Opinião
Marx tinha razão
Marx tinha razão
De LINCOLN PENNA*
Feliz aniversário, Karl Marx. Você estava certo!
(The New York Times, 30 de abril de 2018).
Quando a crise econômica e financeira ronda os afortunados indivíduos que tiram proveito do capitalismo, que de repente se deparam com a anarquia de sua produção a visar unicamente o lucro por vezes minguado, surge exclamações que mais parecem manifestações de revolta do que propriamente o reconhecimento de seus críticos. A epígrafe acima é um dos bons exemplos. Afinal, custa a crer que o mais portentoso jornal da mais típica representação dos meios financeiros do centro do mundo tenha verdadeiramente chegado à conclusão que sugere o enunciado.
É curioso porque na maioria das vezes o que prepondera são as menções nada positivas em relação ao fundador do marxismo. Não foram poucas as sentenças da “morte” de Marx relativas, é claro, a sua suposta superação como intérprete do processo histórico. Em 1907, por exemplo, dez anos antes da Revolução Russa, o filósofo italiano Benedetto Croce afirmara: “Marx morreu definitivamente para a humanidade” no mais contundente atestado de como se tenta eliminar as suas ideias e o conjunto de sua obra.
Marx morreu em 14 de março de 1883, em Londres, onde está sepultado. Este ano faz, daqui a cerca de um mês, 144 anos de seu desaparecimento. Mas, ao contrário do que tem sido proclamado, suas ideias permanecem cada vez mais vivas, a irradiar ideários, sonhos e perspectivas alentadoras aos que desejam mudar o mundo para melhor atender aos que criam as riquezas e compartilhá-las com equidade.
Contemporâneo da revolução burguesa, sobretudo no campo das transformações materiais, Marx, aos 26 anos, já detinha um cabedal de conhecimento bem representado ao escrever a Introdução Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, no ano de 1844, e juntamente com Engels, quatro anos depois, o Manifesto do Partido Comunista. Parceria que se estenderia por toda sua vida.
Nessa época, meados do século XIX, a ideia de revolução social se encontrava de tal forma impregnada em sua cabeça permanentemente acesa ao que se passava no mundo por ele abarcado, que chegara à conclusão acalentada a cada momento segundo a qual sem revolução não haveria socialismo, cujo ideário abraçara entusiasmado que fora pela Revolução Francesa de 1789.
Mesmo os retrocessos ocorridos na Europa a partir da derrota napoleônica não afastariam Marx e Engels de seus propósitos. Estava cristalizada a luta de classes ao nível mundial, uma vez que a contrarrevolução ao se fazer presente materializava no âmbito internacional a relação conflituosa entre burguesias, aliadas às classes conservadoras, diante da emergência das massas proletárias. Daí, sustentarem que qualquer mudança radical implicaria numa revolução mundial.
O fator desencadeante dessa revolução social de maneira a erradicar o domínio das relações capitalistas de produção se encontrava particularmente nos núcleos mais avançados do modo de produção capitalista, isto é, na Inglaterra e demais países europeus já avançados do ponto de vista do capitalismo, como a Alemanha. Nestes países a existência de uma classe operária tornaria viável o marco inicial dessa revolução.
Iniciativas nesse sentido ocorreriam sem o sucesso acalentado pelos que, como Marx, apostavam na remoção dos primeiros baluartes do poder burguês numa Europa que deteve por algum tempo a hegemonia das relações internacionais. O tempo mostraria, contudo, que Marx não estava tão certo dessa premissa, tanto que chegou a cogitar na eventualidade de um elo mais fraco da cadeia capitalista principiar esse processo da revolução social ao nível mundial, uma vez que Marx em momento algum deixou de ser um ideólogo do internacionalismo.
Fiel às suas concepções, Marx reiterava o princípio segundo o qual o poder político, aquele que dita as condições e decisões, deriva necessariamente do controle dos meios de produção e, portanto, das decisões. E este poder se encontrava já sob a direção da burguesia, que como classe revolucionária que fora, soube exercer a sua dominação. Caberia, portanto, ao proletariado reverter essa situação uma vez que isso faz parte do desenvolvimento do capitalismo, cujo destino é produzir sua própria superação mediante a sucessão de crises intestinas.
Ao se darem conta da inevitabilidade das crises que têm ocorrido na economia norte-americana, os editorialistas do jornal nova-iorquino não tiveram dúvidas em reconhecer que os ciclos intermináveis da economia conduzida pelo fluxo de capitais que move as atividades do capitalismo não tem fim. E suas implicações provocam permanentes inseguranças a quem detêm capitais e muito mais ainda a quem vive do assalariamento. Situações que operam no constante desequilíbrio do sistema do capital.
Eis um desafio para os revolucionários do século XXI, o de encontrarem os caminhos para a realização do socialismo como sociedade fundada na mais ampla confraria de interesses, aqueles que se constrem com base na igualdade, única maneira de reivindicar a justiça social de verdade. Mas, para dar um alento convidativo a quem se dispuser a enveredar pelos caminhos que nos levem ao socialismo, começaria com uma boa notícia: o processo de transição do capitalismo ao socialismo já começou.
Como dar direção e consequência a esse processo em curso? Eis uma tarefa para os que se encontram comprometidos com os seus desdobramentos, ainda tênues, é verdade, mas de transparência cada vez mais clara aos olhos de quem vislumbra ao longe os horizontes que começam a dar sinais de vida.
As diferenças entre povos, culturas, crenças e valores próprios a suas histórias continuarão, por certo, o que não é certo é o convívio com as desigualdades sociais. Estas precisam ser eliminadas para que saiamos, como assinalava Marx, da pré-história e ingressemos na história digna desse nome.
Ao finalizar, uma lembrança deixada por Marx e uma conclusão: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sobre as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram.”
E concluo dizendo que radicar o marxismo é apropriar-se da chave explicativa do mundo, sem perder de vista a sua essência, isto é, aquela na qual de funda a ciência da história, cujo motor é a apreensão e compreensão das lutas de classes em seu movimento constante, porquanto a história é uma ciência em construção, seja no sentido de sucessivos fatos que se desdobram em outros, ou no sentido de sua releitura a cada tempo e lugar.
*Doutor em História Social, conferencista honorário do Real Gabinete Português de Leitura, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Imagem em Pixabay.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
Toque novamente para sair.