De ADELI SELL*

Elma Sant’Ana tem se mostrado uma inquieta pesquisadora e escritora com nossa cultura e história. É só fazer uma busca para encontrarmos seus múltiplos escritos, das nossas benzedeiras a este livro sobre Garibaldi.

Lançado em 2007, pela Alcance, o livro que dá nome a este artigo foi feito com patrocínio da Prefeitura de São José do Norte, ação que outras prefeituras deveriam fazer, mas não fazem. Era o ano garibaldino, 200 anos de seu nascimento na Itália.

Na verdade, Elma Sant’Ana usa a passagem de Garibaldi por São José do Norte como um mote, pois nos relata em textos curtos sua trajetória de corsário no Brasil, a serviço dos interesses dos republicanos farrapos, para fazer desta Província um Estado independente ou, como alguns afirmam, uma peleia para resolver problemas dos estancieiros locais em briga com o Império por causa de impostos. E nos leva ao Uruguai e sua volta à Itália. É mais que um tema tópico.

Garibaldi não passou muito tempo no Brasil. Nem Elma nem outros autores colocam Garibaldi como mercenário, o que foi, de fato, não teria como sobreviver sem um “soldo” pago por alguém. Ele foi sempre um lutador profissional. Não há demérito nisso em princípio, ainda mais olhando para o passado.

Garibaldi de “marinheiro de terceira classe” chega aos píncaros da fama, como herói de dois mundos.

Elma mostra sua ligação com a maçonaria carbonária, com o lutador Giuseppe Mazzini, sua luta contra a presença austríaca na Itália. Mostra a ligação com Titto Lívio Zambecari, que dá nome à rua em Porto Alegre, com o intelectual Luigi Rossetti que forçam uma relação com Bento Gonçalves, já na Guerra dos Farrapos. E assim vem ao Brasil. Estamos em 1837.

Do livro devemos atentar e fazer comparações entre o que descreve Garibaldi sobre o ataque dos farrapos a São José do Norte (1840), pois há discrepâncias entre o que os republicanos falam de Bento e o que escreve Garibaldi sobre suas ações e seu colega Bento.

Há depois o relato digno de nota de uma descendente de Garibaldi que narra como um jovem prisioneiro foi poupado da degola por ordem de Garibaldi. Uma atitude de “aretê”, só acontece com heróis de excelência, de virtudes.

Como é, também, digno de nota a disputa entre Domingos Crescêncio e Bento Gonçalves que recua na fria noite chuvosa do combate, pois só poderia vencer a batalha de São José do Norte se colocasse fogo na vila, e ele não achou correto. 

Estes fatos também estão numa obra do escritor Tabajara Ruas, por sinal patrono da Feira do Livro de 2023, com justeza.

Cito estes atos de “aretê”, virtude, dos dois guerreiros farrapos. Tal ato contradita o que se vê quase dois séculos depois na Guerra da Ucrânia e em especial no recente conflito do Oriente Médio.  Lições a tirar da História.

Neste combate a que se refere nossa autora, faltou o Porto de São José para os farrapos, por isso o mote do título de seu livro. Dali vão a Setembrina, nome de Viamão naqueles tempos. 

Temos também os relatos dos nascimentos dos filhos de Anita e Garibaldi. É visível o papel dela em todos os momentos das incursões de Garibaldi, seja Em Santa Catarina – Laguna, seja nas terras do Rio Grande do Sul. O mesmo se vê quando está em luta no Uruguai e depois na Europa. A narrativa da morte de Anita é tocante, algo que uma mulher faz melhor que qualquer bom escritor homem.

A estada dos Garibaldi no Uruguai é um tema que pouco se fala, pouco se escreve, pouco se estuda. Merecia mais atenção.

Garibaldi na verdade teve papel essencial em sua volta no processo de unificação da Itália, por isso os monumentos que existem por lá, as homenagens e em especial como lá e no mundo se viveu o dia de sua morte e seu sepultamento.

Boa iniciativa de escrever um pequeno texto de menos de 60 páginas. Valeu e leitura. Vale a leitura. Merece ser lido.

*Escritor, professor e bacharel em Direito.

Imagem do Memorial da Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

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