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Indiferença e Impunidade: caminho seguro para a barbárie

Indiferença e Impunidade: caminho seguro para a barbárie

Politica por RED
15/12/2024 09:00 • Atualizado em 13/12/2024 14:56
Indiferença e Impunidade: caminho seguro para a barbárie

Por LINCOLN PENNA*

Quando a violência generalizada toma conta de nosso cotidiano, e os atentados à democracia e aos direitos humanos, embalados pelo ódio, atingem níveis insuportáveis e são ainda por cima naturalizados, entramos no caminho da barbárie, rota que não tem volta. Ela provoca a quebra dos valores e princípios caros, construídos de modo a assegurar às conquistas que nos levaram até aqui e que podem ser aniquiladas em pouco tempo.

Houve época em que medidas proativas teriam o condão de minorar senão erradicar ações cometidas na linha da contravenção, resultantes de erros de condução, seja por governantes ou por decisões de organismos institucionais as abonarem. Darcy Ribeiro chegava a dizer a sua maneira da necessidade de se passar a limpo o país diante dos caminhos erráticos que nos conduziram a não equacionar os nossos problemas. Ele estava certo quando assim se posicionou, como de resto sempre o fez ao examinar a nossa formação histórica. Mas de lá para cá a recorrência dos erros, a começar pela inação, atingiu tal ponto que a prática da conciliação não só não resolve os nossos impasses como tem dado lugar à impunidade.

Essa situação de normalizar o que se passa no Brasil e no mundo pela indiferença, atitude que é conveniente para quem se acha suficientemente protegido das intempéries de nosso tempo, ganha uma dimensão preocupante, cujas medidas já não poderão mais se limitar a um passar a limpo como apregoava o nosso Darcy.

O grau de agravamento da situação em que se vive aponta para vias mais angustiantes e tenebrosas, caracterizadas por confrontos permanentes, a ponto de dissolver normas e preceitos básicos instituídos pelos pactos assumidos coletivamente.

Postergar as ações corretivas é conviver com a impunidade, que reside em parte em nossa tradição conciliatória. Essa parceria indesejável prospera e tem impedido que o conjunto das forças sociais mais afetadas percam as esperanças em governos populares. Decorre disso a baixa confiabilidade na política como instrumento de resolução de impasses e soluções para os crescentes problemas dos mais necessitados, cujo papel é o de manifestar ruidosamente os constrangimentos de que são vítimas.

A barbárie não é uma ameaça e tampouco um desastre terminal. É a alcunha que se dá para situações em que a reversibilidade se torna quase improvável. É o tempo da saturação das expectativas, do silêncio obsequioso dos que detêm o poder de decisão diante de crises crônicas, e que tendem a promover a depressão massiva do corpo social impotente e devastado. Situações como essas descritas sumariamente acontecem em sociedades nacionais submetidas a guerras intestinas duradouras ou em escala que atingiram patamares de alta crueldade, dada a massificação de vidas ceifadas e indefesas diante do volume alcançado pelas tragédias incontroláveis.

Há, no entanto, como sair dessa situação, muito embora não existam fórmulas mágicas, mas uma condição fundamental consiste na plena consciência de que estamos numa escala na qual a violência tem feito parte das estruturas de poder, que a reproduz porque foi por ela gerada.

Se não tomarmos ciência dos desdobramentos dessa situação para que nos alertemos para o perigo que corre a vida humana e por extensão os demais seres vivos, numa Terra sucateada pela violência da ganância sem limites, ingressaremos no furacão que nos conduzirá à barbárie. Logo, é indispensável a tomada de decisões, que passam pela política em suas diversas representações, seja no âmbito institucional como no que concerne as formas organizativas independentes do povo.

Tal como uma moléstia que afeta um indivíduo, a cura começa com o diagnóstico e o conhecimento tanto quanto possível de seus efeitos no organismo humano. Da mesma forma, no organismo social é possível não só detectá-la como prover meios para debelar seus efeitos, que para isso requer sabedoria, mais do que mera constatação ou efeitos demonstrativos, em geral, ineficazes. O melhor exemplo dessa ineficácia é a resposta violenta à violência por parte do Estado, só aceitável para quem quer impedir as transformações que produzam justiça social.

Contudo, para que isso aconteça é necessário superar os entraves resilientes de nossa cultura política, que combina o egoísmo dos que ocupam o andar de cima de nosso edifício social com o desprezo para os vulneráveis, objetos apenas do recurso de sua força de trabalho para atendê-los. Essa praga do descaso, traço forte de uma tradição fundada na escravocracia ainda recorrente, não obstante ter sido abolida a escravização de seres humanos, é uma moléstia social que paira impune, mercê da tara continuada impotência de enfrentar esse desafio histórico e dos demais gargalos estruturais.

Enquanto persistirmos no faz de conta, no apadrinhamento do não fazer, estaremos sendo cúmplices passivos desse panorama que dá sinais concretos de um percurso a que vislumbremos as sombrias nuvens de um apagão civilizatório, para o qual não estamos nem aí, se tomarmos como referência a média de uma humanidade que parece estar sendo tragada pela mais brutal e estúpida ignorância. O pior é que voltada para o seu umbigo, no mais sórdido descompromisso com os seus semelhantes e a vida na Terra, cuja sorte não se encontra imune nesses tempos nebulosos.

 

*Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).

Foto de capa: IA 

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