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Opinião

Emoções na política e o ódio como ferramenta de aniquilação

Emoções na política e o ódio como ferramenta de aniquilação

Artigo por RED
05/11/2023 16:12 • Atualizado em 07/11/2023 10:04
Emoções na política e o ódio como ferramenta de aniquilação

De Dra MARIA SUSANA SOARES*

Como a neurociência vem revolucionando o entendimento sobre as emoções humanas no
cenário político-social.

Foi somente em meados do século XX que as pesquisas sobre o cérebro comprovaram que as decisões tomadas pelos indivíduos, nas mais diversas esferasde sua vida, não resultam da razão ou de minuciosas reflexões. Eles, por outro lado, supõem que suas decisões são sempre racionais e analíticas – e que as emoções em nada interferem nelas.

O psicólogo e economista Daniel Kahneman, prova o contrário: desde o momento em que abrem os olhos pela manhã, até o final dia, os indivíduos tomam incontáveis decisões de forma automática. Desde a hora de despertar, o desjejum, a escolha da roupa, o meio de transporte, os horários das atividades até o filme que assistirão à noite e na companhia de quem são decisões tomadas de forma não consciente; não resultam de razões, cálculos ou escolhas lentamente avaliadas e escolhidas. Suas emoções, gostos, lembranças e memórias de experiências (sejam elas positivas ou negativas), condicionam suas decisões sem que eles tenham consciência disso.

Os avanços ocorridos na área da neurociência, principalmente a partir da segunda metade do século passado, e graças às pesquisas realizadas pelo neurocientista português Antônio Damásio, revolucionaram o conhecimento sobre funcionamento do cérebro. Elas comprovaram que as emoções, e não a razão, são a   origem das decisões tomadas pelos indivíduos.

Contrariamente à supremacia, até anos recentes atribuída à razão para explicar o comportamento humano, a origem das decisões é emocional. As emoções nascem na amigdala cerebral e sua natureza é hormonal – e não racional.
Após uma milésima fração de tempo, a emoção chega ao córtex pré-frontal docérebro,  ativando a racionalidade do indivíduo. A partir de então, desenvolve-se o processo que ativa a razão que conduz à toma de decisões de forma consciente.

“Penso logo existo” … Será?

A concepção cartesiana de que “penso, logo existo” foi substituída pela expressão “homo sentimentalis” criada pelo escritor Milan Kundera.  A emoção passou a ocupar o lugar até então atribuído à razão na explicação e justificativa dos comportamentos, escolhas e atitudes dos indivíduos. Decisões no âmbito privado, nas relações interpessoais, na política, nos gostos, preferências culturais e escolha de bens e produtos de consumo, são gestadas no âmbito das emoções dos indivíduos. Sem perceber, os indivíduos são movidos por suas emoções.

Emoções individuais universais, tais como o medo, a ira, a surpresa, a tristeza, o desprezo, a alegria e o asco, são a origem de manifestações e comportamentos como a fuga, a luta, o sorriso, as lágrimas, o grito. Elas podem ser percebidas por outras pessoas, pois, expressam-se através de reações e ovimentos corporais. A observação do comportamento de alguém tomado por uma forte emoção permite perceber o bloqueio por ela exercido na racionalidade do individuo. Sua comunicação com o objeto dessa emoção (o outro) é interrompida, dada a dificuldade de raciocinar e expressar os motivos de sua ação.

No campo da política, todavia, é pouco frequente a menção ao poder das emoções nas escolhas e nos comportamentos políticos dos cidadãos. Quando mencionadas, em geral, é para desqualificar ou atacar a fala ou as ações do oponente.  As opiniões de uma pessoa julgada excessivamente “emocional” são consideradas pouco razoáveis, consequentemente, uma pessoa pouco confiável.

