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Eleição municipal: A busca por novos caminhos
Eleição municipal: A busca por novos caminhos
Por LISZI VIEIRA*
As eleições municipais mostraram a força da reeleição, do Centrão e da direita. A tendência do eleitorado brasileiro à direita é crescente desde 2016 e se consolidou neste ano. São considerados candidatos de direita os que concorrem pelo PL, PRTB, União Brasil, PSD, PP, Avante e Republicanos, sem alianças com as siglas de esquerda ou do centro. O PSD, o MDB, o PP e o União Brasil, que compõem o chamado Centrão, dominaram as eleições municipais, conquistando juntos mais da metade das prefeituras do país. O PL e o Republicanos tiveram os maiores crescimentos e ficaram em quinto e sexto. O Centrão venceu em mais de 50% das cidades. Juntos, PSD, MDB, PP e União Brasil elegeram mais de 3.000 prefeitos no primeiro turno. Isso corresponde a 54% das cidades do país.
O destaque no Centrão é o PSD, que elegeu o maior número de prefeitos no país e desbancou o MDB pela primeira vez em mais de duas décadas. O PL, partido de Bolsonaro, cresceu 49% em número de prefeitos. O PL conquistou 510 prefeituras, número superior ao de 2010, quando venceu em 354 municípios. Mas ficou longe da meta de 1.500 prefeituras anunciada pelo seu presidente, Valdemar Costa Neto.
O PT também cresceu, mas ficou em nono lugar. O PT aumentou seu número de prefeitos em 39%, revertendo parte da queda que registrava desde a Lava Jato. Foram eleitos 252 prefeitos petistas no primeiro turno de 2024, colocando a sigla em nono no ranking de partidos. As vitórias mais importantes da sigla foram em Contagem e Juiz de Fora, ambas em Minas. O PT também vai disputar 13 segundos turnos — o segundo maior número, só atrás do PL. Entre as capitais, Fortaleza, Porto Alegre, Natal e Cuiabá.
O candidato do PSOL a Prefeito do Rio de Janeiro, Tarcísio Motta, teve menos votos para Prefeito (129.344) em 2024 do que para deputado federal em 2022 (159.928). Boa parte da esquerda fez voto útil no Prefeito Eduardo Paes para combater o candidato da extrema direita, Alexandre Ramagem. Em São Paulo, Boulos salvou toda a esquerda de uma derrota trágica. A direita e a extrema direita (Nunes, Marçal e Marina Helena) conquistaram 59% dos votos válidos em São Paulo.
Se Boulos vencer em São Paulo, essa vitória compensa em boa parte as derrotas da esquerda na maioria do país. A grande novidade em São Paulo foi a emergência de um novo candidato de extrema direita, Pablo Marçal, que usou o discurso anti “sistema” para crescer e conquistar os votos bolsonaristas. Afinal, Bolsonaro hoje é parte do “sistema”. Como Lula agora é O “sistema”, agravado por seus acordos com a direita, em nome da governabilidade, e Bolsonaro também virou “sistema”, o campo está aberto para um outsider fazer um discurso agressivo contra as instituições e a democracia. É o que vimos em São Paulo que, no passado, já elegeu Cacareco e Tiririca. O candidato Pablo Marçal, ao divulgar na véspera da eleição um documento falso acusando Boulos de uso de drogas, errou a mão, perdeu a eleição e vai pagar por isso na Justiça. Ele se inspirou nos antecedentes de documentos falsos como o Plano Cohen, inventado pelos militares para justificar o golpe do Estado Novo em 1937, e a Carta Brandi, divulgada na TV às vésperas da eleição pelo deputado Carlos Lacerda, com o apoio dos jornais O Globo e Tribuna da Imprensa, para incriminar João Goulart e impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1955.
Esse discurso agressivo é um discurso contra tudo e não é a favor de nada. Encontra terreno fértil nos excluídos. Excluídos da renda, da educação, da cultura, do trabalho fixo e digno. Esses desesperados são massa de manobra dos poderosos que apoiam o fascismo para tirar proveitos econômicos. No fundo, temos mais uma vez o conflito entre a civilização e a barbárie, entre a democracia e a ditadura. Nos bastidores, o neoliberalismo atua fortemente para financiar um regime de extrema direita que assegure a continuidade de sua dominação econômica e financeira.
O primeiro turno da eleição de 2024 indicou um crescimento da direita, mas não necessariamente da direita bolsonarista. Na grande maioria das cidades prevaleceu a discussão sobre as questões locais. Lula e Bolsonaro não tiveram a influência que se imaginava, mas, no caso de São Paulo, o apoio de Lula a Boulos é decisivo. Em São Paulo temos polarização política, ausente na maioria dos municípios.
Como lembra o jornalista Mauricio Thuswohl, em seu excelente artigo na Carta Capital, não se deve desprezar o poder da máquina pública e o maior tempo de propaganda no rádio e na TV. Candidatos considerados péssimos Prefeitos chegaram no segundo turno, como, por exemplo, Sebastião Melo, em Porto Alegre, e Fuad Noman, em Belo Horizonte. Não há uma relação direta entre voto e bom governo, ou entre voto e bons resultados na economia. Um bom exemplo é o ex candidato Biden que iria perder fragorosamente para Trump, apesar dos bons índices econômicos do país. O caso de Sebastião Melo, em Porto Alegre, é escandaloso. Desviou toda a verba de manutenção do sistema de proteção das enchentes, foi considerado o maior culpado pelas enchentes, com enormes prejuízos à cidade e seus habitantes, e chegou ao segundo turno em primeiro lugar, com reais chances de vitória.
