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Opinião

Lobo em pele de cordeiro: ditadura nunca mais

Lobo em pele de cordeiro: ditadura nunca mais

Artigo por RED
01/04/2023 05:20 • Atualizado em 02/04/2023 23:08
Lobo em pele de cordeiro: ditadura nunca mais

De JORGE BRANCO*

Desconheço qualquer caso no mundo onde alguma ditadura ou regime autoritário tenha expressado que seus objetivos eram os de garantir os privilégios dos poderosos, calar a crítica, auferir lucros ilegais e imorais, produzir a dor, escravizar uma etnia, seviciar e torturar os insurgentes, eliminar os adversários. Em via de regra sua retórica está assentada na salvação nacional ou da moral, na restauração da ordem, na preservação dos valores tradicionais da família, da propriedade, combater o mal.

Com essa retórica, empresários, militares, burocratas, jornalistas, clérigos, agentes estadunidenses, integralistas, fascistas, reacionários e negociantes de vários predicamentos se articularam para “empreender” o golpe de Estado de 31 de março de 1964. Condomínio que René Dreifuss chamou de “partido dos novos interesses”. A retórica de 64 dava conta de que as famílias brasileiras pediam uma intervenção salvacionista para que o comunismo não tomasse conta do Brasil.

O resultado é conhecido! Em menos de 24 horas de golpe já haviam sido assassinados dois jovens e em poucas semanas mais de 50 mil pessoas já haviam sido afetadas e injuriadas pela nova ditadura. O relatório da Comissão Nacional da Verdade conclui que os governos da ditadura executaram assassinatos, torturas, desaparecimentos, perseguições, violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade. Já na década de 1980 a economia entrou em colapso levando milhões ao desemprego, à fome e à violência. Pululam, ainda hoje, denúncias de corrupção, desvios, privilegiamentos e nepotismos em decorrência do exercício ditatorial do poder e do silêncio que ele impõe.

A narrativa de que a Ditadura civil-militar de 1964 derivou da vontade da sociedade, de que não havia corrupção e que houve progresso econômico é a mãe de todas as fake news. Mas não é a derradeira.

Esta mesma narrativa renasce com a emergência e ascensão da extrema direita e do reacionarismo no Brasil de 2013 aos dias atuais. A articulação de parcela do sistema judicial, do mercado financeiro, das grandes empresas de comunicação, da maioria das cúpulas das igrejas conservadoras, de parlamentares, think tanks e militares nostálgicos, anelantes da ditadura militar, é o “partido dos novos interesses” do século XXI, me amparando em Dreifuss.

Das conspirações contra o governo eleito de Dilma ao governo Bolsonaro, toda a narrativa e operação foi, e continua sendo, uma narrativa conspirativa e golpista. Uma elegia mórbida à ditadura, tortura, supremacismo e morte.

Foi em nome disso que, durantes os últimos 10 anos, o país conviveu quotidianamente com o desatino golpista. Do aparelhamento das polícias à espionagem. Da manipulação religiosa ao corte de despesas sociais. Das ameaças e impropérios do 7 de setembro ao atentado terrorista no aeroporto de Brasília. Da intentona fascista de 08 de janeiro aos discursos de ódio do armamentismo. Essa fantasia do bom Brasil, o país sem racismo, do povo cordato, religioso, onde cada um sabe o seu lugar, é a bula golpista de 1964 revisitada pelo bolsonarismo.

Trata-se, enfim, de uma derivação da mãe das fake news: de que a extrema direita seria o único sujeito capaz de recolocar o Brasil no caminho da ordem e, vejam o cinismo, do progresso. Uma retórica autoritária em pele de democracia.

Ditadura nunca mais!


*Sociólogo, mestre e doutorando em Ciência Política. Diretor executivo da Democracia e Direitos Fundamentais.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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