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Guilherme Mello: ‘Tramitação do arcabouço fiscal será rápida e desenho será preservado’

Guilherme Mello: ‘Tramitação do arcabouço fiscal será rápida e desenho será preservado’

Entrevista por RED
02/05/2023 10:05
Guilherme Mello: ‘Tramitação do arcabouço fiscal será rápida e desenho será preservado’

Secretário de Política Econômica diz que rito democrático e conversas nos bastidores ajudaram formulação da proposta

O governo federal acredita que o arcabouço fiscal preparado pelo Ministério da Fazenda e que deverá ser colocado em votação na Câmara dos Deputados até 10 de maio, está amadurecido o bastante para tramitar sem grandes turbulências no Legislativo.

Para o Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, o projeto respeitou os ritos da democracia e passou por diversas mãos antes de ser apresentado ao Congresso e, por isso, “a tramitação deve ser rápida e o desenho do arcabouço será preservado”.

“Nós começamos a elaborar dentro do Ministério da Fazenda, fomos apresentar para o restante da área econômica do governo, para a ministra Simone Tebet, para o ministro [Geraldo] Alckmin, para a ministra Esther [Dweck]. Apresentamos ao presidente do Banco Central e recebemos sugestões e depois apresentamos para o presidente da República, que é quem chancela e decide. Também apresentamos para o presidente da Câmara, o presidente do Senado e depois para os líderes das duas casas”, explica o secretário.

Segundo Mello, “esse processo fez com que as pessoas participassem da elaboração e do debate sobre o novo arcabouço fiscal, então agora que ele chega formalmente no Congresso, na forma de um texto, ele já está um bocado mais amadurecido”.

Mello é o convidado desta semana no BdF Entrevista e aponta que o Parlamento brasileiro “é soberano para fazer as suas sugestões, as suas emendas”, mas que o governo e o ministério da Fazenda estão preparados para discutir “cada uma delas”.

Na conversa, o secretário também fala sobre a possibilidade de criação de uma moeda internacional, que possa se contrapor a dependência mundial da “política monetária de um país, que é os Estados Unidos”. Segundo Mello, a moeda dos Brics, que foi aventada durante a visita do presidente da República, Lula, ao seu homônimo chinês, Xi Jinping, pode ser uma alternativa.

“É importante que nós avancemos em formulações de políticas econômicas que viabilizem o comércio, o intercâmbio entre os países, não necessariamente passando pelo dólar. A moeda dos BRICS é uma possibilidade que surgiu nas últimas semanas. Na realidade, isso já tem acontecido entre, por exemplo, China e Rússia, acordos entre eles, para não usar a moeda americana. A Argentina fez um acordo com a China recentemente para não precisar usar o dólar e poder comprar produtos chineses usando o peso”, comenta Mello.

O secretário também explica que, no cenário atual, é possível, e “necessário”, uma queda da taxa de juros pelo Banco Central. A medida, segundo Mello, pode viabilizar um crescimento da economia e resolver uma questão central do país neste momento, que é a oferta de crédito no Brasil.

“Como nós enxergamos a atividade desacelerando, o mercado de crédito desacelerando, o mercado de trabalho ainda razoavelmente resiliente, mas também com uma desaceleração e a inflação caindo, nós acreditamos que, do ponto de vista macroeconômico, existem condições para a redução da taxa de juros, sem gerar pressão inflacionária, e melhorando um pouco as condições do mercado de crédito, viabilizando assim um crescimento maior da economia”.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Sobre o arcabouço fiscal, a expectativa é que o Congresso encampe a proposta, ainda que com possíveis mudanças. Essa é uma medida que, mais do que tudo, o mercado é quem precisa enxergar na economia Brasileira. Ela, no entanto, pode ser um impeditivo para o crescimento ou mesmo para o investimento em áreas importantes do governo?

Guilherme Mello: Eu acho que pra gente entender a proposta do arcabouço fiscal, a gente tem que entender o que aconteceu antes da proposta. Então, quando o presidente Lula ganhou a eleição, nós estávamos no período da transição, nós verificamos que o orçamento público previsto para 2023 era absolutamente insuficiente para dar conta dos programas e das medidas necessárias para desenvolver o país, para tirar o país da pobreza, da miséria, para gerar emprego e renda.

