massa. Será preciso ir além, romper nossas bolhas de consenso, romper nossas próprias barreiras, saber articular-se com inimigos de passadas e ressentidas conjunturas. Será preciso entregar os anéis para não perdermos os dedos.


*Antropóloga, autora de Os Gaúchos: cultura e identidade masculinas no pampa. Tomo Editorial, 2020.

Imagem em Pixabay.

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