?>

Opinião

Lembrar é preciso

Lembrar é preciso

Artigo por RED
30/09/2022 16:32 • Atualizado em 01/10/2022 01:34
Lembrar é preciso

De LINCOLN PENNA*

“A democracia é uma piada” (Adolf Hitler)

“O grande erro foi torturar e não matar” (Jair Messias Bolsonaro)

O bicentenário de nossa Independência foi marcado por um ato de campanha eleitoral orquestrado pelo presidente Bolsonaro. Não fosse esse fato reprovável ao sequestrar a data nacional dos brasileiros para se auto promover foi deselegante e desrespeitosa em sua fala grosseira e tosca.

Todavia, o pior é o seu objetivo ao subordinar as Forças Armadas ao seu capricho, que não se esgota no ritual grotesco no qual expuseram ao escárnio todas as brasileiras, bem como os brasileiros de um modo geral, pois vai além: avançou o sinal dos limites toleráveis dos preceitos democráticos no caminho da instauração de um poder de mando, cujas consequências devem ser consideradas intoleráveis.

Quando governantes ultrapassam os limites das regras da democracia e manifestam o desprezo pelas demais instituições, notadamente os poderes do judiciário e do legislativo, com vistas ao exercício pleno do exercício do poder, algo precisa ser feito. Caso contrário, estaremos esquecendo o que ocorreu com a escalada nazi-fascista, que levou ao poder absoluto os regimes da Alemanha de Hitler e ao fascismo italiano. de Mussolini. Em ambos os caso, amparado pela relação direta com segmentos fanatizados desses povos em crise.

Não se esquecer de Hitler que como ex-cabo austríaco ao participar da Primeira Guerra Mundial como soldado alemão, bem como do agitador Mussolini um nacionalista exacerbado de uma Itália destroçada também pelos desdobramentos do término desse conflito. Ambos eram vistos como figuras caricatas, não obstante acolhidos por um número não desprezível dos cidadãos alemãs e italianos, cada qual em circunstâncias históricas que os levaram ao poder absoluto em razão do desespero causado pelos estragos da guerra.

O Brasil não está em guerra e as crises que têm enfrentado decorrem de fatores suficientes, entretanto, para levar uma parcela de brasileiros a terem apostado em alguém que se dizia antissistema. Prestes a completar o seu mandato, Bolsonaro só acumulou sandices e atropelos, mas agora mira um objetivo inconfessável, porém fácil de ser percebido pelo que aprontou no Sete de Setembro último.

O caminho percorrido por Hitler teve início a partir de uma campanha de descrédito dos poderes institucionais. A eles creditou todas as perdas e mazelas de uma Alemanha tornada desacreditada, e em sua trajetória golpista arregimentou e abrigou a ira de grande parte do povo alemão, tal como Mussolini o fez na não menos trágica situação da Itália. Os dois deram início à desmontagem do estado nacional para sobre esse escombro construir o estado absoluto.

A audácia hitlerista chegou ao ponto de erguer um estado sobre o estado  alemão. A Gestapo nada mais foi senão isso, um organismo que subalternizou as instituições do então falido estado e fez sobre esses escombros o mais poderoso e eficaz instrumento de poder da era contemporânea até então. Tudo era objeto do controle por parte do super estado, inclusive as Forças Armadas igualmente submetidas aos controles das SS e SA, estruturas de poder que se superpunham a dos militares convencionais em sua maioria tragados pelo ódio persecutório do nazismo.

Já tivemos em outras oportunidades chamar a atenção para os fenômenos fascistas. Ao contrário dos regimes do entre guerras o fascismo pode vir a ressurgir com seus métodos e práticas antidemocráticas porque ele faz parte da lógica do próprio capitalismo em crise crônica. Apelar para os expedientes extralegais é próprio de sua natureza.

Nesse sentido, designar de fascista uma atitude não é apenas de um adjetivo para desacreditar a quem nos opomos ou algo como forma de condenar uma simples manifestação autoritária quando ela se torna frequente. Não. O fenômeno fascista reaparece em épocas que nas quais crescem as perspectivas transformadoras da sociedade em crise. Ou entendemos o fascismo dessa maneira ou seremos de novo, em outra conjuntura, vítimas de sua presença impossível de ser evitada a menos que tenhamos consciência de que ele não é coisa do passado. Ele reaparece e a cada instante precisamos estar em alerta.

Por fim, a quem argumente que tanto na Alemanha quanto na Itália, o fascismo contou com aparatos ideológicos e especialmente com partidos ou organizações políticas que foram decisivos para sua irradiação junto às massas. Como no Brasil temos uma tradição muito precária nesse sentido, a possibilidade de sua disseminação seria irrisória ou de alcance restrito. Mas, as massas desorganizadas são, por outro lado, mais facilmente manietadas e vulneráveis a pregações antidemocráticas. É um dado a ser considerado e a conferir.

O fato é que estamos diante de um processo eleitoral envolto pela crescente intolerância instigada e praticada pelos mais ardorosos membros do bolsonarismo, cujo objetivo é menos o convencimento do eleitorado do que a criação da insegurança, da balbúrdia e de um clima propício para por na conta da eterna suspeição em relação às urnas eletrônicas. Feito isso julgar improcedente qualquer resultado, claro que principalmente se forem contrários ao do candidato à reeleição.

Nessa estratégia, a formação de um ambiente tenso e com episódios de violência pode resultar na convocação das Forças Armadas para intervirem e restaurarem a ordem. E em consequência, suspender o pleito sob alegação de que ele foi violado. Essa hipótese não faz parte de uma teoria da conspiração. Ela está inscrita no enredo acalentado pelo bolsonarismo e por quem  deseja sua continuidade a qualquer custo.

Em tempo, sugeriria o filme estrelado por Marcelo Mastroiani e Sophia Loren, “Um dia muito especial”, no qual é retratada as figuras de um professor e de uma mulher casada com um miliciano fascista. Ambos desgarrados por emprestáveis ao não aderirem às atividades do dopolavoro, isto é, um organismo de recriação e difusão do ideário fascista irradiado em todas as comunidades da Itália dos tempos do fascismo. Imperdível.

Obs.: Quem tiver interesse nesse assunto pode encontrar mais detalhes em meu livro O CABO, O CAPITÃO E O CAPITAL, Editora LetrCapital.

*doutor em História Social, conferencista honorário do Real Gabinete Português de Leitura, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Imagem em site da Editora LetrCapital.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

Toque novamente para sair.