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‘Nau dos Insensatos’: exposição de cartunistas denuncia a dimensão política das enchentes

‘Nau dos Insensatos’: exposição de cartunistas denuncia a dimensão política das enchentes

Cultura por RED
14/09/2024 09:00 • Atualizado em 13/09/2024 20:31
‘Nau dos Insensatos’: exposição de cartunistas denuncia a dimensão política das enchentes

Mostra com desenho gigante que retrata ‘Naufrágio do Estado Mínimo’ estreou na Capital antes de percorrer o RS

Por MARCELO FERREIRA*/Brasil de Fato/RS
Após dois meses de trabalho, cerca de 20 cartunistas da Associação de Artistas Gráficos do Rio Grande do Sul (Grafar) inauguraram em Porto Alegre a exposição “Nau dos Insensatos – O Naufrágio do Estado Mínimo”. Com o tradicional humor crítico do cartum, a mostra retrata a devastação e a dimensão política das enchentes que atingiram o estado.

A exposição estreou no início deste mês, em uma curta temporada no salão de eventos da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras do Rio Grande do Sul (Fetrafi-RS). Depois, deve se tornar itinerante.

São 60 cartuns em formato A3, que acompanham a obra principal, um desenho gigante e coletivo de sete metros de comprimento por três de altura. Grandeza que, segundo o cartunista e diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, representa o tamanho da tragédia.

Exposição Nau dos Insensatos O fracasso do estado mínimo CUT-RS

“Nos veio à cabeça imediatamente a Guernica do Picasso, que foi feita para registrar o bombardeio na cidade de Guernica. E nós imaginamos uma espécie de Guernica da enchente”, explica.

O nome “Nau dos Insensatos”, prossegue Schröder, também veio quase imediatamente. “Ela representa uma alegoria muito conhecida na história da arte, que é uma pintura do Hieronymus Bosch, que registra um barco sem comando, no meio do oceano, cheio de gente insana, descontrolada, entregues aos seus desejos privados, sem nenhuma articulação, sem nenhuma saída coletiva.”

O cartunista afirma que as obras provocam questionamentos sobre elementos que estão por trás da tragédia, como o enfraquecimento da legislação ambiental e a falta de ação política. Ele pontua que a “falta do rigor” nas leis fez com que “esse canteiro de soja que o Rio Grande do Sul se transformou possibilitasse às águas descerem nessa velocidade, nessa quantidade muito superior, por exemplo, à enchente de 1941”.

“É uma crítica de dirigentes eleitos para tal que apostaram, primeiro, no neoliberalismo, onde o Estado foi reduzido ao seu mínimo. Em segundo lugar, um niilismo, um negacionismo ambiental que resultou, por exemplo, num governante municipal que sequer azeitou as comportas que existiam há mais de 50 anos e que tinham funcionado até então, sequer colocou graxa nessas comportas e que manteve os disjuntores das bombas num nível abaixo da enchente”, completa Schröder.

Função social do humor

Os cartunistas se reúnem na Grafar desde os anos 80. Atualmente, contam com o jornal eletrônico mensal O Grifo. O grupo destaca a função social do humor, que para o cartunista Edgar Vasques, passa por “não deixar a gente enlouquecer”.

“Funciona como uma válvula de escape para as frustrações, para a enorme gama de problemas que a gente vive”, prossegue. Outra finalidade é mostrar as realidades “através da linguagem sedutora e pílula dourada do humor”.

“O humor promete o prazer do riso e entrega a consciência. E para chegar no riso, você tem que entender o que o cara está dizendo. Então, o papel do humorista são essas duas pontes principais”, comenta Vasques.

A cartunista Fabiane Langona entende que “um artista é o reflexo do seu tempo”. Ela destaca o papel do grupo como artistas gráficos para além do registro histórico do tema tratado.

“Nesse trabalho da charge é importantíssimo para que a gente traga nossas reflexões e talvez abra o olhar das pessoas para novas interpretações dos fatos, independente de aspectos, seja de mídia impressa, seja de veículos oficiais, mas acho que a arte conversa com as pessoas de uma forma mais abstrata, mais emotiva.”

Entidades sindicais parceiras na exposição

A exposição tem apoio de entidades sindicais e produção da Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (CUT-RS), que vai torná-la itinerante. A ideia é levar as denúncias a outros territórios atingidos no estado.

“Nós estamos discutindo com universidades do Interior, sindicatos que tenham espaços grandes, para que a gente possa não só expor, como também levar esses cartunistas para falar com as pessoas que vão apreciar e vão, digamos assim, ao nosso ver, se engajar nessa luta”, afirma o presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci.


Cartunistas e representantes de entidades apoiadoras da exposição reunidos em frente à obra principal / Foto: Katia Marko

O dirigente sindical ressalta que a luta “é feita de manifestações de rua, protestos, manifestações de todo tipo, atos públicos”, e é sempre crítica. “Aqui nós estamos falando de cartunistas gaúchos que são inconformados, que são resistentes a essa ideia do planeta destruído, de um sistema que quer explorar a natureza, de uma ideia de um Estado mínimo, de desregulamentação do sistema de proteção ambiental, de exclusão, de desigualdade.”

Com curadoria de Celso Schröder, a obra que arrancou uma salva de palmas ao ser revelada na inauguração em Porto Alegre é assinada por Edgar Vasques, Santiago, Bier, Hals, Kayser, Fabiane Langona, Uberti, Bruno Ortiz e Eugênio Neves. A exposição também conta com o apoio do Sindjors, Sindbancários-RS, Sintrajufe-RS, CPERS, Adufrgs Sindical, Fetrafi-RS e Grafar.

Foto da capa: “Nau dos Insensatos – O Naufrágio do Estado Mínimo” tem sete metros de comprimento por três de altura / Foto: Joni Oliveira/CPERS

Artigo originalmente publicado no portal Brasil de Fato RS

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