Opinião
Kiss, dez anos: verdadeiras ou inautênticas lágrimas?
Kiss, dez anos: verdadeiras ou inautênticas lágrimas?
De ADÃO VILLAVERDE*
Passados dez anos exatos da inesquecível tragédia que interrompeu 242 prodigiosas vidas e deixou mais de 600 feridos, além de violentar famílias, traumatizar comunidades e repercutir mundialmente, o incêndio da boate Kiss ocorrido em 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, figura um atestado cruel do individualismo e do descaso recorrente nossa sociedade.
Simboliza, também, o egoísmo coletivo, escondido na emoção inicial conjunta do primeiro momento de ardor vertido em caudalosas lágrimas, mas que se esvaíram, como a fumaça do próprio sinistro, apagando-se processualmente com passar de pouco tempo.
Não me refiro apenas à impunidade que impera até hoje, que já é gravíssimo, soando como um deboche institucional à dor dos sobreviventes e dos familiares das vítimas. E nem ao manto de esquecimento com que muitos veículos de comunicação cobriram as decorrências do episódio, depois da efervescência emotiva inaugural que o horror inusitado da mortalidade ampliada despertou nos seus ouvintes, leitores e telespectadores.
A própria descaracterização posterior da legislação de segurança e prevenção contra incêndios, elaborada em comissão especial do Parlamento, que tive a tarefa e a responsabilidade de presidir ainda em 2013, resultado desse sentimento, que tentou amenizar, ao menos um pouco, as más lembranças da memória, para mitigar o compartilhamento da culpa de todos pela conivência com a omissão com que se trata o caso até hoje.
Apesar de ter sido aprovada à época por unanimidade na Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador, vimos na sequência alguns não explícitos movimentos de inconformidade com a nova e moderna legislação. Por isso, fui algumas vezes à tribuna do legislativo e acentuei, repetida e recorrentemente – mas em vão – sobre os graves riscos da flexibilização da chamada Lei Kiss, que teve o rigor original abatido por emendas parlamentares. Sobretudo a partir de pressões de setores, propondo excepcionalidades que legitimaram o conhecido ‘jeitinho’, condenado na legislação anterior, pela defesa de interesses econômicos particularistas ou mesmo inconfessáveis.
De tudo, ficou a dúvida se o que importa mesmo é a preservação da vida humana, uma vez que lei não foi só flexibilizada, mas vilipendiada e quase extinta, ou se, na verdade, ela vale menos que alguns metros quadrados de construções que revertem em tributos arrecadatórios, lucros imobiliários ou ganhos de alguns.
*Engenheiro e Professor da Escola Politécnica PUCRS de Gestão do Conhecimento e da Inovação.
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
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