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Mudanças climáticas e emenda constitucional: em busca de um Estado ambiental

Mudanças climáticas e emenda constitucional: em busca de um Estado ambiental

Artigo por RED
07/08/2024 10:23 • Atualizado em 07/08/2024 16:02
Mudanças climáticas e emenda constitucional: em busca de um Estado ambiental

Por PLÍNIO MELGARÉ*

“Somos a primeira geração que sente as consequências das mudanças climáticas e a última que tem a oportunidade de fazer algo para deter isso.” Barack Obama

A Constituição Federal de 1988, inserida no contexto de um constitucionalismo pós-guerra, vincula-se aos direitos fundamentais. Para torná-los efetivos, estabeleceu atribuições a quem governa, regulamentando os investimentos públicos em prol dos direitos fundamentais. O artigo 212, por exemplo, determina aos entes federados que destine um percentual mínimo de suas receitas para o desenvolvimento da educação. O financiamento dos investimentos públicos em educação vincula à Administração Pública, sujeitando-a à fiscalização e responsabilização diante do descumprimento do comando constitucional.

O constitucionalismo, cujo DNA traz o código da modernidade e sua perspectiva liberal-contratualista, afirma a constituição como um documento que limita o poder político. E o faz, contrariamente ao absolutismo, em nome da liberdade e de outros direitos, que se afirmam como fundamentais. E os direitos fundamentais, que não são uma categoria abstrata, forjaram seu conteúdo e forma no calor da história e no laboratório, por vezes sangrento, de revoluções. Como bem leciona Lenio Streck[1], direitos fundamentais de dimensões distintas evidenciam as diversas fases pelas quais passou o Estado de Direito e a limitação do poder “assume diferentes matizes, chegando ao seu ápice no segundo pós-guerra, a partir da noção de Constituição dirigente e compromissória e da noção de Estado Democrático de Direito”.

De um modo objetivo, seguindo de perto o magistério de Gomes Canotilho,[2] um Estado de direito é dotado de qualidades, que se destacam de acordo com dimensões próprias desse modelo de Estado. E se o problema do direito não deixa de ser o de estabelecer uma ordem que incida sobre o nosso encontro com o outro no mundo, normatizando as relações intersubjetivas, a arquitetura organizatória da polis proposta por um Estado de direito transporta princípios e valores à juridicidade estatal. Nessa ordem de ideias, está em causa submeter o político ao domínio do direito. O que implica, para além da clássica separação de poderes, da soberania popular e de um poder democrático, a vinculação a direitos e garantias fundamentais e a consequente definição de fins e tarefas do Estado.

Uma Constituição – e o Estado por ela constituído – não se justifica se apenas servir de elemento legitimador de relações de dominação política. Seria uma miserável função, escreveu Konrad Hesse[3], pois, uma constituição é dotada de força normativa e uma pretensão de eficácia: a constituição pretende imprimir ordem e conformação à realidade política e social.

Diante da crise ambiental, agravada pelas mudanças climáticas, ilustrada tristemente com as chuvas extremas, enchentes, alagamentos e inundações que atingiram o Rio Grande do Sul, deixando mais de 600 mil pessoas desabrigadas, um número ainda não conhecido de mortes e cidades devastadas, além de doenças, sobressai a caracterização da dignidade humana – da qual derivam dois deveres, o de solidariedade e de responsabilidade[4] – e sua dimensão ecológica[5]. E, nessa realidade, onde o risco é real e a sobrevivência humana um desafio, a convocação de um Direito Constitucional comprometido com a sustentabilidade ambiental e com a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente.

Nesse sentido, advoga-se que o Estado brasileiro, por força de sua normatividade constitucional, conforme sua estrutura organizatória e política a um meio ambiente sustentável, ofereça condições mínimas de vida digna e prevenção aos desastres ambientais. Pretende-se um Estado ambiental, ancorado em dois eixos jurídico-políticos obrigacionais básicos: a promoção de políticas públicas associadas às exigências de sustentabilidade ambiental e atos de gestão concretos voltados à prevenção de danos gerados pelas mudanças climáticas.

Para tanto, o instrumento constitucional aqui defendido é, tal qual se dá com o direito fundamental à educação e à saúde, uma emenda à constituição que estabeleça a obrigatoriedade de os entes federados destinarem um percentual mínimo orçamentário da receita líquida para investimentos em infraestrutura e prevenção de danos e desastres ambientais, sensivelmente afetados pela ação humana e seus rastros de destruição.  Revigora-se, pois, o pacto constituído em 1988, visando à permanência de um Estado democrático de direito. E que, decerto, estabelece novas obrigações constitucionais ao Poder Público com o escopo de efetivar direitos fundamentais. Sob pena de não se responder às exigências das futuras gerações e de não salvaguardar o mínimo de dignidade à vida. Sobretudo diante de governantes negacionistas, subservientes a um modelo econômico de alto impacto socioambiental, ou que priorizam outras agendas, como, por exemplo, a fiscal, em detrimento do compromisso ambiental e humano.

[1] Jurisdição constitucional. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 16 e seguintes.

[2] Estado de direito. Lisboa: Gradiva, 1999.

[3] A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: SAFE, 1991.

[4] Nesse sentido, Antônio Castanheira Neves, O princípio da legalidade criminal: o seu problema jurídico e o seu critério dogmático. Coimbra: Coimbra, 1988.

[5] Cfme Ingo W. Sarlet e Tiago Fensterseifer, Direito Constitucional ambiental. 2ª.ed. S. Paulo: RT, 2012, p. 24 e seguintes.

*Plinio Melgaré é advogado, professor da Escola de Direito da PUCRS e FMP, palestrante da Escola Superior da Magistratura/AJURIS e da Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul.  E-mail:pmelagare@hotmail.com

Foto: forestcom

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