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Entulho, lama e lixo

Entulho, lama e lixo

Artigo por RED
22/05/2024 10:27 • Atualizado em 22/05/2024 10:36
Entulho, lama e lixo

De NORA PRADO*

Para nosso alívio e sorte as águas do Guaíba estão baixando desde a semana passado viabilizando que centenas de desalojados retornem às suas casas. Se por um lado isso poderia ser sinal de contentamento, por outro revela um cenário desolador frente as montanhas de lama e lixo deixadas pelas águas. Sobre as calçadas se acumulam entulhos retirados de dentro das casas com sua mobília destroçada e toda a sua vida material inutilizada. São restos de mesas, cadeiras, sofás, armários, roupeiros, colchões, gavetas, fogões, geladeiras e uma série de objetos que um dia constituíram lares, agora dizimados.

Nas cidades da região do Vale do Taquarí é ainda mais medonho, pois baixada a água, ficou à mostra o relevo castigado onde a imensa maioria das casas e edificações ruíram, sobrando apenas as fundações. Um cenário típico de guerra por onde os antigos moradores passeiam assombrados tentando compreender a extensão da tragédia.

Dezenas de voluntários tem se juntado às famílias, cujas casas estão de pé, para fazer a devida limpeza e retirar todo o entulho e o lixo acumulado. Através dos vestígios deixados nas paredes dos imóveis podemos ver a altura que a água chegou. Praticamente no teto. A lama precisa ser retirada com rodo reforçado e ensacada para a retirada pelos garis. Os escombros de móveis também precisam ser minimamente organizados para facilitar a coleta. Imagino que o descarte de toneladas de entulho não será tarefa fácil para o serviço de limpeza urbana das cidades.

E é importante que essa limpeza seja feita o quanto antes para evitar a propagação de doenças como a leptospirose e para que o sol e o tempo seco não propagem o fedor do lixo acumulado. O cheiro de esgoto é tremendo, relatam os moradores, assim como o barro que impregna cortinas, pisos, assoalhos, carpetes e tapetes. O prejuízo de milhares de famílias passa a ser contabilizado neste instante. Móveis e objetos de família com valor sentimental perdidos para sempre. O resultado do trabalho de uma vida posto no lixo, é muito triste. Mas acredito que pior ainda é perder as fotografias, as lembranças queridas de um passado remoto ou recente, que constitui a nossa memória, a nossa referência histórica. Imagino que muitos estejam lavando e secando fotografias na tentativa, desesperada, de recuperar essas lembranças preciosas para si e para os seus entes queridos.

Momento muito delicado no qual o desapego é exercitado a força das contingências. E o mais estranho, voltar a habitar uma casa vazia e destituída de sua identidade original, pois pouco a pouco será reconstruída de modo totalmente diferente. Como explicar para as crianças pequenas que os seus bichos de pelúcia morreram, que seus brinquedos não existem mais, suas revistinhas viraram lixo e suas roupas foram estragadas? Missão que exige honestidade e serenidade para explicar que os bens materiais se recuperam, mas a vida não. E o que importa é que estão vivos, sãos e salvos.
Momento de fazer um balanço de vida e ver como seguir daqui para frente. Como garantir a renda mensal para pagar os boletos que seguem chegando, sem trégua? Isso para os que tiveram os seus empregos afetados pelas águas. E são muitos, pois milhares de empresas, fábricas e indústrias ficaram submersas ao longo da enchente. Muitos não terão empregos para os quais voltar.
Milhares de famílias que dependerão de auxílios emergenciais governamentais para sobreviver no cenário pós-guerra. E que certamente levará meses, até anos, para se restabelecer um novo panorama do Rio Grande do Sul.

Até lá teremos muito trabalho para recompor o tecido urbano devastado por esse desastre ambiental. Que o governo e a sociedade civil, em mútuo apoio, possamos traçar novas estratégias e planos para reerguer o nosso estado. Que unidos saibamos nos cercar de boas ideias, bons gestores, cientistas e técnicos para prevenir catástrofes e garantir a segurança de todos. Amém!

Porto Alegre, 20 de maio de 2024

*Atriz, Coaching para Cinema e Televisão, Arte Educadora, Poeta e Fotógrafa.

Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

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