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Opinião

Em Um Mundo em reconstrução, ressurge a ideia da revolução

Em Um Mundo em reconstrução, ressurge a ideia da revolução

Artigo por RED
10/07/2023 05:30 • Atualizado em 11/07/2023 11:03
Em Um Mundo em reconstrução, ressurge a ideia da revolução

De LINCOLN PENNA*

Quem viveu os anos 50 e 60 do século próximo passado acompanhou com maior ou menor intensidade e interesse os debates sobre os rumos do país e as perspectivas possíveis para que se encontrasse uma saída para os nossos desafios. Afinal, essa geração pensante e atuante no campo das ideias e da prática política tinha consciência do legado deixado por um passado que teimosamente permanecia intacto no que diz respeito aos obstáculos à verdadeira emancipação de nosso povo.

A questão desses rumos passava pela discussão da revolução brasileira e ninguém se assustava ou termia o emprego desse vocábulo, que hoje parece proibitivo mesmo nas falas de quem certamente está convencido de sua necessidade. Eram tempos em que tal perspectiva passava ora pela formação de uma nova elite dominante capaz de interagir e entender às necessidades prementes do povo, ora pelos que procuraram os caminhos de uma mudança que se inspirasse nas revoluções ocorridas no mesmo século XX de modo a instituir o socialismo como alternativa histórica.

Equivocados ou não, em alguns casos até sectários na defesa de seus postulados, o fato é que havia um sentimento libertador em busca de soluções que erradicassem os males perpetuados pelas gerações anteriores a reproduzirem os traços deixados pela escravocracia, o patrimonialismo e a subserviência às grandes nações e suas práticas imperialistas e neocolonialistas. Conhecedores em geral desses entraves, mesmo assim havia uma crença infinita de que um dia o futuro radiante da nação aconteceria sem, no entanto, que nada de concreto fosse feito para que isto viesse a ocorrer.

Esse pacifismo envolto numa manta reacionária porque avessa a todo tipo de mudança transformadora de nossa realidade esteve o tempo todo presente, sacudida é verdade pelos acontecimentos que levaram ao término da Segunda Guerra a despertar o desejo de aceitação de medidas transformadoras, seja na mira de um crescimento programado e patrocinado pelo estado, ou pela maior participação popular nas decisões a serem implementadas no campo das políticas desenvolvimentistas. É neste contexto que nasce, por exemplo, o Instituto Superior de Estudos |Brasileiros (ISEB).

O ambiente do ISEB da segunda metade da década de cinquenta até o golpe de 64, quando sofreu a fúria golpistas que já no primeiro de abril daquele ano ocupou o prédio onde funcionava a “fábrica de ideologias”, como intitulou em seu livro Caio Navarro de Toledo, era o espaço de amplas e instigantes trocas de ideias. Não poderia conviver com o regime que se instalaria e tornaria a cultura e as demais expressões de práticas democráticas e libertárias funcionando.

Nas universidades não havia propriamente esse espírito questionador, salvo raríssimas iniciativas de poucos docentes e dos estudantes ciosos de participarem do clima de expectativas quanto ao que fazer de um Brasil que se agitava nas artes plásticas, no cinema, teatro e numa intelectualidade que fazia coro às vozes mais inquietantes das correntes políticas envolvidas com os projetos nacionais que se encontravam na pauta desses debates intermitentes. Este fervor por reformas estruturantes não abafava o ideário que se pronunciava na defesa de ações voltadas para a revolução brasileira possível.

A convivência de correntes progressistas de diferentes matizes ideológicos favorecia o debate mais amplificado que de alguma forma chegava ao povo, haja vista as expressões artísticas mencionadas nos seus diversos campos de atividade. Essas diversas formas de interação hoje em dia foram perdidas. Estamos experimentando a reprodução das bolhas, ou seja, de grupos temáticos que abrigam os convergentes que têm ideários e proposições absolutamente similares, de modo a expurgar eventuais contradições, muito embora decantando todos eles o valor da democracia em troca de mensagens para os que compartilham as mesmas opiniões.

Se as redes sociais têm socializado o debate até então praticamente confinado aos veículos tradicionais, por outro lado criaram redutos à parte que interagem em torno de si mesmos sem conexão com as forças sociais vivas do mundo do trabalho, elas próprias também diminuídas em sua capacidade de externar demandas e ações mais mobilizadoras. Sem demonizar esse novo universo midiático alternativo é preciso que seus interlocutores tenham claro a necessidade de falar para o povo cada vez mais distante.

Assim, falar em construção de um projeto nacional que incorpore o enfrentamento de novos e urgentes desafios, seja no âmbito ambiental tendo em vista o progressivo aquecimento global, seja no que diz respeito à nova ordem mundial que está sendo gestada e ainda não se tem clareza de seus desdobramentos, ou ainda no que se refere à necessidade de um esforço para sedimentar uma paz segura no seios das relações internacionais, qualquer projeto precisa estar conectado com as aspirações legítimas de amplas parcelas da sociedade brasileira bem como das demais sociedades nacionais conscientes todas elas desses problemas que só agravam o mal-estar de um mundo que tem se mantido alheio a tudo isso.

A democracia é um processo em construção. Ela não pode ser apropriada nem tampouco ignorar que só tem valor se a ela estiverem todos os seres humanos de diferentes nichos sejam de origem social, étnica ou de diferentes gêneros e procedências. O exercício do contraditório além de se inspirar na tolerância, antídoto para as tentações autoritárias senão totalitárias, favorece e enriquece a democratização de opiniões, uma vez que ninguém é dono do mundo, senão o uso da inteligência para nos guiar na direção de um mundo melhor e mais fraterno.

Para que atinjamos essa nova situação o processo de democratização deve passar, creio eu, necessariamente pela conscientização não apenas e necessariamente das massas, nem sempre bem-informadas das causas que as tornaram insatisfeitas e excluídas dos bens da humanidade, mas também e, sobretudo, pelos que se julgam portadores de soluções para a humanidade. Uma revolução para quem cogita revolucionar a realidade a ser removida e que não se sujeite a se revolucionar em suas concepções e atitudes não tem futuro garantido. Tende a pecar pela incorporação de práticas danosas decorrentes de valores cultuados pela ordem a ser removida.

O desenrolar dos passos decisivos de um mundo doentio a padecer neste quarto inicial de século seu agravamento mais profundo para os rumos da humanidade está dado. Com isso, a grande revolução está próxima.


*Doutor em História Social, conferencista honorário do Real Gabinete Português de Leitura, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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