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Lula, o Banco Central e o financismo
Lula, o Banco Central e o financismo
Por PAULO KLIASS*
O final de 2024 tem apresentado alguns sinais que parecem ter provocado alguma preocupação para o Presidente Lula. O primeiro deles, sem dúvida alguma, refere-se ao susto que ele, seus familiares e amigos mais próximos, bem como toda a sociedade brasileira, tomamos com o anúncio da necessidade de uma cirurgia emergencial no crânio. Felizmente tudo se passou muito bem e ele já está retomando, aos poucos, as atividades políticas normalmente.
Um segundo bloco de problemas para o governo encontra-se na combinação das votações no Congresso Nacional do pacote de maldades preparado por Haddad. O conjunto foi encaminhado em nome do governo e comprometia de forma bastante dura os interesses da base política e eleitoral de Lula: os miseráveis e os mais pobres da nossa pirâmide da desigualdade. A obsessão que o Ministro da Fazenda mantém desde o início do terceiro mandato com a falácia da austeridade fiscal tem levado o governo a criar armadilhas sucessivas para si mesmo. Assim foi a elaboração e a votação do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) ainda em 2023, contrariando as promessas feitas por Lula durante a campanha eleitoral de apenas revogar o famigerado Teto de Gastos de Temer.
Em seguida veio a meta, tão equivocada quanto irrealizável, de zerar o déficit fiscal primário em 2024 e 2025. Os economistas progressistas alertávamos que isso significaria, como se confirmou na sequência, um arrocho expressivo nas despesas orçamentárias nas rubricas sociais e nos investimentos. Um verdadeiro tiro no pé do próprio governo. Logo depois, veio a recusa incompreensível do Ministro da Fazenda em rever a meta de inflação, o que poderia contribuir para tornar a política monetária mais atenuada. Haddad não apenas se manteve contra tal flexibilização necessária, como ainda rebaixou a meta de crescimento dos preços de 3,25% para 3% e a estendeu para mais de um ano. Uma loucura!
Austeridade aos poucos e com violência
Por outro lado, ao longo do período, diversos dirigentes dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento começaram a plantar notícias alarmistas de que seriam necessárias medidas de redução estrutural dos gastos. E apresentavam propostas de eliminar os pisos constitucionais de saúde e educação, além de sugerir a desvinculação dos benefícios previdenciários em relação ao salário-mínimo. Ou seja, proposições tão extremadas que nem mesmo os governos da direita haviam ousado encaminhar anteriormente. Pois chegou um instante que Haddad e Tebet se sentiram à vontade para avançar duas casas no tabuleiro. E passaram assumir publicamente a defesa de tais medidas. Os agentes do financismo se empolgaram com o cenário, afinal dois dos principais ocupantes de pastas na Esplanada haviam saído em defesa dos interesses mais genuínos da banca privada.
Ocorre que Lula percebeu o risco político de tal atitude. E, ao que tudo indica, colocou um freio no movimento de desindexar e desvincular, tal como propunham freneticamente Henrique Meirelles e Paulo Guedes durante os governos Temer e Bolsonaro. No fim das contas, o pacote das maldades não contemplava as medidas de ajuste estruturais nas despesas. Assim o pessoal da Faria Lima iniciou uma escalada especulativa no câmbio. Apostando na incapacidade de reação do governo em um final de ano complicado, resolveram que o dólar deveria ultrapassar o patamar simbólico dos R$ 6,00. Era um movimento com três objetivos: i) realizar muitos ganhos com a articulação nos mercados financeiros em que se opera com dólar; ii) desgastar politicamente o governo Lula com essa suposta instabilidade; e, iii) pressionar Executivo e Legislativo a manterem as propostas de cortes estruturais nas despesas.
Ao fim e ao cabo, o pacote acabou sendo aprovado de forma um pouco mais desidratada, graças à impopularidade de boa parte das medidas. Mas o governo acabou tendo que assumir a paternidade de proposições que vão contra a sua própria base política e eleitoral. Além disso, o xadrez no Parlamento ficou ainda mais complicado, uma vez que as forças de direita e extrema direita aproveitaram o momento para, de forma ultra demagógica, saírem em defesa dos muito pobres e dos miseráveis. De toda forma, as ações do Banco Central (BC) para conter a escalda especulativa forma muito tímidas. O governo torrou mais de 20 bilhões de dólares para tentar atenuar os efeitos desse movimento dos conglomerados financeiros, mas desde 28 de novembro que a cotação do dólar se mantém acima do patamar de R$ 6,00.
