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Opinião

Entre dois mundos, o melhor está por vir?

Entre dois mundos, o melhor está por vir?

Cultura por RED
08/01/2024 05:25 • Atualizado em 09/01/2024 23:03
Entre dois mundos, o melhor está por vir?

De LÉA MARIA AARÃO REIS*

Nanni (diminutivo de Giovanni) Moretti, aos 70 anos de idade, é um dos cineastas mais amados pelos italianos, um público que devolve a ele com entusiasmo a sua paixão pelo cinema trabalhando sistematicamente como diretor, produtor, roteirista, ator, fundador de cineclube, proprietário de sala cinematográfica (no Trastevere) e militante do histórico Partido Comunista do seu país.

A paixão de Moretti pelo cinema também tem sido reconhecida fora da Itália, nas últimas décadas, através das dezenas de prêmios ganhos em vários festivais europeus. Nanni levou para casa uma Palma de Ouro de Cannes, o Leão de Ouro de Veneza, o Urso de Prata de Berlim, o premio David Donatello (considerado o Oscar italiano) e desde o começo da carreira, em Roma, ganhou a admiração pública de nada menos que Alberto Moravia.

Aqui no Brasil, ele é recebido com simpatia e respeito pela crítica especializada e pelo grande público que não se esquecem de três filmes inesquecíveis do realizador: Caro Diário, O quarto do Filho e Habemus Papam.

Agora, Moretti chega aos nossos cinemas com uma comédia à italiana, filme recente recheado de autoironia, festejando 50 anos de carreira. O título original é O sol do amanhã embora tenha sido traduzido para nós como O Melhor está por Vir. Concluído com otimismo, o filme transmite os lances do atual embate entre personagens que se encontram na meia idade, uma população do mundo que daqui a pouco desaparecerá, e a superficialidade, a ligeireza, as extravagâncias e a brutalidade do ambiente atual.

Moretti faz o papel principal ao lado de Margherita Buy, Silvio Orlando e do francês Mathieu Amalric, este praticamente em uma ponta.

O longa estreou no Festival de Cannes do ano passado e tem como protagonista um diretor de cinema filmando a Roma dos anos de 1950 e sua luta contra diversos impedimentos. A falta de comunicação com os jovens, o entendimento com a mulher e a filha e a difícil relação com a equipe profissional, o que complica cada vez mais o trabalho.

O Melhor está por Vir é dirigido por Giovanni, personagem interpretado pelo próprio Nanni e se passa em 1956, quando tanques soviéticos ocuparam a capital Budapeste e os húngaros desejavam se emancipar da tutela de Moscou. Os comunistas italianos custavam a romper com o Kremlin embora acabem adotando a ‘via italiana para o socialismo’, via parlamentar formulada por Palmiro Togliatti, secretário do partido.

“Embora o mundo ao seu redor esteja se tornando cada vez mais difícil de decifrar e aceitar, Giovanni não quer perder para uma realidade decepcionante”, diz Moretti em entrevista recente. Ele explica este trabalho como “um filme sobre o cinema” e assume que a sua principal inspiração foi Oito e Meio, de Fellini.

Em O Melhor está por Vir duas eras se superpõem: o presente, enquanto o cineasta Giovanni realiza o novo filme, e o tal momento da invasão da Hungria rebelde justo no momento em que um circo húngaro em turnê, o BudaVar**, chega à cidade. O filme analisa a repercussão desse acontecimento. “Está tudo diferente hoje”, dizem os personagens, aturdidos.

Moretti pretende narrar, em recorte, um episódio da história do Partido Comunista Italiano da época, e como ele, por pouco, deixaria passar a oportunidade de romper com a URSS para enveredar por um caminho à esquerda, independente. No entanto, o diretor Giovanni do filme vai percebendo que ninguém mais se lembra desses acontecimentos; o mundo mudou e a maneira de fazer filmes também.

“Mas meu personagem não quer desistir do sonho de poder mudar esse mundo. Se a vida e a história não permitem, o cinema, com sua força e energia contagiosas, transforma a realidade e torna o sonho possível”, insiste o cineasta, que assina o roteiro com Francesca Marciano, Federica Pontremoli e Valia Santella.

“A autoironia sempre esteve presente na minha carreira. Desde meus primeiros curtas em super 8, três coisas vieram naturalmente para mim: falar sobre o meu mundo, sobre o mundo da classe média romana de esquerda – fazendo isso com ironia, principalmente comigo mesmo –, e me colocar não apenas atrás da câmera, mas também na frente dela”.

Em O sol do amanhã (se quiserem o título original em italiano) há uma sequência emblemática, deliciosa: a reunião do personagem do diretor Giovanni e sua equipe com representantes da Netflix interessados em conhecer aquele roteiro. Os produtores/exibidores americanos insistem em saber onde e quando, qual o momento do ‘ponto de virada’ da narrativa do filme. E os italianos, confusos, ouvem perplexos, uma diretora da empresa que apenas repete, dezenas de vezes durante a reunião, o mesmo mantra: “A Netflix é exibida em 190 países… em 190 países… em 190 países…. 190…”.


**Tradução de BudaVar: ‘Castelo de Buda’ se refere ao setor administrativo da cidade de Budapeste, na margem esquerda do Danúbio, defronte de Pest, à direita.

***O Melhor está por Vir está em cartaz nos cinemas


*Jornalista carioca. Foi editora e redatora em programas da TV Globo e assessora de Comunicação da mesma emissora e da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Foi também colaboradora de Carta Maior e atualmente escreve para o Fórum 21 sobre Cinema, Livros, faz eventuais entrevistas. É autora de vários livros, entre eles Novos velhos: Viver e envelhecer bem (2011), Manual Prático de Assessoria de Imprensa (Coautora Claudia Carvalho, 2008), Maturidade – Manual De Sobrevivência Da Mulher De Meia-Idade (2001), entre outros.

Imagem: divulgação.

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