Opinião
Humor e ódio não combinam
Humor e ódio não combinam
De SOLON SALDANHA*
Um “comediante” carioca que não por acaso ganhou algum destaque nos últimos e sombrios anos, acaba de receber determinação do Tribunal de Justiça de São Paulo para que retire imediatamente um “espetáculo” seu que está no YouTube. Além disso, a magistrada Gina Fonseca Correa o proibiu de deixar a capital paulista, onde reside, sem autorização da Justiça. A decisão, mais do que acertada, vem até com um certo atraso, uma vez que tal vídeo foi publicado ainda em 2022. Ele contém uma sequência de “piadas” de péssimo gosto, atacando minorias sociais com o uso de um suposto humor. Até esta decisão do TJ-SP, mais de três milhões de visualizações já haviam sido computadas, mesmo com este conteúdo “reproduzindo discursos e posicionamentos que hoje são repudiados”, como escreveu a juíza.
Esta decisão acolheu pedido do Ministério Público, que solicitou também e foi atendido na proibição de que ele transmita, publique ou mantenha em determinados dispositivos todo e qualquer arquivo onde exista algum “conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável”. Exagero, dirão alguns que defendem a liberdade de expressão, desde que essa expressão represente aquilo que pensam ou defendem. Pessoas que citam a Constituição, mas a enxovalham ao defender golpe de Estado; que falam sobre “censura prévia”, como se esse ano todo de exposição dos absurdos não tivesse passado.
Ele começou sua trajetória trabalhando no programa The Noite – o nome é assim mesmo, misturando inglês e português, talvez para demonstrar alinhamento e confirmar nossa subserviência –, de Danilo Gentili, que é levado ao ar no SBT. Ficou lá até julho do ano passado, quando partiu para esse voo solo, onde precisou ter suas asas cortadas. Naquela mesma rede de televisão, durante o programa Teleton, que existe desde 1998 e no qual, em parceria com a TV Cultura, buscam angariar recursos para a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), ele cometeu a proeza de fazer uma piada sobre uma criança cearense com hidrocefalia. Essa terminou sendo a razão do seu desligamento da emissora.
Sua história de desrespeito às pessoas tem outros tantos episódios que podem ser contados. Ele foi condenado a pagar uma indenização à influenciadora Thais Carla depois de fazer uma piada sobre um vídeo em que ela demonstra a dificuldade de pessoas gordas para ter acesso às poltronas de avião. Acionada, a Justiça concordou que ele promovera discurso de ódio e incitara pessoas a atacarem não apenas a dançarina como outras pessoas nas redes sociais, ao exalar uma “inequívoca gordofobia”. No início de 2023 já tivera que pagar indenização de R$ 15 mil por fazer piadas com uma mulher transgênero, apenas para promover o show que faria em Jacareí, no interior de São Paulo. E ele conseguiu ainda ser autor de uma indignidade ao debochar do acidente aéreo que vitimou 71 pessoas, com a queda do avião que levava a delegação da Chapecoense para partida na Colômbia.
É proposital a omissão do nome dele aqui. Sugiro que ninguém procure sequer saber, para que ele não ganhe ainda mais espaço no ambiente podre que têm se revelado o mundo virtual – o que evidencia a urgente e mais do que necessária adoção de um controle mais rigoroso, o que as big techs repudiam, porque se preocupam apenas com lucro. Agora ele está se vitimizando, dizendo que várias casas de espetáculos estão cancelando apresentações suas. Como todo e qualquer fascista que se preze, demonstrava coragem quando protegido. E evidencia sua dimensão pequena e toda sua mediocridade, quando está exposto. Parece que a sociedade está acordando, depois de alguns anos de sono profundo.
O bônus musical do autor é Eu Não Sou Racista, um rap inspirado em I’m not racist, de Joyner Lucas, nome artístico de Gary Maurice Lucas Jr., cantor, compositor e produtor musical dos EUA. No clipe, que é importante salientar ter sido gravado em 2020, a atuação é de Nego Max e Léo Malara.
*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.
Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.
Tirinha do personagem Armandinho, de Alexandre Beck, disponível nas redes sociais.
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