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Opinião

Luiz Inácio, diante de seu destino (e nós também)

Luiz Inácio, diante de seu destino (e nós também)

Artigo por RED
07/10/2022 15:45 • Atualizado em 09/10/2022 20:40
Luiz Inácio, diante de seu destino (e nós também)

De JOÃO BATISTA MEZZOMO*

Eu havia me preparado para tratar de Hegel e Marx, mas mudei de ideia, em face de assuntos prementes. E quando eu decidi fazer isso, o meu daimon não falou nada, logo, vamos ao que interessa. Hegel e Marx podem esperar um pouco mais.

O Lula certamente já entrou para a história do Brasil e do mundo, no entanto, a sua história ainda não acabou. Penso mesmo que um importante episódio dela se dará na eleição do segundo turno, que se avizinha

Vejam, o Lula tem origem humilde, isso não foi sua decisão. Mas a decisão de se manter fiel a ela foi, sim, dele. Ele poderia, por exemplo, ter entrado na política num partido já existente, como o MDB, depois migrado para o PSDB ou até para algum partido de direita. Certamente obteria sucesso, pois é um gênio da política, e não sofreria os desgastes que sofreu e ainda sofre. Mas ele decidiu manter-se fiel à sua origem, certamente influenciado pelo exemplo de sua mãe, Dona Lindu, e fundou um partido de esquerda, o PT, para a nossa felicidade ou infelicidade, deixemos isso em suspenso. Há quem diga que Lula e o PT não são de esquerda, deixemos isso também em suspenso.

O que interessa é que Lula, em sua decisão, tomou para si os prazeres e dores do povo brasileiro. Ele sofre, como o povo brasileiro, de um constante constrangimento moral. Foi perseguido e julgado por um tribunal de exceção, sendo condenado apesar de inocente, como ocorre todos os dias com muitos brasileiros pobres, muitos deles crianças. E hoje, mesmo tendo todos os processos contra si anulados, ele é agredido de forma brutal pelos nossos inimigos. E um aspecto importante para o que queremos dizer hoje é que essa agressão se deu e se dará muito nos debates eleitorais, o novo picadeiro onde os capitães do mato tentam constranger com acusações mentirosas quem se atreve a investir contra os “dois brasis”.

Desejo aqui fazer um pequeno parêntesis sobre o julgamento do STF, uma coisa engasgada em minha garganta. O STF anulou os processos pois não teve coragem de entrar no mérito. À respeito disso, costumam se sair formalmente dizendo que o STF não poderia entrar no mérito, mas ele já fez isso inúmeras vezes em outros casos, por que não poderia fazer no processo mais marcante da história do Brasil? Lula pediu isso várias vezes, sem sucesso. A não assunção de responsabilidade do STF nesse particular acabou dando fundamento à continuação do discurso mentiroso contra Lula e o PT. A maioria da esquerda se cala, parece se contentar com a anulação dos processos, talvez um pouco temerosa de exigir mais em face ao constrangimento moral imposto pela Casa-grande, e sobra o martírio para Lula, o que acaba repercutindo em nós. E o que pode, diante disso, Lula fazer? E o que podemos fazer nós, pessoas que ao menos tentam ser minimamente decentes nesse país de tantos canalhas? “Como posso eu, sem armas, revoltar-me?” perguntou em um poema Carlos Drummond. Lula tem a tarefa de se colocar à altura desse desafio. Como pode ele fazer isso mais do que já fez?

Desejo lembrar aqui episódios semelhantes da história da humanidade para ajudar Lula a se inspirar. Em primeiro lugar, já referimos no artigo anterior, Sócrates e Jesus foram abandonados pelo que acreditavam ser as suas respectivas fontes orientadoras na hora fatal em que tiveram de decidir, e eles decidiram não se retratar. Se tivessem se retratado, possivelmente nem seriam conhecidos hoje e não teriam mudado o mundo. Também não fizeram isso com espalhafato, ou descontrole, mas numa decisão solitária, discreta e sóbria. Lembremos também Nelson Mandela, que passou anos em uma prisão em que mal cabia, de onde saiu para ser presidente de seu país e no final não parecia ofendido ou injustiçado, sabia ele como sabe Lula que a injustiça muitas vezes é feita contra privilegiados como Sócrates, Jesus, Mandela e Lula, para que eles se alcem e mudem o mundo. Mas a história ainda não se encerrou para Lula, ao contrário dos outros três.

