?>

Opinião

Língua-mãe

Língua-mãe

Artigo por RED
15/10/2023 05:25 • Atualizado em 16/10/2023 12:46
Língua-mãe

De MARCÍLIO GODOI*

Tudo bem, “bowl” é uma palavra arredondada, quase esférica. Mas, podendo dizer a saborosa e recipiente “cumbuca”, a sonora e amigável “pote”, a misteriosa e cálida “vasilha”, a familial materna “tigela”, ou a sensual “cuia”, qual você vai preferir? E, cá pra nós, “tapué” é muito mais legal que “tupperware”!

Sinceridade: quem vai sair por aí dizendo “top” (top?) se pode gastar “belezura”, “maravilindo”, “joínha”, “do balacobaco” ou mesmo um “supimpa”, em todos os lugares? Só se estiver “bad”. Mas aí, troca por “borocoxô” ou “macambúzio”, que a pessoa já sai na hora do “beleléu”, das “cucuias”, da “broxidão” direto pro “cafuné”, sem “salamaleques”.

Sem nacionalismos, xenofobia. Mas por que insistir que você teve um “panic attack” se você teve mesmo foi um “piripaque”, um “siricutico”, um “faniquito”, um “piti”? Viu? Até pra sofrer o português é bem melhor.

Aí a pessoa vai e diz que tem “timing”. Não. Claro que não! Ela tem é “borogodó”, “ziriguidum”, “balacobaco”. Aí, sim. Pra que dizer “baby”, se temos “xodó” e “dengo”?; “Crush”, se temos “xaveco”?; “deu match”, se temos o genial “rolou um tchans”?

“Nope” é legalzinho e tals, mas, vanfalá, “Neca de pitibiriba” é muito mais peremptório! E nos palavrões, então? “Fucks” and “sucks”, tudo bem, vá lá, mas você já experimentou gritar “caraiquiusfôda!”, “taquiupa!”, “putaquilospapêtas!” ou mesmo um singelo “carácolis!”.

Quer xingar? Xingue. Não de “bitch!”, mas de “lambisgoia!”, de “sirigaita!”, de “quenga”, de “sacripanta!”. Ah, nem compara. O Guedes não achou ruim quando o chamaram de “canalha”. Mas quando mandaram “tchutchuca” ele subiu pelas paredes. Experimenta!

Quer coisa mais gostosa que dizer “urucubaca”, “estapafúrdio”, “escangalhado”? Use “cangote”, “chamego”, “mamulengo”; vá de “desbunde”, rapapé”, “cupincha”; beba “avoado”, “abilobado”, “desmilinguido”. Descubra as artes do “treco”, do “trem”, do “troço”, você vai ver que delícia que é o “alumbramento” “desenxabido” do “malungo”.

Nossa língua é mais palatável, “palavrável” e, viu?, até pra inventar palavras novas ela é boa. Imagine viver sem “ôxe”, sem “vixe”, sem “uai”, sem “eita”, sem “arriégua”, tendo que falar “oh, boy” o resto da vida? “Mainenfu”. “Assifudê!”.


*Arquiteto, jornalista e escritor. Mestre em Crítica Literária pela PUCSP e doutorando em Literatura Brasileira pela USP. É autor de São Paulo, Cidade invisível (Contos, Grande Prêmio Cásper Líbero); A inacreditável história do diminuto senhor minúsculo (Infanto-juvenil, prêmio Barco a vapor); Estados úmidos da matéria (poemas) e Frágil Recompensa (Crônicas). Etelvina é seu primeiro romance.

Imagem em Pixabay.

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Toque novamente para sair.