?>

Opinião

Logística tradicional transporta leite dos produtores às cooperativas gaúchas

Logística tradicional transporta leite dos produtores às cooperativas gaúchas

Artigo por RED
26/11/2023 05:25 • Atualizado em 27/11/2023 16:55
Logística tradicional transporta leite dos produtores às cooperativas gaúchas

De LUIZ RENI MARQUES*

O caminhão GMC 1952 percorria de madrugada os 18 quilômetros da estrada de chão batido entre Vila Mariante e Linha Chafariz, distritos de Venâncio Aires, no final dos anos sessenta, recolhendo os tarros de leite deixados na frente das dezenas de minifúndios para serem transportados até a cooperativa em Estrela onde seriam usados na fabricação de nata, iogurte, manteiga, queijo e leite pasteurizado. O sistema facilitava a vida dos produtores que, no final do mês, conferiam se o depósito de pagamento havia sido feito na sua conta corrente bancária, do fabricante, que contava com o fornecimento certo de matéria-prima e da população, que consumia produtos frescos por preços mais adequados.

Esse modelo logístico funciona até hoje ganhando constantes aperfeiçoamentos nessa eficiente e racional cadeia de produção e movimentação de cargas. A estrada bucólica que serpenteia o Rio Taquari desde a ponte do Chafariz, formalmente Rodovia ERS-130, mantém parte do traçado ainda coberto de terra, sendo aos poucos pavimentada. Exceto nos períodos de chuva intensa, que provocam inundações nas margens do rio, a via atende satisfatoriamente a demanda da região.

A comunhão de interesses entre produtores e fabricantes é uma tradição de mais de um século no Rio Grande do Sul, consolidada pelos imigrantes alemães, que começaram a chegar ao estado em 1824 e italianos, a partir de 1870, sem desprezar gente de outros países que também aportou no Sul do Brasil em busca de um futuro para suas vidas, deixando para trás, especialmente, uma Europa em crise. E com eles desembarcou o sistema cooperativista, surgido junto com a Revolução Industrial, na Inglaterra, França e outros países. A sua bandeira era combater as péssimas condições econômicas, sociais e de trabalho daquela transformação do mundo.

Pensadores, como o inglês Robert Owen, discutiam uma forma de humanizar as relações entre o chão das fábricas, principalmente das tecelagens de Manchester, e os operários desde os primeiros anos do século 19. Mas foi o padre francês, Charles Founiér, o idealizador do que conhecemos hoje como cooperativismo, que prolifera por quase todo o globo e encontrou solo fértil para se desenvolver no Brasil. A primeira cooperativa no Rio Grande do Sul nasceu em 1902, criada em Nova Petrópolis por Theodor Amstad.

O cooperativismo no Brasil, diferente da motivação inicial que levou ao seu surgimento na Europa, desde o começo objetivou suprir a lacuna que dificultava aos pequenos e médios produtores, sozinhos, escoar suas mercadorias e se tornarem mais competitivos no mercado. As cooperativas tiveram seu auge no Brasil nos anos 1970, enfrentaram crises, manchadas por gestores desonestos que fizeram o sistema balançar por corrupção. Contudo, aos poucos ratificaram sua força e atualmente formam um modelo de atuação indispensável à economia brasileira e presente em diversos segmentos produtivos do país, da criação de aves ao fornecimento de crédito. A vizinha Guiana, ao se emancipar do Reino Unido, em 1996, levou tão a sério o princípio que adotou o nome de República Cooperativista Guiana, a única no mundo. O país é, de fato, uma nação democrática com uma economia baseada no açúcar e no arroz e em minérios.

Mas, voltando ao objeto básico dessa matéria, os produtores, além da segurança de ter o seu leite recolhido diariamente pelo comprador, e do dinheiro que, faça chuva, faça sol, entra na sua conta todo mês, recebem apoio técnico e financeiro para manter e melhorar a saúde das suas vacas, o manejo correto, a alimentação adequada e outras medidas garantidoras do sucesso do seu empreendimento. As cooperativas, e também as empresas que operam no setor de leite e laticínios estimulam seus fornecedores a controlarem melhor seus rebanhos e utilizarem equipamentos modernos, assegurando matéria-prima de mais qualidade para a confecção da sua linha de produtos. Eventualmente, o sistema enfrenta maçãs pobres que precisam ser banidas do cesto, como transportadores desonestos presos por colocarem água e outras substâncias no leite. A adoção de métodos mais avançados e rigorosos também ajuda a dificultar esses desvios e garantir o fornecimento de produtos saudáveis para a população.

O Brasil tem um rebanho de cerca de 16 milhões de vacas leiteiras e Minas Gerais é o principal polo nacional do setor, responsável por 70% do rebanho e da produção. A região Sul vem em segundo lugar, com mais de 2 milhões de animais. O Rio Grande do Sul, além de ter dois terços das vacas leiteiras dos estados meridionais, apresenta a maior produção, com 2,3 bilhões de litros anuais e, junto com Santa Catarina e Paraná, a mais alta média de litros por vaca por ano, com 1.269 kg, contra 828 do índice nacional. A maior parte dos produtores de leite em todo o país são pequenos e médios fazendeiros.

Apesar de ser um dos cinco maiores produtores, o Brasil não está entre os grandes exportadores de leite e isso se deve à qualidade, ainda considerada baixa, comparada à União Europeia, Nova Zelândia e outros exportadores, e aos altos custos de produção, que prejudicam a competitividade nos mercados internacionais. Ainda assim, o país vende leite para Argélia, Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos e Filipinas. E, de tempo em tempo, enfrenta a concorrência do leite uruguaio, que chega ao mercado brasileiro, principalmente em épocas de crise na produção nacional.

O apoio do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) aos produtores de todos os portes, e investimentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), financiando programas de aperfeiçoamento do segmento, vêm ajudando a melhorar a qualidade e a competitividade dos nossos produtores. O apoio é importante também para evitar a diminuição do número de criadores no Rio Grande do Sul. A Emater/RS (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) cumpre atuação destacada nessa tentativa. Essa melhoria beneficia também o consumidor gaúcho e brasileiro.

Quanto ao caminhão citado na abertura da matéria, ele remonta a um período que faz parte dos meus tempos de guri, época em que passei algumas férias no sítio de um tio, criador de vacas leiteiras, em Linha Chafariz. Eventualmente, pescávamos jundiás e pintados nas águas do Taquari antes do amanhecer e, quando de longe ouvíamos o ronco do motor do velho GMC verde escuro, deixávamos os caniços de lado e corríamos para a beira da estrada para ver o veículo parar em meio a uma nuvem de poeria da estrada e o motorista descer e recolher os enormes tarros cheios de leite.


Quer saber mais sobre o assunto? O autor explora o tema na segunda edição do programa “Logística na sua Vida”, o novo podcast da RED. Confira:


*Estudou Direito e História. Formado em Jornalismo. Foi repórter em Zero Hora, Jornal do Brasil, o Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Senhor e Isto É, e correspondente free lancer da Reuters, entre outros veículos de comunicação. Redator e editor na Rádio Gaúcha, diretor de redação da Revista Mundo, professor de Redação Jornalística na PUCRS e assessor de imprensa na Câmara dos Deputados durante a Assembleia Nacional Constituinte. Atualmente edita blog independente.

Imagem em Pixabay.

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Toque novamente para sair.