Opinião
Não mexa comigo, eu sou nordestino!
Não mexa comigo, eu sou nordestino!
De LEONARDO MELGAREJO*
Na última semana, em que sob liderança de bolsonaristas e até por parte do próprio presidente que mente, as manifestações de xenofobia invadiram o país, não é possível deixar de apoiar a indignação de nossos irmãos e irmãs nordestinos/as, que estão reagindo à altura.
Relembrando: o presidente que mente, depois de ofender mulheres, homossexuais, japoneses, quilombolas, indígenas, chineses, pessoas sufocando por falta de ar e vacinas, os ministros do STF e até os presidentes da França, Argentina, Portugal e Chile, acaba de cuspir que os nordestinos são analfabetos e por isso não votam nele, que nada fez pela região, e preferem a volta do Lula, com seu carinho, suas escolas, universidades, fontes de trabalho e políticas inclusivas.
Na mesma semana uma liderança da OAB de Uberlândia, Dra. Flavia Aparecida de Moraes, também invadiu as mídias brindando com taças de algo que parece vinho branco, sua ignorância ofensiva aos nordestinos. Se achando grande coisa, chegou a ameaçar o Nordeste de não mais ir passar suas as férias por lá.
Para compensar o estrago, evidenciado na reação nacional à estupidez que compartilha com sua turma, o presidente que mente prometeu mais corrupção, compra de votos e distribuição de dinheiro. Aliás, já promete inclusive que, se eleito, gastará mais do que seu próprio orçamento permite. E cá entre todos, para conseguir isso já está abusando do maior escândalo de corrupção da história deste país. E diz que o orçamento secreto não é coisa sua. Mas ali, desde o início de seu governo, vem sendo transferida, dos ministérios para o Centrão, a “decisão sobre o que fazer com R$ 65 bilhões” (“mais de DEZ LAVA JATOS”).
Se trata de tão evidente troca de favores dirigida por interesses discriminatórios que a maior parte dos R$ 36 bilhões ali empenhados via emendas de relatores (até maio) “ficou concentrada em 7,6% das 5.570 cidades do país”. Literalmente, conforme matéria citada, “esse dinheiro, que deveria ser gasto pelo Executivo com bases técnicas, está sendo usado para matricular alunos fantasmas na base eleitoral do ministro da Casa Civil para roubar dinheiro da Saúde e da Educação no curral eleitoral do presidente da Câmara, para arrancar dentes inexistentes e faturar com fraudes, e para outras tantas barbaridades” relacionadas, segundo a grande imprensa, à compra de votos. Surpreende que não haja reação nacional ao fato de que “cidades “inimigas” ficam sem verba. É a nova política expandindo a visão daquela advogada que “não vai mais alimentar quem vive de migalhas” e vai passar a desfrutar suas férias tão somente “no Sudeste, no Sul ou fora do país”.
O mais grave, nisso tudo, é o comprometimento do futuro. Pessoas que se consideram “de elite” e seguem a liderança do presidente que mente não se envergonham das más influências que exercem e do estrago que com isso fazem na mentalidade da juventude. Ao desprezarem a realidade de milhões, ajudam na construção de uma realidade fictícia, onde este governo não tem responsabilidade para com os biomas que queimam, o desemprego que cresce, as violências que se naturalizam, as instituições que perdem credibilidade e a fome que avança neste país.
Para o presidente que mente, “essa senadora [Simone Tebet, candidata do MDB à Presidência da República] aí, falou besteira. Gente passa mal? Sim, passa mal no Brasil. Alguém já viu alguém pedindo um pão na porta, ali, no caixa da padaria? Você não vê, pô”, ou … “Se eu falar para você que não tem fome no Brasil, como tem gente da imprensa me assistindo aqui, amanhã o pessoal esculacha comigo na imprensa. Mas eles não sabem a realidade, se existe gente faminta no Brasil ou não. O que a gente pode dizer? Se eu for em qualquer padaria aqui, não tem ninguém pedindo para você comprar um pão para ele. Isso não existe.”
E como a gente não quer só comida, o fato dele subtrair recursos do MEC, para alimentar o orçamento secreto, compromete nosso futuro em outras dimensões. De um lado, os cortes nas bolsas de estudo, no pagamento de despesas com água, luz e salários, ao inviabilizarem Institutos e Universidades Federais, interrompem a ascensão de classes populares secularmente desfavorecidas. Parece que voltou atrás e se desdisse neste caso dos recursos do MEC. Prática comum dos trapalhões, mentirosos e pessoas sem caráter, que ao serem flagradas, negam a si mesmos. Mas os fatos estão ai. Neste governo retornamos ao menor patamar de investimentos neste campo, e com isso a dependência nacional se faz alavancada.
Como alertou Paulo freire, desta forma alimenta-se a adoção acrítica de conhecimentos importados, fato que carrega e estende a escravidão em nova dimensão de subserviência nacional. Simples assim: o abafamento de nossa capacidade e autonomia científica amplia os efeitos de invasão cultural dirigida à população, gestores, políticos e técnicos já capturados pelo desejo de adotar, louvar e ampliar nossa dependência de tecnologias patenteadas, ocultando assim a ideologia de subalternidade que nos anula como nação.
Ainda que o ignorem, é a favor disso e em defesa da corrupção e outros crimes lesa pátria que se erguem os apoiadores do presidente que mente.
Eles representam, como lembrou Fernanda Kaingang, aqueles caboclos e cafuzos que negavam sua própria humanidade, animalizando os povos indígenas e se orgulhando de receber pagamento por cada par de orelhas arrancadas das suas vítimas.
Ofendem assim as possibilidades de desenvolvimento de jovens que saíram da pandemia destroçados. Centenas de milhares de órfãos e milhões de outros em busca de referenciais para construir suas vidas num país destroçado onde a mentira e a violência se tornam regra de sucesso.
À fome negada, se somam os elogios ao ódio e uma realidade de crise de saúde mental. Sete em cada dez alunos apresentam sintomas de ansiedade ou depressão neste país alienado ao fato de que já desperdiça quase metade do talento de suas crianças. Segundo o Banco Mundial, brasileirinhos/as nascidos/as em 2019 terão em média possibilidade de alcançar tão somente 60% de seu capital humano potencial, com o que se reverte, em apenas dois anos, uma década de avanços no acúmulo de capital humano infantil. São crianças descuidadas, desorientadas, submetidas de fato ou pelo menos à visão contínua de violências físicas, que passam fome ou que estão nos faróis tentando ajudar na sobrevivência de suas famílias.
Como nos falaram Leonildo e Julieta Zang, todas as construções são coletivas. E é necessário lutar, sem medo, pelo acesso a direitos e pelo fortalecimento das ligações de solidariedade porque esta é a condição humana. Neste sentido, estamos solidários aos nordestinos/as e reafirmamos, de coração, o mesmo compromisso por um Brasil mais decente, amoroso e independente. E iremos às ruas com esta visão, pelo fim das mentiras institucionalizadas, da corrupção e do fascismo.
Neste dia, e com este pensamento, encerramos a coluna com uma poesia: Alice Carvalho – Nordeste #AQUI NÃO .
*Engenheiro Agronômo, mestre em Economia Rural e doutor em Engenharia de Produção. Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio e presidente da AGAPAN. Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.
Foto de arquivo pessoal do autor.
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