Opinião
Lula e a segunda redemocratização
Lula e a segunda redemocratização
De CARLOS EDUARDO BELLINI BORENSTEIN*
A vitória de Lula (PT) representa um fato político histórico de grandes proporções. Pela primeira vez desde a redemocratização, um ex-presidente retornará a comandar o Palácio do Planalto. Mais do que isso, Lula é o único líder político a se eleger presidente da República três vezes pelo voto popular. Embora Getúlio Vargas, em 1950, também tenha retornado ao poder e governado o país por mais tempo de Lula, Getúlio foi presidente, durante muitos anos, em um regime autoritário.
Outro aspecto significativo na vitória de Lula é que sua votação – mais de 60 milhões de votos – é a maior da história. O resultado deste domingo (30) marca a quinta vitória consecutiva do PT numa eleição presidencial: 2002, 2006, 2010, 2014 e 2022. O número de vitórias petistas é bem superior ao PSDB, por exemplo, partido que conquistou o Planalto em duas oportunidades (1994 e 1998). Tivemos ainda uma vitória do PSL, com Jair Bolsonaro, nas eleições de 2018, outra com o PRN, através de Fernando Collor, em 1989.
Além de ser uma vitória do PT, a eleição de Lula consolida a força do Lulismo, que é uma força eleitoral poderosa, principalmente na região Nordeste, e junto ao eleitorado mais pobre, principalmente das periferias dos grandes centros urbanos e do chamado Brasil profundo.
Em todas as eleições presidenciais desde 2006, os candidatos do PT ao Palácio do Planalto (Lula, Dilma Rousseff e Fernando Haddad) tiveram cerca de 70% dos votos válidos na região. Outro dado que mostra a força do Lulismo são os quatro governadores eleitos pelo PT – Fátima Bezerra (RN), Rafael Fonteles (PI), Elmano de Freitas (CE) e Jerônimo Rodrigues (BA). Ou seja, todos são governos estaduais do Nordeste. O grande destaque dos governos de estado conquistados pelo PT é a Bahia, onde o partido chegou ao quinto mandato consecutivo.
A vitória de Lula pode ser considerada uma segunda redemocratização do país, já que o conjunto de forças que estavam aglutinados em torno do bolsonarismo indicavam claramente que estava em jogo aqueles que defendiam a Constituição de 1988, e, de outro lado, as forças favoráveis ao seu desmantelamento. Não foi por acaso que, o agora senador eleito Sergio Moro, a grande expressão do lavajatismo, após romper com o bolsonarismo, abraçou Bolsonaro no segundo turno.
Outro aspecto importante – e que reforça a hipótese da segunda redemocratização representada pela vitória de Lula – foi a adesão de setores não petistas tradicionais ao movimento de Frente Ampla em Defesa da Democracia construído por Lula.
Nomes como FHC (PSDB), Tasso Jereissati (PSDB), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), Simone Tebet (MDB), André Janones (Avante), Armínio Fraga, Pérsio Arida, Pedro Malan, Henrique Meirelles (União Brasil), Marina Silva (Rede), Eduardo Paes (PSD), Cristóvam Buarque (Cidadania), Joaquim Barbosa, Miguel Reale Júnior, Nelson Jobim (MDB), Moreira Franco (MDB), João Amôedo (Novo), etc aderiram ao projeto Lula-Geraldo Alckmin (PSB) para defender a democracia, que passa pela defesa da Constituição de 88.
Porém, os desafios que Lula terá pela frente serão muito maiores que as outras duas oportunidades em que ele governou o país. O presidente eleito terá que lidar com um Congresso Nacional mais inclinado à direita. Outra diferença importante é que o bolsonarismo continuará como uma força social barulhenta, organizada nas redes sociais e capaz de trazer problemas para Lula.
Nesta correlação de forças, o sucesso da Frente Ampla em Defesa da Democracia dependerá da construção de uma nova maioria política capaz de estabelecer um pacto nacional em favor da reconstrução do país.
Em que pese o tamanho do desafio, Lula, com toda sua sagacidade política, parece, mais uma vez, caminhar na direção correta. Em seu discurso após a vitória, disse que seu governo não será “um governo somente do PT”, acenando ao centro, assim como a frase de que “não existem dois Brasis. Somos um único povo, uma única nação”.
Com a vitória, Lula fortalece a condição de maior líder popular da história do país. Um líder que possui uma relação histórica e afetiva com seu povo. E desmonta a narrativa construída durante a Operação Lava Jato de que sua carreira política estaria acabada. Guardadas as devidas proporções, Lula repete Nelson Mandela, que saiu da prisão para ser eleito presidente da África do Sul e acabar com o regime do Apartheid.
Mesmo com o desafio de lidar com um Brasil fortemente conservador, Lula tem a dimensão de sua tarefa histórica. Por isso, em seu discurso na Avenida Paulista lembrou sua trajetória de vida e política, a relação com o povo, principalmente com os mais pobres, as mulheres e o Nordeste, três vetores fundamentais dessa histórica vitória.
*Cientista político com MBA em Marketing Político, Comunicação e Planejamento Estratégico de Campanhas Eleitorais. Mestrando em Comunicação Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Foto em site oficial de Lula.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
Toque novamente para sair.