?>

Opinião

Emoção ampla, geral e irrestrita!

Emoção ampla, geral e irrestrita!

Artigo por RED
04/01/2023 04:30 • Atualizado em 05/01/2023 09:05
Emoção ampla, geral e irrestrita!

De ROBERTO E. ZWETSCH*

Sou da geração que foi às ruas contra a Ditadura de 1964 nos anos de 1970. Estudava em São Leopoldo, mas nosso Centro Acadêmico nos levou muitas vezes para as manifestações em Porto Alegre, onde em certos dias recebemos cacetadas dos ‘brigadianos’ nas pernas nas corridas pra fugir da repressão. Muitas vezes estivemos na Assembleia
Legislativa do RS para escutar falas importantes de personalidades que defendiam as Liberdades Democráticas, o fim da tortura, da censura à imprensa e a libertação e busca de presos políticos. Menciono duas dessas pessoas pela importância de sua participação naquele movimento que foi crescendo e acabou por impor o fim da Ditadura em 1985. De um lado, a grandeza de Dom Paulo Evaristo Arns, o cardeal católico de SP, que celebrou um ato ecumênico na catedral de SP quando do assassinato do jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog, vinculado à comunidade judaica da cidade, e que os órgãos de repressão do Doi/Codi afirmavam ter “se suicidado” no cárcere. De outro, escutávamos atentos a análise de conjuntura de Fernando Henrique Cardoso, que depois da redemocratização
viria a ser eleito presidente do Brasil.

Faço menção a estes momentos da luta democrática para mostrar que ela vem de longe, passa pelo revigoramento do movimento estudantil na época, depois as grandes greves do ABC e outros movimentos como o da carestia, as assembleias das lideranças dos Povos Indígenas, a luta dos camponeses e tantas outras. Lula, hoje nosso Presidente pela terceira vez, surgiu no bojo dessas lutas como o mais legítimo e habilidoso dirigente sindical que renovou o sindicalismo combativo no país, a partir das greves do ABC paulista. Ele veio junto com outros grandes dirigentes como o nosso querido Olívio Dutra, do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e muitos outros que formaram uma nova geração de defensores da classe trabalhadora brasileira e constituíram as centrais sindicais que, na eleição de 2022, se juntaram numa aliança inédita para vencer o neofascismo brasileiro e eleger Lula e a Frente da Esperança.

Mas queria falar da posse de Lula em 01 de janeiro de 2023. Esta posse, suas marcas e sensações ficarão marcadas na retina das pessoas que estiveram em Brasília e de nós todas e todos que assistimos de olhos mais que abertos ao sonho que virava realidade. Lula e todas as cerimônias, a começar pela chegada na catedral, a subida no Rolls-Royce da presidência para o breve desfile aberto, a POSSE formal no Senado conduzida pelo senador Rodrigo Pacheco, e então a ida ao Palácio do Planalto. Tudo com a maior segurança, jamais vista num ato desses.

Mas foi na subida da rampa que Lula nos deu – para mim – a maior surpresa do dia e que ficará como marca de sua posse para um honroso e definitivo terceiro mandato. Como o predecessor se ausentou antecipadamente do Brasil, ou fugiu de suas responsabilidade para nós, a pergunta era saber quem passaria a faixa presidencial a Lula, um ato não protocolar, mas que se tornou tradição há décadas sempre rigorosamente cumprido pela maioria dos presidentes retirantes. Naquele momento, o cerimonial então mostra Lula sendo aldeado por 8 pessoas que vieram representar a diversidade da população brasileira. Ali de mãos dadas e ladeando o presidente estavam Raoni, 90 anos, líder emblemático dos Povos Indígenas, da etnia Kayapó – Metuktire, um menino negro de dez anos, da periferia de SP, a senhora do oeste do PR que serviu como cozinheira no acampamento Lula Livre em Curitiba, um metalúrgico, um artesão, a catadora de material reciclável Aline Souza, um professor e Ivan Baron, influencer da comunidade das Pessoas com Deficiência. Por sua vez, Janja, a esposa de Lula, trouxe em suas mãos a cachorrinha de rua Resistência, que ela adotou quando Lula estava na prisão em Curitiba. Tudo permeado de um simbolismo
gigantesco. Chorei ao ver esta cena, ao ver a dificuldade de Ivan para caminhar, mas a alegria estampada no rosto, nos gestos, junto com suas companheiras e companheiros. E a emoção chegou ao ápice quando Aline Souza, a catadora – me lembrei de Carolina Maria de Jesus ali rediviva – colocou a faixa no corpo do presidente. Não sei se esta cena vai se repetir algum dia. Mas ela calou fundo na minha alma – agora alma lavada de tanto sofrimento causado pela insensatez, pela inépcia e pela irresponsabilidade criminosa do governo que findou – e fez com que lágrimas viessem de dentro, elas que estavam escondidas desde muito.

No day after, esta foto da posse circulou nos principais jornais do mundo. Ela traz embutida no gesto, na alegria daquelas pessoas e na dignidade com que representaram nosso povo o sinal inconfundível de que a ESPERANÇA tem raízes fundas e veio para levantar um novo país para uma grande tarefa: reconstruir o que foi sistematicamente destruído nos últimos anos em nome de um objetivo que não foi proclamado, mas cirurgicamente praticado:
destruir o sistema democrático para impor uma visão tosca, autoritária e necrófila a um país e um povo. Este objetivo foi persistentemente executado nos últimos 4 anos. Mas foi derrotado e nas urnas, SIM. O Relatório final do Gabinete da Transição, coordenado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin revelou algo das entranhas desse poder destrutivo que ainda deverá ser mais aprofundado. Mas o que aquelas 100 páginas já trouxeram é também de chorar, só que neste caso, de dor, de sofrimento, de indignação.

Por tudo isso, a emoção prevaleceu em muitos momentos, com os gritos do povo ali presente, nas galerias, e nas casas de milhões de pessoas por todo o país. Mas ela – tocando a todas as pessoas – não deixou de fazer o próprio Lula chorar da forma mais humana, humilde e veraz que se pode perceber num dirigente de uma nação. Ele chorou
no Senado e depois no Parlatório perante a multidão ao falar da miséria, da fome e da desigualdade que corrói a vida de milhões de nossa gente.

Por isso, nosso choro ontem foi de ALEGRIA, de comemoração, de aposta num futuro novo, mais digno e mais justo para toda a nossa gente. Viva Lula! Viva a Frente da Esperança! Viva a DEMOCRACIA!


*Pastor luterano emérito (IECLB), professor de Teologia na Faculdades EST, de São Leopoldo – RS.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

Toque novamente para sair.