Opinião
Entre o pensar e o agir
Entre o pensar e o agir
De SOLON SALDANHA*
Acho que tem gente da esquerda que não gosta muito dos meus textos, mesmo aqueles nos quais eu abordo política. E eu não trato apenas desse tema, pois caso contrário nem eu mesmo me suportaria. Acontece que tento defender meus pontos de vista num espaço que antes se chamava de uma lauda. Simplificando, algo com uma página. Escrevo duas, quando por algum motivo estou especialmente prolixo. Ou seja, estou longe demais daquelas teses de doze, vinte páginas que seguido recebo e dificilmente consigo chegar ao fim da leitura. Então, imagino que os adoradores destes textos intermináveis devem achar que o que é curto não tem substância, não agrega nada nem merece atenção. E seguem todos trocando entre si esses tratados, acreditando piamente que com eles podem ir além de esclarecer, conquistando consciências e votos. Deixam de considerar que eles circulam apenas dentro de nichos, de grupos que possuem posições há muito consolidadas e idênticas às suas. Uma “pregação” inútil, portanto.
A argumentação calcada na racionalidade teria condições de resolver tudo, segundo esses companheiros. Entretanto, desconsideram a força dos apelos emocionais que a direita usa com maestria, assim como desacreditam do valor das doses homeopáticas. Agora, se um dia um extremista da direita escrever algo que tenha mais do que umas vinte linhas, provavelmente seja expulso das suas hostes. Entretanto, podem apostar: no seu texto curto estarão todos os ingredientes de mobilização dos quais precisam, estejam eles calcados na verdade ou em argumento totalmente inverídico. O que interessa é o resultado para eles, pouco importando se estão ministrando uma droga real ou um simples placebo. O organismo que o recebe precisa reagir do modo esperado na aplicação dessa receita.
Com um terço da energia que é inutilmente investida por um pensador da esquerda, um militante da direita distribui trocentas mensagens através do WhatsApp – curtas e diretas. Ou vai em algum templo, ou trabalha na cooptação de um vizinho, desfila de verde e amarelo comentando uma das tantas bobagens propagadas com a caixa do mercado, o passageiro sentado ao seu lado no ônibus, o porteiro de um prédio. Fazendo uma dolorosa comparação, nós temos oficiais em demasia nas nossas fileiras, enquanto eles possuem mais soldados rasos. Agora, todos nós sabemos quem de fato ganha as guerras, não sendo com certeza os estrategistas, apesar de toda a sua importância.
Em um mundo ideal, no qual a verdadeira política fosse mais valorizada e se tornasse instrumento de real desenvolvimento para a sociedade como um todo, mais do que para grupos, se deveria buscar um equilíbrio. Pontos de vista diferentes não fazem mal algum, sendo eles honestos defendidos. No caso do Brasil atual, seria maravilhoso se a esquerda abandonasse o seu nível de proselitismo e relembrasse suas origens, que foram as ruas muito antes das academias. Se reduzisse o “pensar”, sem abrir mão dele, mas dedicasse mais atenção ao “agir”, sairíamos ganhando todos. Do lado oposto, se a direita fizesse um esforço – mesmo que ele fosse sobre-humano – para falar/escrever/divulgar apenas aquilo que pudesse ser embasado, justificado por um “pensar” e indo além de um “agir” condicionado, ganharia consistência seu posicionamento. Porém, admito, nem um nem outro caso parece provável de ocorrer a curto prazo.
Resumindo: quando escrevo sobre política conhecidos meus da direita não lêem, por causa do conteúdo; alguns companheiros da esquerda também não, devido à forma. Os dois motivos me dão orgulho.
O bônus de hoje oferece primeiro a música Pensamento, com Cidade Negra. Depois temos Até Quando Esperar, da Plebe Rude. A segunda tem como temática a luta de classes. Alguns dos seus versos abordam, por exemplo, a distribuição desigual da renda. Assim, convém prestar atenção à letra.
*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.
Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.
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