No sentido comum ainda predomina a crença que todo cidadão adulto sejam eles eleitores, autoridades ou líderes políticos-, age de forma racional ao assumir posições políticas, tomar decisões e escolher lideranças que orepresentem. Considera-se que tais decisões são tomadas após refletir e realizar criteriosas avaliações sobre os programas dos partidos, o currículo dos candidatos ou suas propostas de trabalho. Entretanto, a realidade está distante disso.

Escolhem-se os candidatos quando eles representam os valores dos indivíduos, reafirmem suas crenças e dirijam-se a seus sentimentos. Apesar do poder exercido pelas emoções, particularmente, nas escolhas eleitorais, elas têm merecido pouca atenção dos políticos, de pesquisadores, especialistas em comunicação e dos partidos políticos. As instituições mais atentasao papel das emoções no âmbito eleitoral têm sido as empresas de marketing, especialistas em comunicação, cientistas políticos e sociólogos.

Na atualidade, consultoras nacionais e estrangeiras, com atuação na área de marketing eleitoral, começaram a incorporar neurocientistas em suas equipes de consultores. Elas já comprovaram que, para conquistar votos, é preciso primeiro chegar ao coração dos eleitores e depois conquistar sua mente. A neuropolítica, de surgimento recente, vem desenvolvendo estudos dirigidos à criação de estratégias políticas que utilizem recursos da neurociência
para influenciar as decisões políticas dos cidadãos. A escolha de temas, recursos visuais, trilhas sonoras emocionantes, gestos e linguagens persuasivas têm sido objeto de cuidadosas avaliações para impactar a população que se pretenda seduzir e conquistar.

O coração do eleitor tem mais força do que sua mente quando ele está sozinho defronte à urna para depositar seu voto.

Entre todas as emoções… o ódio!

Em tempos de redes sociais e emoções à flor da pele, as manifestações de ódio têm-se pelo mundo. Esta emoção, também de origem neuronal, e diferente das emoções individuais, é social. O indivíduo necessita encontrar um sujeito ou objeto para odiar; um “outro imaginário”, percebido como uma ameaça à paz e à segurança dele e do grupo ao qual pertence e com o qual se identifica.

O ódio tem sua origem no medo aos “diferentes”.  Expressões do ódio são o racismo, a homofobia, misoginia, xenofobia, aporofobia (medo dos pobres). Os negros, os indígenas, os homossexuais, as mulheres, os pobres e as pessoas em situação de rua são objetos do ódio dos “odiadores” – que, por sua vez, tem a certeza de serem por eles odiados.

Os indivíduos, todavia, não nascem odiando; eles são ensinados a odiar. A inculcação do ódio pode ter origem  familiar, na escola, na universidade, no futebol, nas igrejas, nos partidos políticos e, na atualidade, nas redes sociais. A criança aprende a odiar aos que são odiados pelos adultos, que ama e com os quais convive, ou por “referentes” sociais que admiram.

O nascimento do ódio é invisível. Ironias, piadas com duplo sentido, palavras ou expressões humilhantes, estereótipos ou imagens vulgares, nem sempre com intenção consciente de ofender ou humilhar alguém, são germes do ódio. O ódio embaça a visão de quem odeia e inibe o nascimento da empatia para com os que pertencem a grupos “diferentes”. O ódio conduz à ignorância ativa, ao “não se querer saber” nada sobre eles, o que os invisibiliza e, muitas vezes, leva a seu aniquilamento.

As expressões de ódio quando adquirem visibilidade, gradualmente crescem em violência.  As mentiras, as campanhas de difamação, calúnias e fake news são estratégias no combate ao “inimigo” que, quando extremas, podem chegar a sua eliminação física. O ódio, frequentemente, utilizado na política, no marketing político e até em
movimentos sociais. A criação de “inimigos imaginários” nas disputas pelo poder político transforma os discursos de ódio em ferramenta política e as  redes sociais como veiculo de difusão. Vive-se tempos nervosos nos quais pesam mais as emoções que a realidade.


*Professora do Departamento de Sociologia da UFRGS.

Imagem em Pixabay.

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