Por exemplo, não havia recursos para os R$ 600 do Bolsa Família, também não havia recursos para o Minha Casa, Minha Vida, para o Farmácia Popular, e para tantos outros programas fundamentais para a grande maioria da população brasileira. Então, nós fizemos e aprovamos a chamada PEC da Transição. Foi a primeira vez que um governo recém eleito teve que aprovar uma Emenda Constitucional antes de assumir o governo. E ele teve que aprovar para viabilizar esses programas.

Quando nós aprovamos a PEC da Transição, nós aumentamos o teto de gastos em R$ 145 bilhões e garantimos mais R$ 23 bilhões para investimentos públicos. Desses R$ 145 bilhões nós viabilizamos um novo Bolsa Família, o novo Minha Casa, Minha Vida, um novo Mais Médicos, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o aumento real do salário mínimo, a isenção de imposto de renda para quem ganha até dois salários mínimos e tantas outras medidas que estão sendo, e continuarão sendo anunciadas ao longo deste ano, para promover crescimento, para promover emprego, para distribuir renda.

Essa aprovação nos colocou num patamar onde o desafio, agora, é você sustentar e fortalecer gradualmente cada um desses programas. E é isso que o novo arcabouço fiscal faz, porque ele permite o crescimento do gasto público, viabilizando um fortalecimento gradual dessas e outras medidas. Mas, ao mesmo tempo, colocando um limite máximo para o crescimento, que viabiliza também o país sair do déficit primário previsto para esse ano, de 2% do PIB, para nós voltarmos a ter superávit primário.

Muitas pessoas vão perguntar: “mas por que é importante ter superávit primário?”. Bom, fundamentalmente, porque o superávit primário é um dos fatores que ajudam a estabilizar o endividamento público. E quanto mais dívida pública, maior o volume que o estado gasta com juros. Hoje a gente já gasta um volume muito elevado de juros, não só porque a nossa dívida pública é maior do que no passado recente – hoje ela está em torno de 74% do PIB –  mas também porque a taxa de juros hoje é muito alta. É a maior, em termos reais, do mundo.

O estado brasileiro transfere, na forma de juros, 7%, 8% do PIB, que é muito mais que qualquer Bolsa Família, do que qualquer programa de transferência de renda. Então, é importante estabilizar em algum momento, reduzir essa dívida pública, até por motivos distributivos, para também permitir uma queda da taxa de juros, para nós gastarmos menos com juros e podermos fortalecer cada vez mais os programas sociais.

O senhor acredita que a aprovação vai se dar nesses termos?

Eu acredito que o processo que foi feito ajuda muito no debate. O que que eu estou querendo dizer com isso? Muitos jornalistas, inclusive, vieram me perguntar e até querer fazer reportagem sobre como nós fizemos para o arcabouço fiscal não vazar – que você sabe que a maioria dessas propostas acabam vazando antes da hora, quando elas ainda não estão nem prontas.

E isso foi muito importante, porque nós tivemos tempo de fazer o rito correto da democracia. Nós começamos a elaborar dentro do Ministério da Fazenda, fomos apresentar para o restante da área econômica do governo, a proposta. Apresentamos para a ministra Simone Tebet, para o ministro [Geraldo] Alckmin, para a ministra Esther [Dweck]. Apresentamos também para o presidente do Banco Central e recebemos sugestões. Depois apresentamos para o presidente da República, claro, porque é ele quem chancela e decide, mas também apresentamos para o presidente da Câmara, o presidente do Senado e depois para os líderes das duas casas.

Esse processo fez com que as pessoas participassem da elaboração e do debate sobre o novo arcabouço fiscal, então agora que ele chega formalmente no Congresso, na forma de um texto, ele já está um bocado mais amadurecido. Ele já passou por várias rodadas, respeitou as casas legislativas, que são a última instância e quem analisa emendas e vota o projeto. Também passou pelo crivo do debate público, da sociedade.

Então, eu acho que é um projeto que está bastante amadurecido. Claro, o Parlamento sempre é soberano para fazer as suas sugestões, as suas emendas, e nós discutiremos cada uma delas. Nós estamos aqui convencidos de que vai ser uma tramitação rápida e que o desenho do arcabouço será preservado. A concepção, a ideia. Claro que você pode ter ajustes de parâmetros, mas a ideia é o que mais importa, e eu tenho certeza que ela foi bem aceita tanto no Parlamento, quanto na sociedade.

