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Opinião

Nem retroceder, nem parar, nem precipitar

Nem retroceder, nem parar, nem precipitar

Artigo por RED
24/04/2023 05:30 • Atualizado em 25/04/2023 12:27
Nem retroceder, nem parar, nem precipitar

De LINCOLN PENNA*

Como republicano não deixo de reconhecer falas de monarquistas, quando elas possuem fundamentos. Refiro-me as palavras de um político do Segundo Reinado, cuja fala parece se ajustar como sugestão ao atual governo do presidente Lula. E o faço diante das perspectivas que conduzem a atual gestão presidencial, que me parecem difíceis do ponto de vista da implantação de uma pauta governista que dê real transparência às ações aguardadas pelos que o elegeram. É sobre esse quadro me ocuparei neste ensaio.

Antes, porém, cabe justificar o título desta abordagem de ordem conjuntural apoiado no lema criado por um ministro de gabinete do segundo reinado. A 9 de junho de 1884 Souza Dantas apresentou à Câmara dos deputados o seu programa de governo. Seu objetivo era o de travar o movimento abolicionista mais consequente de modo a tentar preservar os fazendeiros escravocratas. De um lado, admitia concessões aos que sustentavam a tese da libertação dos escravos que, apesar de a lei do Ventre-Livre, ainda atingia grande parte da escravatura; mas, de outro, zelava pelos interesses dos escravocratas. Esse era o intento de Souza Dantas.

Os verbos que assinalam o lema de Dantas podem ser de certa maneira aplicados ao governo Lula, no contexto de um processo eleitoral na qual a sua eleição foi forçada pelas circunstâncias a montar uma ampla frente de forças políticas para alcançar a vitória. Muito embora capitaneada por um conjunto partidário de centro-esquerda e com projetos reformistas de cunho estruturantes, o fato é que a governabilidade exige o emprego da conjugação desses verbos. Senão, vejamos.

Retroceder jamais aos tempos mediatos ou imediatos, principalmente. Não importa se esse retrocesso visa lembrar bons e, portanto, favoráveis momentos dos governos do PT passados, do próprio Lula e de Dilma Rousseff, o que importa para o povo é o que fazer na atual quadra em que nos encontramos. Reconstruir foi o verbo usado pelo governo tão logo venceu às eleições e assumiu o mandato. Mas, a reconstrução não é uma volta atrás e sim o relançamento de atos e medidas que impulsionem os projetos mirando mudanças esperadas faz tempo. Ou seja, o objetivo é destravar a interrupção.

Sem parar, sem dúvida. Afinal, o tempo não para, já dizia o poeta Cazuza, e ele nada mais é do que a representação de um processo que não pode ser estancado. Porém, esse verbo parar, na sua aplicação política significa, neste caso, não dar curso às demandas que objetivamente se encontram diante de críticas oposicionistas e, muitas delas, de caráter oportunista. Como de resto têm sido todas as manobras derivadas desses grupos que se embrenharam junto aos poderes que os transformaram muitos deles em detentores de mandatos parlamentares com o intuito de impedir as decisões do governo.

Dentre elas, a retomada da reforma agrária impulsionada pelo MST, parte integrante da base do governo. A velha e enraizada defesa da propriedade privada, que no campo foi objeto de ocupação desenfreada até sua regulação como mercadoria pela Lei das Terras de 1850, volta a ser objeto de contestação dos velhos e novos grandes proprietários. A maioria deles ainda latifundiários que se escoram no agronegócio para com isso buscarem o apoio da opinião pública, como se produtores rurais fossem. São, na verdade, donos e especuladores de terras.

Logo, é preciso agilizar as decisões que não passem necessariamente pelo parlamento. Estas devem ser negociadas com permanente mobilização social. E é aí que reside a questão crucial para um governo comprometido com as demandas sociais, isto é, o fomento e apoio dos processos que levem à conscientização de nossa realidade embaraçada pelos ideólogos do poder econômico e financeiro, de modo a turvar a visão dos que mais necessitam das decisões governamentais. Estas precisam ser adotadas mediante a pressão popular, porquanto decisões de gabinete não as favorece.

