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Opinião

Emmanuel Macron: isolado e contestado

Emmanuel Macron: isolado e contestado

Artigo por RED
12/05/2023 05:30 • Atualizado em 15/05/2023 22:52
Emmanuel Macron: isolado e contestado

De LENEIDE DUARTE-PLON*, de Paris

Sem poder se deslocar livremente, o presidente é refém em seu próprio país

Mais isolado do que nunca, dia 7 de maio Emmanuel Macron comemorou discretamente um ano de seu segundo mandato numa França fraturada. Em pesquisa Viavoice de abril, 76% dos franceses diziam que a democracia está “doente” e a metade deles pensa que a prática do poder exercida por Macron é “autoritária”.

Em reportagem do jornal Libération, Daniel Cohn-Bendit, ex-co-presidente do grupo Ecologista no Parlamento Europeu disse: “Macron tem em toda a Europa a imagem de um homem arrogante, certo de ter razão sempre, mas todo mundo sabe que a França é um país que vai mal. Ao mesmo tempo, na Alemanha, todo o barulho contra a aposentadoria que passa dos 62 aos 64 anos é incompreensível num país onde a idade de aposentadoria já é de 67 anos”.

O historiador e sociólogo Pierre Rosanvallon, professor do Collège de France, especialista do regime democrático, disse em longa análise publicada também no jornal Libération que Macron “demonstra uma arrogância alimentada por uma ignorância social”.

Em artigo no Le Monde, o antropólogo Pierre-Yves Le Meur foi categórico ao escrever que “a injustiça  e  a inépcia de sua reforma da previdência foram demonstradas e o autoritarismo do método foi confirmado”. O artigo se intitulava “Emmanuel Macron, o populista que não amava o povo”.

Em manifestações gigantescas, parte do povo francês vai às ruas quase uma vez por semana desde o início do ano, reunindo milhões de descontentes contra a reforma da previdência. As novas regras não foram aprovadas em votação no Parlamento, mas impostas com o dispositivo constitucional 49.3 que permite impor uma lei por decreto. Macron não tinha maioria para aprová-las na Assemblée Nationale (Câmara dos Deputados) e promulgou-a durante a noite, depois de ratificada pelo Conselho Constitucional.

Tudo foi feito de forma a radicalizar os opositores. Mas nem a união sindical (oito sindicatos unidos na batalha contra a reforma), nem os partidos políticos de esquerda deixaram de trabalhar por sua revogação.

A guerrilha legislativa vai continuar. E uma nova jornada de mobilização já está prevista para o dia 6 de junho, depois de um primeiro de maio que reuniu um número recorde de manifestantes em dezenas de cidades francesas, dez vezes mais que no ano passado.

Inferno de Macron

Desde que resolveu enfrentar a maciça oposição dos franceses (70%) a essa reforma, Macron vive o inferno da impopularidade.

No dia 8 de maio, feriado na França, o presidente francês foi, como todos os anos, ao Arco do Triunfo iluminar a chama que homenageia o soldado desconhecido no dia que marca o fim da Segunda Guerra e a vitória sobre o nazismo. Juntamente com o 14 de julho, o 8 de maio costuma reunir milhares de pessoas no Champs Elysées.

Costumava.

Este ano, havia apenas autoridades e poucas pessoas escolhidas e controladas por um esquema de segurança extraordinário.

“Dispositivos sonoros portativos”, nome dado às panelas nos documentos administrativos, eram proibidos, assim como apitos e pessoas com cartazes contra a já aprovada e sempre contestada reforma da previdência (réforme des retraites).

Todas as ruas que desembocam nos Champs Elysées estavam bloqueadas  com carros da polícia e com acesso impedido ao povo que há quatro meses protesta contra a reforma mal-amada.

Macron já tinha vivido o vexame protocolar de adiar a viagem do rei Charles III, que escolhera a França para sua primeira visita de Estado, em fim de março. Azar do calendário, ela coincidiria com um grande dia de mobilização nacional contra a reforma, dia 28 daquele mês.

Já imaginaram o rei da Inglaterra ter seus deslocamentos perturbados por manifestantes e grevistas brincando de gato e rato com a polícia, mesmo com todo o aparato repressivo do Estado?

A Alemanha, que seria o segundo país visitado pelo novo rei antes de sua coroação, acabou tendo a primazia.

Macron sabia que poderia ser ultrapassado pelos sindicatos com ações imprevisíveis e, diplomaticamente, anunciou-se que os dois governos preferiram esperar “condições que correspondam à relação de amizade dos dois países”.

Viagens de alto risco

Depois da promulgação da lei, Emmanuel Macron resolveu retomar sua desgastada relação com os franceses.

Mas não está sendo fácil se deslocar pelo país sem momentos de tensão e sem enorme aparato policial para conter os panelaços, que os franceses importaram da América Latina, e impedir a aproximação de manifestantes com cartazes, apitos e panelas confiscadas pelos policiais. Supremo ridículo num país em que o direito a manifestar democraticamente suas opiniões é quase sagrado.

Numa das viagens ao sul da França estava prevista, no dia 20 de abril, uma visita a uma escola, juntamente com o ministro da Educação, na qual o presidente faria anúncios importantes na área. Em vez de se reunir com professores e alguns alunos dentro do estabelecimento, o presidente teve que sentar-se no pátio aberto com luz natural. A eletricidade da escola tinha sido cortada por iniciativa de sindicalistas da Confederação Geral do Trabalho (CGT), que assumiram o ato de protesto.

Num editorial do jornal Libération o diretor da redação, Dov Alfon, terminava seu texto com uma advertência e uma crítica: “O que os mercados mais detestam, caso o Macron de 2023 tenha esquecido, é a instabilidade.  E é para a instabilidade que sua reforma da previdência empurra a França, sua democracia e seus trabalhadores. O presidente poderia salvar o principal anunciando que a lei será revogada depois dessa passagem antidemocrática. Mas ele não é do gênero de escutar os franceses.”


*Jornalista internacional. Co-autora, com Clarisse Meireles, de Um homem torturado – nos passos de frei Tito de Alencar (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, lançou A tortura como arma de guerra – Da Argélia ao Brasil: Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado. Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.

Imagem: reprodução/ABC News.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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