Há um outro movimento que tem sido escrutinado pelo mercado no Brasil, que é a relação da dívida com o PIB do país. Hoje ela está em 73%, que é menor que a de muitos países desenvolvidos, como Estados Unidos e Japão, por exemplo. Por que a gente fica atado a essa discussão aqui no Brasil, secretário? 

Bom, temos algumas diferenças importantes, claro, entre as economias centrais, que a gente chama desenvolvidas, e o Brasil, que é um país em desenvolvimento. A primeira diferença importante é que eles tem o que nós chamamos de moeda mundial. O dólar é a moeda que é desejada pelo mundo inteiro. O iene também é uma moeda que nós chamamos uma moeda central.

Isso faz com que eles tenham mais liberdade de fazer política econômica. Esse é o grande debate da economia monetária Internacional desde o pós Segunda Guerra Mundial, quando, para quem não conhece – essa é uma história que os economistas conhecem razoavelmente, mas a maioria das pessoas não conhece –  o [John Maynard] Keynes, que era um economista britânico, propôs a criação de uma moeda internacional, não seria a moeda de um país, não seria a moeda do mundo, seria uma moeda internacional, gerida por pelo conjunto das nações.

Mas, naquela época, os Estados Unidos, que eram os grandes vencedores da Segunda Guerra, no sentido da hegemonia, colocaram o dólar como a moeda mundial e obviamente, eles têm muito mais liberdade. Inclusive, vocês percebem quando os Estados Unidos sobem ou baixam a taxa de juros, isso influencia as moedas no mundo inteiro. Quando o Brasil mexe na taxa de juros, não mexe no dólar, ele continua a vida dele, tranquila. Mas quando os Estados Unidos mexem na taxa de juros, mexe no real.

Então tem essa primeira diferença, e tem uma segunda, que eu acho importante: no caso brasileiro, o custo da dívida pública é muito alto. Mais do que o tamanho. É verdade que nós temos dívidas menores do que os países desenvolvidos, em geral, e dívidas um pouco maiores do que os países em desenvolvimento, em geral – então a nossa dívida está entre a dos países desenvolvidos e a dos países em desenvolvimento está aqui no meio.

O problema não é tanto o tamanho, é que ela custa muito caro, porque as taxas de juros no Brasil são muito altas, já há algum tempo. E isso faz com que se pague muito juros e essa dívida acabe crescendo de maneira até descontrolada com o tempo. Quando essa dívida cresce muito rapidamente, os investidores nacionais e internacionais – porque eles realmente acreditam que isso é um problema –  acabam cobrando um prêmio, cobrando juros maiores para comprar a dívida pública brasileira.

Quanto mais rápido a dívida cresce, maior acaba sendo o prêmio que os investidores cobram e, portanto, maior a taxa de juros, e aí é uma bola de neve, mais rápido a dívida cresce. É importante que nós estabilizemos, em algum momento, a taxa de juros. Só para lembrar, nos governos Lula, a dívida pública caiu. Não foi só estabilizada, ela reduziu significativamente, inclusive com o pagamento da dívida externa, acumulação de reservas cambiais, que fizeram com que a dívida líquida brasileira caísse muito rapidamente.

Nesse momento, nós não estamos falando nem em redução da dívida pública, como foi no passado. Nós estamos falando em retomar o crescimento econômico, a geração de empregos e renda e, ao mesmo tempo, estabilizar a dívida pública. Como? Saindo do déficit que nós temos hoje para um pequeno superávit. Esse pequeno superávit será menor do que aqueles que o governo Lula fazia no passado – o governo Lula chegou a fazer mais de 3% de superávit do PIB.

Não é a situação que nós nos encontramos hoje. Na prática, o que nós estamos falando, é entregar resultados de crescimento robustos, com distribuição de renda, sustentabilidade ambiental, ao mesmo tempo em que nós recuperamos um pouco as finanças públicas, não de maneira abrupta, mas de maneira a pelo menos estancar esse crescimento da dívida, que, como eu disse, quanto mais cresce a dívida, mais a gente paga juros e mais a gente concentra renda.

A moeda dos BRICS, que se falou nas últimas semanas, poderia ser emplacada como essa moeda forte e que possa estabelecer um paralelo ao dólar? 

