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Opinião

Escolas cívico-militares

Escolas cívico-militares

Artigo por RED
30/07/2023 12:08 • Atualizado em 31/07/2023 20:31
Escolas cívico-militares

De SOLON SALDANHA*

Uma notícia falsa circulou nas redes sociais, tão logo o Governo Federal anunciou que não daria continuidade ao programa que criou as Escolas Cívico-Militares, que fora implementado em setembro de 2019. Segundo essa informação inverídica Lula terminaria também com os Colégios Militares. Entretanto, a imensa maioria das pessoas que receberam tal mensagem sequer sabe a diferença entre os dois projetos. Para se ter uma ideia da diferença não apenas de concepção e proposta, podemos citar até mesmo o tempo como fator: o primeiro educandário entre esses que permanecerão foi estabelecido através de Decreto Imperial, em 9 de março de 1889.

Nos Colégios Militares os alunos entram via concurso e têm aulas até o final do Ensino Médio. Eles têm autonomia para montar seus próprios currículos e estruturas pedagógicas, contando com militares no quadro dos professores e ainda contratando outros, que são civis. Existem 13 deles em todo o Brasil, funcionando graças a recursos do Ministério da Educação e do Ministério da Defesa. São históricos e reconhecidos pelo oferecimento de ensino de excelência, preparando muito bem os alunos para vestibulares, mesmo sendo os seus custos per capita muito maiores do que o dos Institutos Federais, por exemplo. No caso específico do Rio Grande do Sul, ainda se tem o Colégio Tiradentes, que é da Brigada Militar. Fundado em 1980, ele segue modelo semelhante.

Por outro lado, as Escolas Cívico-Militares são uma excrescência adotada por Bolsonaro para doutrinar jovens que já estavam matriculados em escolas públicas e para servir de cabide de emprego para cupinchas. Elas não foram na verdade “criadas” e sim “adaptadas”. Todas elas eram e são mantidas com recursos das Secretarias Estaduais de Educação. Boa parte destas que foram modificadas em termos administrativos, com a inclusão dos militares, não têm boa estrutura física e enfrentam falta de laboratórios, bibliotecas, salas de informática e equipamentos. Mas tiveram que acolher oficiais, que nem sequer noção têm do que seja um educador e sua função, que passaram a gerir seu funcionamento.

Em 2019 uma das alegações propaladas era de que o modelo daria uma segurança muito maior para alunos e professores, no ambiente escolar. Mas, o que se viu foi que em pouco tempo isso se tornou um pesadelo. Há relatos de que no Distrito Federal, no Paraná, no Rio de Janeiro e em outras unidades da federação passou a ser usado como recurso levar jovens envolvidos em quaisquer tipos de conflito, não importando se banais ou mais graves, direto para uma Delegacia da Criança e do Adolescente. Eles eram transportados em viaturas como se fossem criminosos. Professores que discordassem eram afastados. Logo após, pais também começaram a se associar aos mestres, apontando a existência de outros problemas graves.

No item disciplina eram incluídas coisas como a proibição das meninas usarem cabelos soltos e unhas pintadas. Os meninos tinham que manter os seus bem curtos ou, de preferência, raspados. Fones de ouvido foram banidos até mesmo dos intervalos. E ai de quem não estivesse com o uniforme completo um dia sequer, pouco importando se as famílias tinham condições financeiras para comprar mais de um efetuando revezamento. Existiram inclusive denúncias de castigos físicos, com tapas, por exemplo. Outra coisa comum era isolar alunas e alunos “infratores” em salas fechadas, por um turno inteiro. Conversa não havia nenhuma, orientação também não, exceto a de que a obediência deveria ser cega e as ordens jamais questionadas. A única coisa que não chegou a vigorar é aquela do azul para eles e rosa para elas. Essa turma sempre foi mais chegada em um verde-oliva.

Também começou a haver intromissão nos conteúdos pedagógicos. Um exemplo foi a proibição de que se realizassem eventos ligados ao Dia da Consciência Negra – a propósito, uma perguntinha: quantos generais negros existem no Exército Brasileiro? Livros foram censurados e várias técnicas de ensino acabaram restringidas. A pressão contra os docentes chegou a tal nível que muitos passaram a pedir remoção para outras escolas. Em Brasília, uma professora perdeu a paciência e chamou de “cagão” o tenente que era responsável pela disciplina. Foi exonerada, depois de muitos anos de serviços prestados. O “cagão”, que chegara pouco tempo atrás, ao que se saiba continuou por lá.

Os militares da reserva que foram indicados para atuação no “controle da disciplina” e assessoria nas Escolas-Cívico Militares recebem adicional de até R$ 9.152,00 por mês, que são somados à integralidade dos seus soldos. Isso tudo sem o compromisso de entrarem nem uma única vez em qualquer sala de aula. Os professores destas mesmas escolas recebem salários entre R$ 2.500,00 e R$ 5.000,00. E o pagamento destes pendurados é feito pelo Ministério da Defesa, mas com recursos que lhes são repassados pelo Ministério da Educação. Ou seja, há um desvio de finalidade, tanto no que tange aos investimentos quanto no que se refere a funções das próprias Forças Armadas, o que é vedado por lei. Entre 2020 e 2022 cerca de R$ 100 milhões foram disponibilizados, sem vantagem alguma em termos educacionais.

Mesmo assim, o atual governo não determinou a extinção imediata das Escolas Cívico-Militares. O que ele fez foi cessar as implantações e dar um tempo de transição, para que elas retornem a ser o que eram antes. Estados que desejarem continuar podem até mesmo fazer isso, mas provavelmente com recursos próprios e não do MEC. Agora, o alarde todo se deve a razões ideológicas, que estão longe da real importância e do alcance que essa ideia teve. No Brasil todo elas chegaram a 216, o que representa apenas 0,12% do total das mais de 178.300 escolas públicas existentes. É muita lágrima pela morte prematura de uma proposta que sequer deveria ter existido.


O bônusdeixado pelo autor é a música Another Brick In The Wall, do Pink Floyd. Esta é uma crítica à escola que tenta “pasteurizar” seus alunos, os tornando uma massa acrítica e deformada, na busca por cidadãos “ideais”. A cena da marcha rumo ao moedor de carne é símbolo desse fato, se destacando no clipe junto com a revolta com a qual um menino sonha no final.


*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.

Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.

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