Por outro lado, e ainda em torno dessa questão da impossibilidade de impedir o fluxo das ações do governo, é conveniente alertar para a tática bolsonarista de fazer emperrar na medida do possível às ações das políticas públicas. Essa tática visa verdadeiramente criar uma situação de paralisia das medidas provenientes do executivo nacional. As proposituras de CPIs e até de CPMs no congresso nacional atestam essa iniciativa por parte de uma oposição mais raivosa em relação ao governo e suas proposições, haja vista a votação do Arcabouço que será um primeiro grande teste para se saber o alcance dessa tática de postergar tudo para sempre.

No que se refere à conjugação do verbo precipitar é bom esclarecer desde logo que se trata de uma atitude similar à tudo que se oponha à cautela. Neste sentido, o paralelo com a política de Reformas de Base do governo Jango faz algum sentido, porque o projeto contava com o respaldo de amplas parcelas do povo, mas certas convicções presentes à época, como a da legalidade das Forças Armadas, por exemplo, acabariam por gerar expectativas muito acima das implicações para uma sociedade com forte pendor conservador, como de resto algo semelhante com o que acontece hoje.

O que se dá na política externa é um exemplo. A despeito do relativo peso do Brasil em temas como o da questão ambiental construído inteligentemente no passado não tão remoto assim, há que de tomar precaução diante de um quadro internacional em franca mutação. Meter a colher tem que ser feito de modo cauteloso e amparado pelos nossos parceiros da América Latina, para evitar problemas desnecessários onde precisamente o governo tem tudo para retomar o seu protagonismo, desde que faça a coisa certa. E a coisa certa principia em reaglutinar os nossos irmãos latino-americanos de modo a firmar uma posição de liderança da região que, por sinal, conta com o aval da maioria senão até de todos os demais coirmãos.

A partir daí, sim, faz sentido a proposição de um fórum visando a paz na guerra entre Rússia e Ucrânia trazendo consigo toda a comunidade de países da América Latina, ao mesmo tempo que cria na prática um pacto comum com esses países em face de suas relações com os EUA, que como nação de forte influência na região e ainda no mundo trabalha sua política externa na região através de relações bilaterais, pois sabe o risco de uma unidade latino-americana para os seus interesses históricos na região.

Na política interna nunca é demais repensar a criação de conselhos populares escorados no artigo primeiro da Constituição que assegura o poder de participação direta, além, é claro da eleição de seus representantes. Por que não, estimular a criação de um fórum a abrigar a multiplicidade de organismos independentes, do tipo de Ongs e Oscips, para serem portadores de pleitos que digam respeito ao povo das inúmeras comunidades autônomas existentes do país?

É preferível demorar um pouco mais a tomada de decisões em certos casos, especialmente no que diz respeito à problemática social, não obstante a urgência neste caso, do que açodadamente tentar agir de modo a não consultar o povo através de um organismo mais plural e capaz de ganhar legitimidade com o tempo. Daí, o emprego do verbo precipitar fazer algum sentido. A precipitar que se dê desde logo atenção a essa interlocução entre governo e sociedade minimamente organizada e mobilizada em busca de seus direitos de cidadania efetiva. Só dessa maneira é possível o verdadeiro reencontro do povo com os seus governantes. A história mostra isso.

Por fim, fica a advertência segundo a qual é necessário estar atento e forte em face das inúmeras pressões de cunho antidemocráticas que poderão vir a acontecer por parte das tendências fascistas que não esmoreceram seu vigor; e, por outro lado, não deixar que a máquina governamental com o seu andar vagaroso venha a aumentar a insatisfação permanente de um povo que não se livrou do estado de vulnerabilidade em que se encontra.


*Doutor em História Social, conferencista honorário do Real Gabinete Português de Leitura, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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