Eu acho que essa discussão monetária internacional, é uma discussão muito atual. O ministro Fernando Haddad, antes mesmo de se tornar ministro, durante o processo eleitoral, sugeriu, por exemplo, a criação de uma moeda de conta comum aqui na nossa América do Sul, para viabilizar o comércio entre os países, que hoje está prejudicado pela crise de escassez de dólares em alguns países, em particular a nossa vizinha aqui, a Argentina. Muitas vezes, ela quer comprar produtos das empresas brasileiras, mas como esse comércio é feito em dólares, eles não conseguem pagar esses produtos.

Então, é importante que nós avancemos em formulações de política econômica que viabilizem o comércio, o intercâmbio entre os países, não necessariamente passando pelo dólar. A moeda dos BRICS é uma possibilidade que surgiu nas últimas semanas. Na realidade, isso já tem acontecido entre, por exemplo, China e Rússia, acordos entre eles, para não usar a moeda americana. A Argentina fez um acordo com a China recentemente para não precisar usar o dólar e poder comprar produtos chineses usando o peso.

E nós estamos tentando criar linhas de crédito para a Argentina também comprar os nossos produtos em real. Claro, são institucionalidades diferentes, mas é muito importante que esse debate avance, porque, caso contrário, essa situação da maioria dos países ficarem dependentes da política monetária de um país, que é os Estados Unidos, vai se perpetuar.

O Ministério da Fazenda decidiu fatiar a reforma tributária. Neste primeiro momento viria uma reforma focada no consumo e sua tributação. Em um segundo momento, algo que incida na renda. Que reforma será essa, secretário?

A reforma tributária que nós planejamos é uma reforma tributária completa, é uma reforma do sistema de tributação, tanto no consumo quanto na renda. Mas nós estamos com a estratégia de fazer isso em dois momentos em particular. Porque? A reforma sobre o consumo exige uma Emenda Constitucional, que como nós sabemos, exige um quórum de votação no Congresso Nacional mais alto, exige mais votos para ser aprovada.

Então nós estamos avançando e nós acreditamos que até a metade do ano nós vamos conseguir aprovar uma reforma sobre o consumo, que tem um potencial de aumentar o crescimento do país em mais de 10% nos próximos 10 anos. Quer dizer, é uma elevação do ritmo de crescimento do país, só pelo fato de racionalizarmos o sistema, de nós retirarmos os fatores que tiram competitividade das nossas empresas.

Por exemplo, hoje nós taxamos exportação, investimento, coisa que os outros países não fazem e tira a competitividade das empresas brasileiras, que deixam de investir, gerar emprego aqui. Só de corrigir isso, nós vamos melhorar o potencial de crescimento da economia brasileira. Além disso, nós vamos melhorar também a distribuição de renda, porque essa proposta está sendo pensada, como uma devolução dos impostos pagos para as classes mais baixas. Hoje, essa devolução não existe. Essa regulação pode passar a existir numa reforma sobre o consumo.

Mas o que realmente vai distribuir renda no Brasil, que é o imposto feito para distribuir renda no mundo inteiro, é a tributação sobre renda, que hoje ela é pouco progressiva no Brasil, tem muitos benefícios tributários, tem grandes empresas que pagam quase nenhum imposto. Então, nós também faremos uma discussão de imposto de renda no segundo semestre e completaremos essa reforma do sistema do conjunto do sistema tributário na linha do que nós propusemos na campanha, uma reforma tributária justa, solidária e sustentável.

Nós vimos na última semana uma queda, ainda que suave, da inflação, apesar da alta dos combustíveis. O senhor acredita que nesse cenário há espaço para a queda dos juros?

Veja, eu sempre falo que eu, como Secretário de Política Econômica, analiso as variáveis macroeconômicas, certo? Do ponto de vista das variáveis macroeconômicas, nós vemos, em primeiro lugar, uma economia que tem desacelerado desde a metade do ano passado, em grande medida, graças também à desaceleração no mercado de crédito. O mercado de crédito está muito contraído, está caro , é difícil tomar crédito e isso se deve em grande medida à política monetária que, segundo o próprio Banco Central, hoje está no campo significativamente contracionista, retraindo a economia do Brasil.

Como nós enxergamos a atividade desacelerando, o mercado de crédito desacelerando, o mercado de trabalho ainda razoavelmente resistente, mas também com uma desaceleração e a inflação caindo tanto nas medidas de núcleo, que são aquelas medidas que excluem os índices, os produtos mais voláteis, quanto a inflação em seu conjunto, nós acreditamos que, do ponto de vista macroeconômico, existem condições para a redução da taxa de juros, sem gerar pressão inflacionária, e melhorando um pouco as condições do mercado de crédito, viabilizando assim um crescimento maior da economia.