Em vista disso, eu penso que Lula não deveria correr para “abraçar o povo”, como já fez tantas vezes, e fez bem. Mas agora não é hora de se cansar demais em comícios pelo país, com pessoas que de qualquer maneira votarão nele, desgastando a sua voz já desgastada, mas sim, ele deve se preparar exaustivamente para os debates. Essa é sua principal tarefa. Os debates certamente são e serão um ponto crucial nesta batalha. Quem tem dúvidas sobre isso, aconselho a olhar o pronunciamento do inominado depois da apuração, onde aparece como papagaio de pirata um dos seus inúmeros filhos. Quando Bolsonaro falou que participaria de todos os debates, a cara maldosa do filho foi um sinal claro do que imaginam que fizeram nos debates do primeiro turno e imaginam que farão de novo. Os debates neste momento histórico, não nos enganemos, são o picadeiro desse circo onde a Casa-grande usa seus capitães do mato para tentar constranger os que lutam por igualdade e justiça social. Nós sabemos disso, Lula sabe disso, mas o bom cabrito não berra.

Em suma, entendo que Lula deveria escolher, na solidão de si mesmo, não se dobrar e vencer com frieza os seus desafios, que são também nossos. Para isso ele precisa se preparar, se preparar e se preparar. Ele sabe o que vão lhe perguntar, e ele tem de responder no intervalo de tempo preciso estipulado, de forma clara e sem arroubos ou descontrole. Mesmo que o fantoche da hora não mereça, ele deve respeitá-lo, como faria Dona Lindu. Não será o momento de teses filosóficas, de catarses, de excesso de emocionalismo, mas de Lula ser leve e impecável. Para isso, Lula não precisa acertar na mosca, mas ele não pode errar. Se ele não errar, a história trilhará por si mesma o seu caminho. E mais importante de tudo: a última coisa que Lula deve demonstrar é abalo. Por que essa corja não merece isso, e por que o povo – nós – precisamos desse alento para ter ânimo e coragem. Por nós, pelo povo brasileiro e por Dona Lindu, Lula agora deve ser perfeito.

E quanto a nós? O que podemos fazer? Eu estou convencido que devemos nos mobilizar para convencer os eleitores que não foram votar no primeiro turno a votarem no segundo. O que houve no primeiro turno não foi um crescimento dos votos do inominado, nem uma queda da preferência por Lula, mas sim, uma ausência muito maior dos eleitores de Lula do que os do inominado. Isso se deve a muitas causas, possivelmente, mas uma análise dos números das abstenções em conjunto com as pesquisas e o número de votos em cada candidato demonstra claramente que o grupo dos que não votaram possui um claro um viés de esquerda. O discurso moralista e violento da direita espanta mais eleitores nossos do que deles, e as pessoas raciocinam do modo “sou apenas um voto, não vai mudar nada”. Porém, a grupo do “sou apenas um voto” representou mais de dois votos a cada dez no primeiro turno. Então, temos de tentar descobrir, nessas últimas três semanas, quem são os que queriam votar em Lula e não votaram e procurar convencê-los da importância crucial de irem votar.

Só para que não digam que não falei de flores, Hegel diria que de nada adiantará nossos esforços, uma vez que a história é determinada alhures, por uma razão astuta. Marx, ao contrário, diria que não existe razão astuta, somos nós que determinamos a história, por nossa ação ou pela ausência dela. Mas se formos à luta, poderemos descobrir depois que os dois podem estar corretos: nós é que somos os agentes da história e, ao mesmo tempo, quando fomos à luta nós mudamos a história por desígnios da razão astuta, da qual somos agentes. O mesmo vale se não fizermos nada a respeito. Brevemente voltaremos a esse tema.


*Filósofo, economista e engenheiro elétrico, servidor público da Secretaria da Fazenda do RS.

Foto em Pixabay.

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