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Opinião

Ela se chama Rodolfo – rastros de vias-crúcis

Ela se chama Rodolfo – rastros de vias-crúcis

Artigo por RED
25/02/2024 05:30 • Atualizado em 28/02/2024 10:10
Ela se chama Rodolfo – rastros de vias-crúcis

De CÁTIA CASTILHO SIMON*

“Quantos Murilos já terão morrido

 desde que Murilo nasceu?”

Julia Dantas

Ela se chama Rodolfo é o segundo romance de Julia Dantas. Com ele, a escritora conquistou dois prêmios no RS, o melhor romance – livro do ano AGES/2023 e o Alcides Maya, da Academia Rio-Grandense de Letras. Ruína y leveza, primeira narrativa longa, foi finalista do Prêmio São Paulo, em 2016, quando tinha 31 anos de idade.

A partir dessas considerações é correto supor que estamos lidando com uma romancista experiente e que sabe a que veio, mesmo antes de iniciar a leitura de seus livros. 

Carola Saavedra apresenta o livro chamando a atenção para a frase que lhe dá início – “Era uma vez homem”, dizendo que talvez esse seja o fio que o alinhava. Pouco a pouco desvela-se um processo que nos desafia a seguir em frente e, qual o canto de sereia, nos atrai para águas profundas. Não há retorno possível. Moema Vilela, na contracapa do livro, nos fala da maestria de Julia em compor personagens e criar cenas perfeitas.

Personagens de um cotidiano simples, que podem muito bem vizinhar conosco. A possível extinção das portarias com a presença física dos porteiros é um projeto em ampla difusão. Inclusive, vivo essa experiência sob protesto. Prédios substituem, na velocidade da luz, os porteiros pela portaria virtual. Pensam que estão economizando e aumentando a segurança, quando na verdade praticam o velho conceito de descarte do humano pela tecnologia. Ainda bem que eles ainda existem e Julia soube trazer um universo interior rico e verossímil, capaz de derrubar preconceitos quanto a capacidade humana das pessoas simples. Mas vamos ao livro.

Murilo consegue alugar um apartamento diretamente com a proprietária Francesca, sem conhecê-la. Ao chegar no apartamento teve de fazer malabarismos para que a chave funcionasse. O incidente vai construindo uma expectativa que leva o leitor a pensar que o rapaz havia sido enganado. O próprio personagem cogita ter sido passado para trás. Salvo pela vizinha da porta ao lado, consegue adentrar na nova casa. Nela, encontra uma tartaruga e logo descobre ser macho e que se chama Rodolfo. Além de Murilo, Gabbriela, sua namorada que o abandonou para buscar experiências místicas, sua irmã Lídia, Rodolfo, Francesca e Camilo compõem a trama novelesca. Uma via-crúcis se impõe para Murilo que não quer ter sob sua responsabilidade o bicho de estimação da antiga moradora. Através de e-mails trocados, Francesca o orienta a buscar possíveis lugares e pessoas para cuidarem de Rodolfo. Através dessa intensa correspondência virtual inicia uma amizade entre eles. Suas conversas vão além da questão objetiva de encontrar um lar para a tartaruga, questões filosóficas e existenciais se desdobram. Murilo tem um prazo para alcançar seu objetivo, o de encontrar novos cuidadores para Rodolfo. Ele entrará em férias e irá ao encontro de Gabbriela para trazê-la de volta.

Há muitos desdobramentos nessa missão e transformações irreversíveis na vida de Murilo e de todas as personagens. A via-crúcis para encontrar um protetor para Rodolfo em tempo hábil sendo orientado por Francesca através de e-mails aprofundam os laços entre eles. Desenreda mortes e vidas que se revezam. Descortina outras vias-crúcis. Desfaz-se o homem das inúmeras camadas construídas em sua formação. Um livro com grandes surpresas e revelações; coloca em xeque máscaras e armaduras, flagrando calcanhares de Aquiles íntimos e sociais.


*Doutora em estudos de literatura brasileira, portuguesa e luso-africanas; Escritora e poeta.

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