Sem inflação, há condições. Claro, o Banco Central não leva em conta apenas as variáveis macroeconômicas, ele também analisa as expectativas dos agentes de mercado, ele tem a sua forma de avaliar a questão. Na nossa interpretação, do ponto de vista estritamente macroeconômico, há condições e seria muito importante para a economia brasileira, uma queda de juros.

Mais do que isso, um dos argumentos que era muito usado para não reduzir a taxa de juros, era uma espécie de risco fiscal. Se argumentava que não se sabia se as contas públicas iam ou não se ajustar. Agora, depois de quatro meses de governo, depois dos diversos anúncios que nós fizemos, de recuperar, recompor as bases fiscais do Estado, retirando privilégios, recuperando a arrecadação pública e, ao mesmo tempo, a proposta do arcabouço fiscal, que aponta para uma recuperação da sustentabilidade da dívida no médio prazo, depois desses dois fatores, esse risco fiscal também se dilui, não existe mais, ele é é muito minorado e, portanto, também por aí, cria-se condições para a redução da taxa de juros. Mas, claro, essa é uma decisão da autoridade monetária, que não compete a mim, como Secretário de Política Econômica, opinar.

Ainda sobre a inflação, há espaço para que ela aumente mais um pouco sem afetar de maneira tão significativa o bolso dos consumidores? Há, inclusive, quem defenda um aumento da meta de inflação no Brasil, não é?

Há uma discussão no mundo inteiro acerca de metas de inflação. Por quê? Porque o regime de metas de inflação não tem conseguido, digamos assim, não tem sido respeitado. Ou melhor, as metas de inflação não têm sido cumpridas nos mais diversos países do mundo que adotam o regime de metas, há pelo menos dois anos. E, provavelmente, esse ano novamente não serão cumpridas. É o caso do Brasil. O Brasil não cumpre as suas metas de inflação há dois anos e, provavelmente esse ano, não cumprirá novamente.

Então, há uma discussão se a realidade do mundo pós covid, é uma realidade de um nível de inflação um pouco mais alto do que o pré covid. Esse debate ainda está ocorrendo, os bancos centrais ainda estão tentando trazer a inflação para baixo, com política monetária mais apertada, com juros mais altos. Isso tem gerado efeitos colaterais, digamos assim.

Aqui no Brasil nós vemos algumas empresas, principalmente no varejo, com problemas, com dificuldades, quebrando. Nos Estados Unidos, na Europa, nós vimos bancos quebrando. Então, isso tudo é fruto um pouco desse aperto, desse aumento repentino das taxas de juros que os bancos centrais do mundo inteiro fizeram. E obviamente que o Brasil não escapa desse debate.

Então há sim um debate no mundo, e no Brasil, sobre a adequação das metas. No entanto, essa agenda não está presente nas nossas discussões do Ministério da Fazenda, nesse momento, por um motivo muito simples: nós temos um plano de voo que tem etapas, que têm processos. Então, o primeiro passo foi na transição, recuperar o orçamento público. O segundo passo, recuperar as receitas públicas, cortando privilégios. O terceiro passo, apresentar o arcabouço fiscal. Quarto passo, aprovar uma reforma tributária.

Nós achamos que esses passos em seguida, além de uma série de medidas que nós estamos anunciando. Anunciamos medidas para melhorar o mercado de crédito, reduzindo juros, anunciamos medidas para atrair investimentos, fortalecer as parcerias público privadas, inclusive em estados e municípios, apresentamos medidas para reduzir a tributação sobre os trabalhadores, como por exemplo, quem ganha até dois salários mínimos não pagar imposto de renda.

Apresentamos medidas de aumento da renda dos trabalhadores, com o aumento do salário mínimo. Participamos da elaboração de todos esses programas sociais que eu citei anteriormente, então é uma agenda muito ampla e essa agenda da meta de inflação, eu acho que, uma vez que nós conseguirmos avançar nas agendas e estabilizar o debate fiscal, aí se coloca uma discussão.

Porque, a reunião de junho do Conselho Monetário Nacional, vai decidir a meta para 2026. Talvez nesse momento seja adequado discutir as metas, mas isso não está na nossa agenda, é um tema que não não passa agora pela minha mesa, porque nós temos muitos passos, muitas coisas para fazer antes de iniciar essa discussão.

