?>

Notícia

Ganância

Ganância

Artigo por RED
12/03/2023 12:32 • Atualizado em 17/03/2023 10:29
Ganância

De SOLON SALDANHA*

Talvez a origem de todos ou ao menos da maioria dos males que nos acometem esteja na ganância. Ela é sempre vista como algo ligado ao dinheiro, mas vai muito além disso. Entendo que seja manifestação que se refira à posse em geral, ao desejo incontrolável de poder. Quem é ganancioso sempre quer mais, é ávido, dominado pela cobiça e pela cupidez. Quer não apenas possuir mais do que os outros: se possível deseja ter tudo para si, não dividir nada.

A pessoa gananciosa em geral não tem escrúpulos que a impeçam de atingir o que considera ser sempre uma conquista merecida. O que em geral pretende alcançar sem esforço pessoal. O ideal é que tudo lhe chegue “de mão beijada”. Aliás, essa expressão surgiu ainda no Século XV, quando se tornou normal aos súditos o agradecimento de benesses oferecidas a eles pelos reis, beijando-lhes a mão. Ou seja, o beijo era o “pagamento” por algo que imaginavam estar chegando de graça – o que, no fundo, não passava de um mero engano –, sem quaisquer encargos ou retribuição cobrada.

Uma contradição está no fato de que existem gananciosos que, devido à sua compulsão, terminam se vendendo por pouco. Se submetem com a intenção de levar vantagem logo adiante, mesmo que esse momento posterior jamais venha a ser confirmado. Também há aqueles que se fazem de santos; assim como os que se imaginam sábios capazes de sempre enganar aos demais, a quem reconhecem como tolos. Esses últimos não raras vezes estão vivendo papéis invertidos sem se darem conta. E podem terminar sendo os bobos de quem consideravam ter poucas luzes.

A ganância é um atraso para a obtenção do que é necessário e justo. Ela pode funcionar por um tempo, mas termina sendo um obstáculo quando as demais pessoas se dão conta do comportamento do ganancioso. Ele perde apoio, perde respeito, destrói relações interpessoais que poderiam vir a ser importantes para si. Ele atropela as coisas, imaginando que os outros são cegos e não estão vendo o seu modo de ser. Na verdade, ele é que está de fato cego e não percebe que ou já foi ou está prestes a ser desmascarado.

Claro que toda essa descrição que fiz até agora se refere ao ganancioso pessoa, o ser humano – às vezes muito desumano – que tem consigo essa característica bastante negativa. Mas existem a ganância coletiva, a corporativa, a institucional. A do grupo que conheceu as vantagens de ter poder político e não quer mais abandonar a posição conquistada, tenha isso vindo ou não de modo democrático. Tem, por exemplo, o empresário que não vê necessidade em devolver parte do seu lucro, com os impostos devidos. Para quem a possível razão social da existência de seu negócio é ficção. Para quem o trabalhador não passa de um número, de uma peça que pode e será substituída se apresentar um “defeito” qualquer, causando quebra na produção.

Tem o político, que além de legislar em causa própria, podendo definir o valor dos seus próprios vencimentos, ainda acha normal ficar com parte do que ganham assessores que ele nomeia. Essa prática é conhecida como “rachadinha”, sendo corriqueira apesar de, felizmente, não ser generalizada. Como pretender que alguém que entenda como normal fazer isso vá depois não ampliar esse nível de corrupção, aceitando como também naturais o suborno, a venda de apoio, o desvio de verbas públicas?

A ganância é irmã gêmea do egoísmo. E ambas são parceiras íntimas da desonestidade. Agora, não se pode de modo algum confundi-la com ambição. Ou pelo menos com um dos seus tipos, até porque a ambição é ambígua, podendo ser algo positivo ou negativo. Já a ganância não: ela não presta, por essência. Você pode ambicionar acesso a um curso superior, uma posição social, a evolução pessoal, a melhoria de uma marca esportiva, uma promoção no trabalho. Desde que lute por isso sem passar para o outro lado da linha ética, dedicando tempo e esforço pessoais, é mais do que louvável ter a ambição. A ambição desmedida, essa se torna um perigo, porque desconhece limites. E se apoia em quaisquer métodos.

Pare um pouco para pensar e você, provavelmente sem muita dificuldade, vai reconhecer pessoas cuja ambição alcançou o nível da ganância. E tenha cuidado para não se contaminar com essa influência tóxica.

O bônus de hoje é duplo: primeiro o link de vídeo de um curta com história que ilustra o tema de hoje (The Black Hole); depois outro com a música Poder da Ganância, de Neguinho da Beija-Flor.

 

*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.

Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.

Foto: Jota Camelo.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

Toque novamente para sair.