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Meu envelhecimento

Meu envelhecimento

Crônica por RED
02/12/2024 12:00 • Atualizado em 02/12/2024 10:09
Meu envelhecimento

Por ADELI SELL*

Num passado remoto – ufa – estou nos setenta e poucos, teria dificuldades de falar do meu envelhecimento.

Sou de uma geração que sempre teve e ainda tem dificuldades de lidar com o passar do tempo.

Somos dos tempos do glamour juvenil do cinema, com Brigitte Bardot, ou de uma Vera Fischer. E as mídias teimam em nos enganar com a eterna juventude, com suas “poções mágicas” dos anunciantes e, agora, vem com a tal de “economia prateada”.

E é de Brigitte que tomo a frase – “Se eu aparentasse 30 anos, alguma coisa estaria errada. Eu tenho rugas, sim. E daí?” – para tratar da passagem do Tempo e aceitar o inevitável, a Finitude!

Creio que não aceitar o princípio fundamental da finitude é um problema para nós e para os que nos cercam.

É óbvio que tremer diante da ideia de nosso fim é normal, mas viver pensando na morte nos tira tempo de viver com totalidade.

Veja como a morte de conhecidos e de pessoas da mesma idade trazem sofrimentos e angústias a certas pessoas idosas.

Certos credos religiosos por suas posições sobre o ser e a transcendência aumentam estas dores.

Em visita à minha mãe, minha esposa perguntou a ela o que queria fazer no Natal, vi seu semblante ficar triste e uma lágrima correr para dizer que não sabia se haveria Natal. E isto que sempre achei que ela lidava bem com as perdas.

O livro “A morte é um dia que vale a pena viver”, de Ana Cláudia Quintana Arantes, indicado por minha sobrinha neta, médica, me abriu os olhos e os caminhos para ver melhor o meu envelhecimento e daqueles que me cercam, e como a finitude fica ali numa curva de nossos caminhos.

Puxado por uma amiga dos tempos de juventude, começamos a articular um grupo de pessoas para falar e escrever sobre temas ligados às pessoas idosas.  Daí surgiu “Metamorfose da Vida”, em dezembro de 2023. Devido ao impacto das enchentes de maio de 2024, estive na frente da articulação do livro “Perdi tudo, e agora?” e em novembro de 2024 pudemos entregar aos leitores novo livro coletivo “Metamorfose da Vida, a arte de envelhecer”.

Neste ínterim surgiu com vigor o Movimento Sociedade sem Idadismo – MSI. Pois se verificou o crescente problema do preconceito de idade, tanto com jovens como em especial com as pessoas idosas.

Estas questões tem me colocado nestes novos coletivos que me cativam, porque saem das bolhas tradicionais, da mesmice, para adentrar o caminho das ações, como é o caso do MSI.

Têm surtido grandes efeitos nossas rodas de conversas sobre nossos livros.

E cada novo papo verificamos que há outros tantos temas a serem tratados e vamos enfrenta-los.

Enquanto isso reflito sobre o meu envelhecimento.

Cheguei a Porto Alegre na juventude, há 52 anos, e vi suas mudanças também, sinto que, às vezes, as cidades envelhecem mais do que a gente. Vejo na minha capital mais rugas do que em mim, pelo descuido com ela.

Não tenho preocupações com alguma ruga ou outro traço de envelhecimento comigo, pois até meus cabelos grisalhos, quase brancos, me dão certo charme.

Sei que minha cidade tem elementos afrontosos às pessoas idosas, com calçadas mal cuidadas, com falta de sinalização nas faixas que deveriam ser dos pedestres. Por isso, em breve vou sair usando minha bengala, um presente de um amigo, aquele que um dia pertenceu ao General Flores da Cunha.

E meu recado é o da Simone de Beauvoir:

         “Se não foste feliz quando jovem, certamente que tens agora tempo para o ser.”

 

*Adeli Sell é professor, escritor e bacharel em Direito.

Foto de capa: Divulgação

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