Secretário, a projeção de crescimento do PIB está em 1,6%, uma queda em relação às projeções anteriores, que era de 2,1%. O presidente Lula disse, recentemente, que algumas ativações da economia poderiam alavancar o PIB e que elas ainda não estavam aparecendo. Nesse cenário, ainda é possível ter um crescimento robusto esse ano?

Eu acho que é. Os indicadores do primeiro trimestre têm nos surpreendido. A agricultura tem vindo muito bem, hoje [27/04] saiu um dado dos serviços, que também veio um pouco melhor do que a gente esperava – bastante melhor, na verdade, do que a gente esperava. Isso pode puxar o crescimento do primeiro trimestre um pouco mais para cima.

Acho que ainda é possível que a economia cresça mais que esse 1,6%. O próprio mercado tem revisado as suas expectativas de crescimento para cima, então se aproximando de 1%, no caso do mercado. Nós estamos com 1,6%, acima da mediana das expectativas do mercado. Mas como eu disse, muitos fatores influenciam o crescimento econômico, dentre eles, o mercado de crédito.

É evidente que para você crescer de forma mais robusta, nós precisamos recuperar o mercado de crédito tanto para famílias. E nisso, o programa Desenrola, que nós estamos praticamente com ele pronto e devemos anunciar em breve, vai ajudar muito. Porque ele vai tirar milhões de famílias que hoje estão negativadas do cadastro negativo, vão renegociar as dívidas e vão ajudar as empresas também, que são dívidas que as empresas não esperavam mais receber e vão passar a receber – pelo menos uma parte dessas dívidas.

Isso vai reforçar o caixa delas num momento em que tomar crédito está caro. Então, em vez de ela precisar tomar um crédito caro, ela vai ter uma fonte de recursos sem custo. Acho que o Desenrola vai ajudar, mas é evidente que a normalização das condições monetárias, ou seja, uma redução gradual da taxa de juros, ajudaria muito a melhorar a situação do mercado de crédito e, com isso, possibilitar um crescimento maior não só para esse ano, mas principalmente para o ano que vem.

E o que implicaria – no contexto Brasil de hoje – um crescimento abaixo do esperado, tanto político quanto social?

Eu acho que a gente tem que entender que é possível crescer mais rápido, piorando a vida das pessoas, principalmente das pessoas mais pobres, ou seja, aumentando a desigualdade e não combatendo a pobreza, por exemplo, ou a fome. Um crescimento que é muito concentrado numa parcela mais rica da população.

E você pode crescer até um pouco menos, mas com efeitos melhores para o conjunto da população. Em particular, a população mais carente. Eu acho que, esse ano, nosso crescimento talvez não seja tão robusto quanto nós gostaríamos. Nós pegamos, como eu disse, uma economia já em rápida desaceleração, desde a metade do ano passado. E nós só estamos começando a implementar os nossos programas, então os efeitos deles vão se dar ao longo do tempo.

Mas, ao mesmo tempo, se você olhar, por exemplo, para a inflação, você vai perceber como não acontecia há algum tempo, a inflação dos alimentos e, portanto, a inflação das pessoas mais pobres, menor do que a inflação média. Na verdade, os alimentos estão até desacelerando rapidamente, caindo de preço, o que é uma excelente notícia para a população mais carente, que usa os recursos que tem para comer.

Ao mesmo tempo, esse conjunto de medidas de programas que nós estamos construindo: um novo Bolsa Família, o novo Minha Casa, Minha Vida, o novo Programa de Aquisição de Alimentos, o Mais Médicos, e tantos outros programas sociais que vão seguir, eles têm como foco exatamente a população pobre e trabalhadora. Assim como o aumento do salário mínimo, a isenção de imposto de renda.

Tudo isso aumenta a renda disponível, melhora a qualidade de vida dessas pessoas. Então, mesmo que a gente não tenha o crescimento que nós gostaríamos de ter nesse primeiro ano, nós achamos que no ano que vem vai ser um crescimento muito mais forte do que esse ano, mesmo que não tenhamos um crescimento tão forte esse ano.

Nós achamos que, do ponto de vista da qualidade de vida das pessoas, em particular, dos trabalhadores, das trabalhadoras, das pessoas mais carentes, nós vamos ter um avanço significativo, que vai gradualmente se concretizar, se materializar e transformar o Brasil nos próximos anos.


Entrevista do Brasil de Fato

Foto: Reprodução/ Câmara dos Deputados

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