Os chacais do financismo querem carne e sangue
A principal razão para tanto é a avaliação e a aposta por parte do povo das finanças de que o governo não levaria essa estratégia de se contrapor à ação especulativa até o final. Afinal, as declarações do futuro Presidente do BC era de que tudo funcionava “normalmente” no mercado de câmbio (sic). Galípolo é uma pessoa de origem no próprio mercado financeiro e apresenta muito mais identidade com o pensamento desse pessoal do que em relação ao que se imaginava ser base de uma política econômica de um governo presidido pelo Partido dos Trabalhadores.
Mas o Presidente Lula decidiu por realizar uma aparição nas redes que termina por acrescentar ainda mais confusão a um quadro por si só já bastante nublado. Ele convoca seus principais ministros para se sentarem ao seu lado em uma gravação: ali estavam Rui Costa (Ministro Chefe da Casa Civil), Fernando Haddad (Ministro da Fazenda) e Simone Tebet (Ministra do Planejamento e Orçamento). Apesar deste alto escalão presente no momento, nenhum deles é chamado a se pronunciar. Ao que tudo indica, foram chamados para fazer número e densidade para um quarto personagem, o mais importante no evento: o futuro Presidente do BC, Gabriel Galípolo. Ora, a coreografia do poder da Esplanada e dos corredores de Brasília oferece indicadores muito precisos a respeito de tal cena, certamente armada com muita preparação e intenções subjacentes.
A importância atribuída ao futuro comandante da política monetária e cambial foi indubitável. Lula fez questão de frisar, em uma breve fala que pouco passou de 2 minutos:
(…) “E eu quero te dizer que você será, certamente, o mais importante presidente do Banco Central que esse país já teve, porque você vai ser o presidente com mais autonomia que o Banco Central já teve” (…) [GN]
Lula fez questão de sublinhar sua concordância com o excesso de autonomia do BC e antecipa seu apoio a um dirigente da instituição que já deixou claro que não vai alterar em quase nada os pontos fundamentais da gestão daquele a quem vai substituir. Ele votou com a chamada “bancada lulista” em todas as reuniões do COPOM de acordo com a orientação de Roberto Campos Neto. E já temos encomendadas duas novas elevações da SELIC em um ponto percentual para as duas próximas reuniões do colegiado no começo de 2025. Não contente com tal rendição ao desejo voraz dos chacais da Faria Lima, Lula ainda reforçou seu compromisso com a manutenção da política de austeridade fiscal.
(…) “Tomamos as medidas necessárias para proteger a nova regra fiscal e seguiremos atentos à necessidade de novas medidas. O Brasil é guiado por instituições fortes e independentes que trabalhem em harmonia para avançar com responsabilidade” (…) [GN]
Falta menos de 2 anos para 2026
O Presidente da República sabe melhor do que ninguém que faltam menos de dois anos para a realização das eleições de outubro de 2026. Caso ele esteja com energia e vontade para atender aos desejos da maioria da população, Lula precisa oferecer ao País uma trajetória viável de retomada do desenvolvimento econômico, social e ambiental. Mas isso significa a necessidade de romper com o novo teto de gastos ou pelo menos de atenuar os efeitos restritivos do NAF. A austeridade implícita na engenhoca que lhe foi sugerida por Haddad – e virou a Lei Complementar nº 200/23 – não lhe permite fazer o que prometia à época da campanha: i) fazer e mais melhor do que fez nos dois primeiros mandatos; ii) realizar 40 anos em 4.
Além disso, adotar como seu o discurso e a postura passiva diante do comportamento dos chacais da Faria Lima só faz adiar os próximos episódios de disputa especulativa contra seu governo. Na verdade, a leitura desses últimos dois anos nos revela que o governo cedeu em quase tudo à pauta da banca privada e mesmo assim o pessoal ainda quer mais e mais carne e sangue. Por qual razão haveria uma mudança de postura por parte deles?
Enfim, Lula precisa se decidir de forma urgente de qual lado ele vai ficar. Se reforçando os interesses e os desejos da maioria da população que ainda o apoia, principalmente os setores que recebem até dois salários-mínimos mensais. Ou se vai seguir atendendo a todas as sugestões de Haddad e Galípolo e com isso manter a Faria Lima recebendo todas as benesses de seu governo. O fato inegável é que não há mais espaço para realizar a política do ganha-ganha que caracterizou o período 2003/2010. Lula vai ter de realizar opções que implicam em algum desconforto para os grupos do topo da nossa pirâmide da desigualdade de hoje até o final de seu terceiro mandato.
*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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