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Opinião

IIIa. Cúpula CELAC – U. E.: saldos positivos

IIIa. Cúpula CELAC – U. E.: saldos positivos

Artigo por RED
21/07/2023 12:00 • Atualizado em 23/07/2023 22:10
IIIa. Cúpula CELAC – U. E.: saldos positivos

De FLAVIO AGUIAR*, de Berlim

Considero o resultado da IIIa. Cúpula entre os países da Comunidade dos Estados Latino-Americanos (CELAC) e a União Europeia (U. E.), realizada em Bruxelas nos dias 17 e 18 de julho, como portador de pontos altamente positivos para ambas as partes.

Para a CELAC, apesar de haver divergências de ênfase sobre aspectos do conturbado cenário geopolítico atual, houve uma notável convergência em torno da afirmação da soberania e independência dos países membros.

Para a U. E. houve a retomada do diálogo com um polo importante deste mesmo cenário conturbado da geopolítica atual, que defende a multipolaridade e a diplomacia como balizas para as relações internacionais.

É claro que, como sempre, deve-se olhar com cautela a distância entre as declarações conjuntas, repletas de boa-vontade, e a realidade das práxis posteriores, diante dos solavancos e turbulências das políticas internas dos países membros e das duras trilhas de uma política internacional marcadas por uma guerra globalizada, ainda que terceirizada, e as desigualdades gritantes que ainda existem, fruto, em grande parte, dos colonialismos passados e imperialismos presentes.

Assim mesmo cumpre ressaltar que a declaração conjunta final acentuou a paz como objetivo geopolítico e o respeito às soberanias dos países membros de ambas os blocos.

Estes dois aspectos são fundamentais para os países da CELAC, que, em conjunto, defendem uma posição alternativa ao maniqueísmo que os Estados Unidos, seus aliados mais próximos e a OTAN, com ajuda da mídia mainstream internacional, tenta imprimir à consideração da guerra na Ucrânia e às injunções do relacionamento com a Rússia e a China. E a defesa da soberania também é fundamental para estes países, cujas instituições democráticas são permanentemente ameaçadas por tentativas de golpes militares ou jurídico-parlamentares, com apoio, senão patrocínio, do exterior.

Para a U. E. esta convergência, ainda que de momento carente de uma afirmação mais proativa, também é fundamental, diante da enorme pressão feita pelos Estados Unidos para arrastar seus países membros na aventura bélica perigosa da atual guerra. Esta circunstância vem produzindo efeitos sociais e econômicos extremamente negativos em muitos países da U. E. e do continente europeu, abrindo caminho para as bandeiras antidemocráticas da extrema-direita que avança em todos eles. Sem esquecer os efeitos culturais negativos, com a reafirmação do militarismo e da guerra como valores positivos.

Neste sentido, merece destaque a condenação do criminoso bloqueio contra Cuba, patrocinado pelos Estados Unidos, bem como a classificação do Estado Cubano como “terrorista” no cenário internacional.

Também merece destaque a declaração conjunta paralela, feita pela Argentina, Brasil., Colômbia, França e o secretário da U. E. para Relações Exteriores e Política de Segurança, na presença do vice-presidente da República Bolivariana da Venezuela e do representante da Plataforma Unitária da oposição venezuelana, definindo o horizonte de uma eleição livre e soberana, acompanhada por organismos internacionais, como condição e abertura para que suspendam as sanções econômicas e políticas contra aquele país, também patrocinadas, sobretudo, pelos Estados Unidos. Esta declaração conjunta, fortemente impulsionada pelo Brasil, pode significar a pá-de-cal na “Síndrome de Guaidó”, que levou tantos países, inclusive o Brasil do governo-fantoche de Jair Bolsonaro, a perseguir e prejudicar o governo e o povo venezuelanos.

Este clima positivos auxiliou, na paralela Cúpula dos Povos, a aproximação entre os representantes de movimentos sociais em ambos os continentes.

Para o Brasil, ressalte-se a reafirmação do protagonismo e liderança internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de fato o principal líder (sublinho a palavra líder) mundial no momento. Tal papel foi publicamente reconhecido por declarações do presidente Emmanuel Macron quanto à resolução sobre a Venezuela.

Sem dúvida ainda restam arestas e montanhas a remover. Por exemplo, o beco-sem-saída evidenciado numa das falas do futuro presidente da União Europeia, o atual primeiro-ministro Pedro Sánchez, expondo o velho mapa-múndi onde cabe à América Latina o papel de exportadora de matérias primas e fonte de recursos naturais, e à Europa, o de exportadora de produtos industrializados e de valor agregado. E ainda, mesmo dentro deste mapa-múndi antiquado, a preservação do protecionismo agrário do Velho Mundo.

O presidente Lula deu uma resposta alternativa à este desenho da desigualdade, ao condicionar a assinatura do acordo entre a U. E. e o Mercosul à proteção dos processos de re- industrialização do Brasil e do continente latino-americano e à transferência de tecnologia por parte de empresas europeias que venham a atuar na A. L. Há declarações no sentido de que este acordo venha a ser revisto, concluído e assinado até o final deste ano. Haverá neste movimento uma prova dos nove sobre se existe mesmo chão para remover do mundo real aquele mapa-múndi antiquado da consagração das desigualdades estruturais.


* Jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).

Foto: Ricardo Stuckert/PR.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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