O PSD conquistou o maior número de prefeituras em todo o País, o que pode assegurar ao partido comandado por Gilberto Kassab um papel ainda mais relevante na política nacional. “O PSD não é nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”, costuma dizer Kassab. O discurso do prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, após a vitória no primeiro turno, condenando a polarização, ao lado de políticos de direita e de esquerda, é um bom exemplo da “geleia geral” do PSD. Os candidatos vencedores geralmente foram aqueles que moderaram o discurso ideológico e se apresentaram como gestor. A direita ideológica vai se manter como uma força importante, mas minoritária. A grande maioria da direita é fisiológica, apoia quem está no poder em troca de vantagens.
O crescimento do PSD é um dos fatos relevantes destas eleições. Ele se torna um fator importante no cenário político de 2026, e por isso deve ganhar mais espaço no governo Lula. Mas o oportunismo do PSD não constrói uma opção política nacional. Serve principalmente para Kassab vender mais caro seu apoio em 2026. Segundo o cientista político Claudio Couto, o PSD é um partido-ônibus, como o PMDB no passado. Para ele, não há mais uma onda de direita, mas uma direita já estabelecida. Segundo ele, hoje, em qualquer pesquisa, a direita aparece com 35% a 40% e a esquerda com 20%. No Congresso, 60% dos parlamentares são de direita, assim como metade dos governadores eleitos em 2022 (Carta Capital, 3/10/2024).
Desde 2012, quando elegeu 27% dos prefeitos do Brasil, a esquerda vem caindo. Em 2020, elegeu apenas 15%. Isso tem
a ver com a queda sistemática do PT nos municípios, sobretudo nas capitais, onde elegeu nove prefeitos em 2004 e em 2020 não elegeu nenhum. Este ano, o PT disputa o segundo turno em Porto Alegre, Natal, Fortaleza e Cuiabá.
Em nome de futuras alianças para a eleição presidencial, o PT abriu mão de lançar candidatos próprios em diversas capitais e seu eleitorado se dispersou. Isso tinha sentido na fase inicial de crescimento do partido. Era necessário fazer alianças porque o PT, em seus anos iniciais, não tinha força eleitoral. Hoje, o apoio a candidatos de outros partidos leva ao sumiço do PT em muitos Estados e municípios. O fortalecimento do partido em eleição presidencial, devido principalmente, mas não exclusivamente, à liderança de Lula, é acompanhado do enfraquecimento do PT no plano regional e municipal. Tudo em nome de futuras alianças que, em política, nunca são certas. O cumprimento de uma promessa política vai depender da situação futura. O prefeito eleito do Rio de Janeiro, por exemplo, prometeu não sair candidato a Governador em 2026 e continuar Prefeito, mas ninguém acredita nisso.
DESEMPENHO DA ESQUERDA
Enfim, o resultado das eleições municipais foi muito ruim para os partidos de esquerda no Brasil. Na maioria, venceu a direita, que se fortaleceu no plano nacional. Mesmo nos casos de vitória da esquerda, é preciso reconhecer que muitos prefeitos eleitos pelo PT não têm compromisso político com o programa do partido. Com a maioria dos municípios nas mãos da direita, o Governo Lula vai provavelmente abrir mais espaço para o Centrão em nome da governabilidade, uma tática que vem dando mais prejuízos do que acertos.
Se é certo que a direita se fortaleceu nesse primeiro turno, o mesmo não se pode dizer em relação à extrema direita. Há sinais de que a extrema direita pode ter se enfraquecido, em termos nacionais, a depender dos resultados do segundo turno. Para a eleição presidencial de 2026, Lula tem apoios importantes no Recife, no RJ e em SP, mesmo que Boulos não vença no segundo turno. Ele se tornou uma liderança nacional, com possibilidades de vir a ser até mesmo candidato a presidente se Lula não quiser. Outro líder que se projeta para o futuro, com um perfil de centro esquerda, é o Prefeito João Campos, de Recife.
No Norte e Centro Oeste, a disputa é entre a direita e a extrema direita. No Nordeste, sempre fiel a Lula, a esquerda só venceu em Recife e disputa segundo turno em Fortaleza e Natal, havendo perdido nas outras capitais. O Sul é tradicionalmente conservador e o Sudeste, dividido.
A hora é de refletir. Um exemplo interessante é o caso do vereador eleito pelo PSOL do Rio de Janeiro, Rick Azevedo, inteiramente desconhecido nos círculos tradicionais da esquerda. Ele foi o 12º mais votado e fez uma campanha pelas suas redes sociais, com mais de 100 mil seguidores, defendendo a redução da jornada de trabalho, na linha da esquerda europeia de que há vida além do trabalho. Como o PT e os demais partidos de esquerda passaram a existir quase que exclusivamente em função da política institucional, tendo as eleições como bússola, muitas vozes se levantam hoje pregando o retorno às bases, que vêm sendo assediadas pela direita.
O Congresso movimenta hoje cerca de 50 bilhões de reais em emendas e a maioria desse dinheiro está na mão da direita, e a esquerda não dá mostras de crescimento significativo. Com exceção da eleição polarizada em São Paulo, a grande maioria dos eleitos não apresenta um perfil político definido. O PT desaparece no plano regional e local e joga todas as suas cartas nas alianças para a futura eleição presidencial de 2026. E, em geral, faz alianças cada vez mais à direita para combater a extrema direita. Nesse passo, os programas de esquerda, mesmo com o fortalecimento do Lulismo, tendem a desaparecer da realidade política brasileira. Já é hora de os partidos de esquerda buscarem novos caminhos e mostrarem a cara, revelando sua verdadeira identidade.
*Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela PUC-RIO.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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