?>

Opinião

Isocracia – A sociedade democrática do Poder Popular

Isocracia – A sociedade democrática do Poder Popular

Artigo por RED
25/02/2024 05:25 • Atualizado em 27/02/2024 10:13
Isocracia – A sociedade democrática do Poder Popular

De LINCOLN PENNA*

O vocábulo isegoria significa igualdade absoluta. Serve para definir direitos de toda espécie. De origem grega ela deriva de uma necessidade, a de dar conteúdo às várias descrições e maneiras de se fazer alusão à democracia. O mesmo ocorre em nossos dias, quando as inúmeras adjetivações, tais como democracia representativa, social, liberal, e tantas outras acabam por reduzir a democracia a um papel que retira o seu aspecto mais importante, qual seja, o do protagonismo do povo na direção das decisões que devem ser de seu interesse.

Dela surgiu o termo isocracia ou o poder desse povo de fazer valer sua vontade coletiva, que nos tempos em que era possível reunir o povo para deliberar nem sempre tal expediente era possível. Hoje muito menos ainda, mas há como pensar nessa democracia direta. Alguns exemplos têm se multiplicado, embora sejam ainda bem isolados. A construção de uma sociedade isocrática, ou seja, de uma comunidade social em que a totalidade de seus indivíduos desfrute direitos efetivamente iguais, tenha acesso aos meios de decisão, e na qual a exclusão social inexista, talvez leve muito tempo. Não se encontra em nosso horizonte próximo.

Mas, não é um devaneio nesses tempos de eventos extremos no instante em que só se pensa nos piores cenários para a nossa casa, a Terra. Tampouco configura uma utopia clássica, aquela do não-vir-a-ser. Ao contrário, estamos a assistir os primeiros resultados dos escombros do velho modo de vida, embora a gestação do novo não aconteça por completo senão daqui a algumas gerações.

Os primeiros sintomas dessa nova ordem que deve vir à tona pela via da solidariedade entre os seres humanos, começam a dar seus sinais nas comunidades mais desassistidas das várias formações econômicas e sociais, sobretudo naquelas que se encontram no hemisfério Sul e que padecem da pobreza crônica quando não de condições de miserabilidade.
Esse movimento de comunhão de verdadeiros cidadãos, não obstante não terem sua condição de cidadania plena em razão dos descasos dos poderes públicos exercidos por grupos econômicos e políticos das tão decantadas democracias representativas, que não as representam, exibem a força crescente movida ainda exclusivamente pela indignação.

Há os que procuram no passado encontrar similitudes para que elas possam nortear os movimentos sociais e políticos a se baterem contra o poder que independentemente de suas representações partidárias acabam reforçando o estigma e as mesmas políticas ineficazes quanto à emancipação de inúmeros contingentes sociais à margem dos direitos básicos indispensáveis à vida.

Os valores, as necessidades e as práticas sociais em geral são de outra natureza porque decorrem de novas e diversas conjunturas políticas ainda que fundadas em formações culturais sedimentadas faz tempo, razão pela qual este aspecto não pode ser desprezado.

Assim, todas as teorias da história e as suas chaves explicativas em relação aos fatos e fatores que movem as sociedades humanas estão devidamente contextualizadas, dentre elas o marxismo, do qual eu e muitos historiadores e estudiosos de diferentes ramos do conhecimento lançam mão em suas análises.

Conhecer o universo no qual foram produzidas essas leituras do mundo é de fundamental importância para que saibamos entender a necessidade de atualizar essas interpretações e não as tomar como ortodoxias a serem empregadas mecanicamente em realidades tão distintas. E quando cito o marxismo é para demonstrar que embora tenha surgido na contramão dos sistemas políticos vigentes, no exame do modo de produção capitalista, seus autores, Marx e Engels, não escaparam totalmente dessas culturas políticas muitas das quais de caráter autoritárias, a despeito da modernização em que se encontrava o mundo.

A ideia de um poder centralizado a cargo de uma classe oriunda do mundo do trabalho, a classe operária, mesmo tendo a missão histórica de pôr fim a existência das classes de modo a preparar o caminho para o advento de uma sociedade sem classes, nos argumentos do raciocínio dos autores do materialismo histórico se encontrava a ideia do exercício do poder destinado a fazer com que todos tivessem acesso aos bens produzidos socialmente.

É evidente que a ditadura do proletariado seria na concepção de Marx e Engels uma etapa de um processo findo o qual e suprimido o modo de vida então existente sob o poder das burguesias se iniciaria uma outra etapa. Esta se encarregaria de construir um modo no qual a produção seria comunitária e na qual a propriedade voltaria como nos tempos bem anteriores ao surgimento das sociedades de classes, a pertencer a todos. A volta à propriedade comunitária regida pelas necessidades que se fizessem presentes, num intercâmbio de produtos e ideias partilhadas em comum daria nascimento à verdadeira história da humanidade superando a sua pré-história.

Nos nossos tempos e com o surgimento de uma tecnologia que coloca cada ser humano em imediato contato com os seus semelhantes não importam as distâncias, graças aos meios eletrônicos, tecnologia essa que deriva do avanço de uma revolução científica das mais velozes dos últimos tempos, a perspectiva de um modo de vida mais equânime longe de ter ficado mais distante tem favorecido as comunicações e uma intensa circulação de ideias e desejos. É nesse novo e assombros tempos da inteligência artificial que precisamos nos inteirar para dar impulso à necessidade maior, que consiste na integração de mudanças sociais que favoreçam os marginalizados articulada à luta pela preservação do meio-ambiente, dado que a questão ambiental é hoje em dia tão importante quanto a revolução social cada vez mais necessária.

Permanece, não obstante, a questão central diante desse desafio de fazer unir o social e o ambiental em um só processo de modo a eliminar o mal que o modo de produção capitalista tem produzido na humanidade. A questão prevalecente é a contradição entre capital e trabalho. Por isso, no que diz respeito à revolução social ela precisa contemplar a emancipação do trabalho sem o que não poderemos conjugar essa unidade do social com o ambiental.

A razão dessa impossibilidade é que não bastam reformas que mantenham o domínio do grande capital, responsável pela destruição das condições preservacionistas a afetarem a natureza. Logo, ou nos voltemos para essa dupla tarefa histórica ou nenhuma delas isoladamente será possível realizar. Pelo menos amplamente.

Afinal, uma revolução social tal como Marx pontuou em sua obra implica na superação das lutas de classes. Mantê-las no esforço de debelar o aquecimento global, por exemplo, só é assim considerado pelos que entendem que o antropoceno aliado ao capitoloceno, não são os fatores responsáveis pelas mutações atmosféricas. É coisa da natureza, dizem.

Na verdade, o modo pelo qual o ser humano age na destruição da natureza (antropoceno) em busca de vantagens imediatas é extremamente nocivo ao bem-estar humano, Da mesma forma que o capitalismo e sua lógica destrutiva (capitoloceno) opera na obsessiva corrida continuada da mais-valia ampliada. A continuar assim a humanidade não poderá garantir futuro para as próximas gerações. A tomada de consciência torna-se um fator indispensável para que ela venha a ser socializada de maneira a permitir a multiplicação de comunidades em condições de se organizar em seus redutos e ser capaz de mobilizar na certeza de que é dever de cidadania crer na possibilidade de mudar o mundo enquanto é tempo.


*Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).

Imagem em Pixabay.

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Toque novamente para sair.