?>

Opinião

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

Artigo por RED
15/10/2022 15:22 • Atualizado em 18/10/2022 01:39
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

De ANTONIO CARLOS GRANADO*

As análises sobre os resultados eleitorais que vêm formando textos e conversas, no campo progressista, têm variado fortemente de foco e tom. Fomos derrotados? Não, com certeza não. Fomos, então, vitoriosos? Não também, com certeza não. As possibilidades de Lula, no dia 30, ser eleito são muito maiores do que as de Bolsonaro, mas este não é exatamente um cachorro morto a ser chutado. É necessário entender melhor o quadro que se formou no primeiro turno e redesenhar alguns elementos de estratégia de campanha.

Os resultados eleitorais precisam ser analisados em vários aspectos e estes são, muitas vezes, contraditórios. Por um lado, aprofundou-se a polarização territorial entre os campos políticos, com uma vitória de Lula majoritariamente no Nordeste, mas também no Norte e em Minas Gerais. Bolsonaro, por sua vez, foi vitorioso no Centro Oeste, no Sul e em boa parte do Sudeste. Por outro lado, o quadro parlamentar que emerge apresenta crescimento dos partidos de extrema-direita, em detrimento da direita mais democrática, que antigamente era representada pelo PSDB, PSD e parte do MDB. Esta ainda tem expressão nas bancadas de partidos como o União Brasil. Há que refinar essa análise, descendo ao nível dos nomes, pois essas agremiações políticas não são partidos ideológicos e os parlamentares oscilam dentro deles e entre eles. O chamado Centrão manteve sua expressão e, seja qual for o Presidente eleito, continuará impondo o jogo das barganhas políticas.

Como trabalhar uma aproximação com a centro-direita de perfil democrático? Que tipo de concessão é possível fazer-se para a busca dessa aproximação? Seria possível absorver algumas das propostas que deram ênfase às candidaturas de Ciro e de Simone Tebet? Algumas delas não possuem contradição com as propostas defendidas pela candidatura Lula. Como aproximar-se de setores econômicos que não têm em Bolsonaro um governante confiável para seus negócios? Esse empresariado existe ou foi absorvido pelo sistema financeiro e pelo agronegócio exportador? Como fortalecer candidaturas aos governos estaduais com os quais seja possível uma aproximação e que terão de enfrentar candidaturas bolsonaristas? Em todos esses casos, como ceder sem descaracterizar a essência de uma base de reconstrução do futuro nacional? Esse equilíbrio precisa ser buscado entendendo-se as especificidades de cada estado e de cada candidatura estadual.

As eleições em São Paulo, dada a enorme migração de votos da base de Rodrigo Garcia, em um voto útil antipetista, para Tarcísio de Freitas, talvez sejam o caso mais sintomático da necessidade de mudança de rumos. São Paulo é o maior colégio eleitoral do Brasil e o mais importante segundo turno que se vai disputar. Como buscar o voto do Interior paulista que não está ligado ideologicamente a Bolsonaro e Tarcísio? Como aproximar-se de prefeitos não bolsonaristas, mas que não estiveram na base de apoio da candidatura Lula? Que papel precisa jogar Alckmin neste caso concreto? Talvez sua dedicação a São Paulo necessite ser maior do que a que foi dada no primeiro turno.

Outro aspecto a entender melhor, necessitando de rápidos estudos mais profundos, é o do fenômeno da resiliência e, de certo modo até, de crescimento da extrema-direita no Brasil, que tem sido identificada como bolsonarista. Este espectro precisa ser melhor entendido, pois caracteriza-se por nuances bastante distintas. Em parte importante, ele constitui um setor fortemente ideologizado, construído em torno de polaridades e ódios, formados a partir de visões extremamente duais, configurando o “Bem” e o “Mal” e construindo estes conceitos em torno de um pequeno número de questões, onde os motes situam-se em muito poucas narrativas. Estas narrativas, ao redor de questões de costumes, da família e da “ética”, com conteúdo religioso fundamentalista, materializa-se em algumas ideias-força: Deus e demônio, virtude e pecado, corrupção e honestidade, comunismo e liberdade, entre alguns poucos outros. Estas ideias-força identificam as mazelas à esquerda, particularmente ao PT e a Lula, e o Bem (a salvação) à direita, às Forças Armadas, inclusive a Bolsonaro. “Quem está com Bolsonaro está com o Bem e quem está com Lula está com o Mal”. Esse maniqueísmo ganhou centralidade na luta política e há muita dificuldade em combatê-lo. Por ser dualista e simplificador, acaba havendo dificuldade de contraposição a essas narrativas. Toda crítica depende de se compreender as diferentes nuances que compõem a realidade e um argumento deste tipo não tem condições de ser dual. Fato concreto é que, com esse caldo de cultura, houve um crescimento da extrema-direita no jogo da correlação de forças política. A campanha política precisa se reciclar, em termos de forma, de conteúdo e de narrativa, para disputar o público passível de ser atraído, por ser refém do discurso da extrema-direita, mas que não constitui a base-raiz do bolsonarismo?

Muitas lideranças políticas, com credibilidade no campo progressista, estiveram, durante o primeiro turno, fortemente conectadas às campanhas proporcionais, subalternizando a campanha presidencial e as dos governadores aos interesses da busca de sua própria eleição. No quadro formado a partir dos resultados do primeiro turno, com parte dos governadores já definidos, bem como a totalidade dos deputados estaduais e federais e senadores, essas lideranças políticas precisam ser organizadas em torno das campanhas estaduais ainda indefinidas e, com muita força, em torno da campanha de Lula ao segundo turno. Reorganizar os comandos de campanhas, o conteúdo dos discursos e a dinâmica das mesmas, é uma necessidade imperiosa para nosso sucesso eleitoral e muito, também, para o desenho de nossos futuros governos nacional e estaduais.

Assim, nem derrota, nem vitória, mas muito trabalho pela frente.


*Economista.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

Toque novamente para sair.