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Opinião

Julieta Battistioli – Adorável camarada

Julieta Battistioli – Adorável camarada

Artigo por RED
30/10/2023 05:25 • Atualizado em 31/10/2023 08:58
Julieta Battistioli – Adorável camarada

De ADELI SELL*

Uma comunista, primeira vereadora de Porto Alegre

“Adorável Camarada” é o título do livreto publicado pelo Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre, sob gestão de Jorge Barcellos, e o IFCH da UFRGS. Trata-se de um trabalho de pesquisa oral, conduzido pelo pessoal do Curso de História, Francisco Carvalho Junior e Eliane Rosa Garcia.

De cara, somos premiados com um curto texto da Naira Vasconcellos. Ela nos diz o que vimos ser real pela entrevista que lemos:

“Quando assumiu seu mandato na Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre, reafirmou suas posições. Estava ali para defender suas posições. Estava ali para defender seus ideais, não recuaria. Nunca recuou. Chegou aos oitenta e nove anos atenta, lúcida e corajosa”.

Não apenas uma historiadora quem fala, mas uma de suas netas. O texto é de 2008. 

Julieta era operária da Renner, uma indústria “na frente de seu tempo”, segundo alguns; outros diziam que A.J.Renner, conhecido como “capitão das indústrias”, estaria à frente do seu tempo quanto às leis trabalhistas. Ali Julieta sempre foi comunista. Defendia seus colegas deste e de qualquer local de trabalho. Ela mesma reconhece que o “velho” tinha estima dos operários, tentava respeitar os direitos; porém, relata uma demissão de um colega feita por ele por ter “O Capital” de Marx em sua mesa de trabalho. Se vê o “velho” patrão com bons olhos, o mesmo não acontece com seu filho Egon Renner, que ela mostra que era um expoente do fascismo local, membro militante de proa do integralismo. O que é verdadeiro. Por sinal, ainda não se estudou o suficiente o integralismo por aqui. No entanto, o livro de Veridiana Tonini sobre Walfram Metzler desvenda muito destas mentes nefastas.

Militante do PCB, o partido decide que ela deve concorrer, sem quaisquer ajudas reais, e ela não tinha também nenhuma condição.  Ela concorreu pela legenda do Partido Social Progressista (PSP), como outros comunistas.  Entre 1947 a 1951, assumiu a vereança em diversas ocasiões em substituição aos vereadores Elói Martins e Marino dos Santos, já que o primeiro suplente Pinheiro Machado não assumiu. Por sinal, ela nos diz que pegava dos proventos o que ganhava na fábrica e o restante ia para o partido.

Para quem quiser saber mais e ter uma visão mais ampla desta militante comunista e dos seus princípios, deve ler Julieta Battistioli: a trajetória militante de uma operária comunista, de GUILHERME Machado Nunes, disponível aqui

Para mim, estas notas são como fiz, faço e farei de outras figuras de nossa historia porto-alegrense e rio-grandense: “Memórias” que precisam ser resgatadas, preservadas e divulgadas. As pessoas precisam conhecer quem foi a primeira vereadora da capital, como já divulgamos que a primeira jornalista do país foi Maria Josefa, para nosso orgulho.

Julieta tinha presença no dia a dia da fábrica, escutando, orientando os colegas quanto a seus direitos. Na frente da Renner, como na porta de outras empresas, como em filas de cinema, ela discursava sem medo. “Falava com a alma” como lembra seu colega de partido e vereança Eloy Martins. Ela foi presa no Madre Peletier uma vez e interrogada pelo DOPS. 

Era orgânica das bases do PCB, partido que, fica evidente com a história relatada, o quanto era burocrático, autoritário – com suas raízes estalinistas – para dar ordens, obrigar a militância fazer atos que afrontavam a realidade do dia a dia das fábricas. Julieta relata o caso das cestas que o Renner dava aos seus operários, ou o vale posteriormente, enquanto o Partidão sempre achava algo a criticar. Não fosse o bom senso, a visão crítica de uma operária de base como Julieta, as coisas teriam sido muito piores às posições de cima para baixo do partido. Ela relata a mágoa que teve quando no jornal partidário, A Tribuna, sem ela saber, sem discutirem com ela, sai uma matéria escrachante, chamando-a de traidora. O PCB solicitou que ela se desligasse, o que ela não fez, surgindo sua expulsão. Porém, como antes ou como depois, continuou lutando pelas pessoas, participando de congressos, ajudando outras mulheres a ter lugar, vez e voz nas instituições e congressos. Sempre lutou pela paz, contra a guerra, esteve na luta pela Legalidade, mantendo-se ativa de uma forma ou de outra, dizendo sempre que era operária e comunista. A Escola do Legislativo da Câmara leva seu nome, como uma praça na zona sul da capital.

Assim que Julieta deve ser lembrada.


*Escritor, professor e bacharel em Direito.

Imagem do Memorial da Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

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