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Opinião

Imperialismo e neoliberalismo

Imperialismo e neoliberalismo

Artigo por RED
24/09/2023 05:35 • Atualizado em 26/09/2023 10:37
Imperialismo e neoliberalismo

De LINCOLN PENNA*

O presidente Lula ao mencionar o neoliberalismo como a origem mais recente da crise em que está mergulhado o mundo reacendeu a fúria dos ideólogos de plantão. Esta reação era previsível uma vez que os demais pontos contidos no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU proferido pelo presidente brasileiro, como costuma acontecer tradicionalmente, não cabia críticas, uma vez tratar de temas consensuais, pelo menos da boca para fora.

O que Lula não citou ao se referir ao neoliberalismo é que tanto esta etapa mais assanhada dos interesses do grande capital internacionalizado quanto o imperialismo dos períodos de expansão das investidas do capital são meros nomes fantasias do capitalismo. Na verdade, o que Lula quis dizer, e disse, é que o modo de produção e de vida promovido pelo regime do capital é o responsável por grande parte das mazelas existentes nos países submetidos direta ou indiretamente a sua sanha acumuladora.

Para a grande mídia passou sem maiores registros os aplausos durante o discurso do presidente do Brasil, que embora seja um país fundador da organização mundial e visto com simpatia pelos demais, nem sempre a receptividade foi acolhedora. Pesou nesses aplausos a liderança inconteste de Lula, cujos reparos mais críticos acabaram se concentrando exatamente nas pautas que tornaram público a independência do governo brasileiro no que diz respeito à conjuntura internacional.

Ao dispensar o bom mocismo para evitar eventuais constrangimentos junto a lideranças ocidentais mais alinhadas a políticas de preservação da atual ordem mundial, Lula foi direto e sem rodeios aos temas que têm merecido sua prioridade, como de resto a prioridade dos países emergentes. Dentre essas prioridades estão o combate às desigualdades sociais gritantes, a defesa das teses ambientais e o absoluto acolhimento ao governo ucraniano por parte dos países que formam a OTAN, cuja guerra é incentivada com dinheiro e armamentos, a despeito dos males que têm causados ao povo daquele país.

A tese que o Brasil abraça, a da paz imediata, é correta, mesmo para os que justificam o ato de Putin ao reagir ao cerco da OTAN. Daí com razão alguns analistas considerarem que a guerra entre os dois países na verdade é um embate entre as pretensões daquele órgão a serviço do Ocidente e monitorado pelos EUA do que um conflito entre Rússia e Ucrânia, muito embora objetivamente é assim que é visto pela opinião pública e publicada, esta pela via das agências noticiosas internacionais.

Além dessas questões já esperadas, o presidente brasileiro não deixou de mencionar o bloqueio imposto à Cuba, e com isso sustentou a defesa de uma nação latino-americana e a sua autodeterminação, reafirmando ainda a liderança brasileira na região. Assim como fez menção à prisão injustificável do jornalista Julian Assange. Por sinal, já em outras oportunidades e sempre que pode Lula externou sua indignação por mais essa violação nos direitos humanos e no acinte à liberdade de imprensa. Palmas se seguiram a essas menções passageiras de um discurso recheado de importantes questões a provocar algum impacto nacional e internacionalmente.

É preciso salientar que não se trata apenas de uma formalidade em ocasiões em que um chefe de estado se manifesta para ser ouvido em todos os continentes e países que compõem o organismo simbolicamente mais importante desde o término da Segunda Grande Guerra Mundial. Estes chefes de estados falam e expressam de alguma maneira o pensamento médio de seus concidadãos. Lula logrou fazê-lo sem que se possa contestá-lo em seus propósitos, pois ele jamais mascarou sua origem política. Os que pensam diferentemente têm o direito de criticá-lo, pois faz parte da democracia, mas não podem desfigurar ou simplificar os seus argumentos só porque são contrários ao que pensam.

Talvez o único reparo esteja no fato de criticar ´- com razão, diga-se de passagem – a ONU pela incapacidade de evitar os seguidos conflitos regionais e agora o que envolve duas nações que dela fazem parte, a Rússia, por sinal membro do seu Conselho de Segurança Permanente, e a Ucrânia, da mesma forma que em muitos outros casos; e ao mesmo tempo se apresentar para integrar o mesmo Conselho amplificado. Ora, se este organismo mundial já não expressa o mundo atual, uma vez que ele foi constituído no imediato pós-guerra, reformá-lo é manter algo que precisa ser radicalmente reestruturado. Não é acrescentando novos membros a esse Conselho que a ONU alterará em sua essência. A mudança é mais profunda.

A mesma lógica se dá em relação à crítica ao neoliberalismo. Não é esta nova e acentuada etapa da escalada caótica e voraz de uma economia de mercado que manifesta a crise aguda do capitalismo que deve ser mudada, e sim o próprio capitalismo. Como de resto antes se pensava em conter o imperialismo como se isso impedisse a maré montante da voracidade do capitalismo em sua fúria expansionista durante os dois últimos séculos, e antes do advento da financeirização da economia mundial.

Lula tem consciência disso e os seus mais próximos conselheiros idem, mas como em certas ocasiões esse tipo de análise ainda necessita de algum trato próprio aos governantes em fóruns internacionais. Contudo, o mais importante é que Lula nos livrou da continuidade de um governante obtuso e vocacionado para o que pior poderia acontecer no Brasil, no continente americano e no mundo.

Que nós o acompanhemos em sua trajetória convencidos de que acertamos na sua escolha para presidir o nosso país, mas a melhor forma de colaborar é exercer o nosso direito de eventualmente divergir de algumas de suas atitudes e proposições.


*Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).

Foto: Ricardo Stuckert/PR.

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