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Opinião

Efeito Bradley explica a eleição de ontem?

Efeito Bradley explica a eleição de ontem?

Artigo por RED
03/10/2022 12:41 • Atualizado em 04/10/2022 09:35
Efeito Bradley explica a eleição de ontem?

De FERNANDO HORTA*

Não se pode tapar o sol com a peneira. O resultado da eleição é totalmente favorável a Jair Bolsonaro. TODOS os movimentos eleitorais lhe foram favoráveis de uma forma que valida a sua tese de que as pesquisas “estavam sendo fraudadas” contra ele. Estamos no campo do estranhamento para com os resultados. Resultados que destoam MUITO do que as pesquisas, os institutos e as universidades apontavam.

Para se ter uma ideia, os institutos davam como média a diferença entre Lula e Bolsonaro da ordem de 13 a 15 milhões de votos. A diferença real foi seis, quase sete milhões de votos. Um erro de mais de 100%. Da mesma forma como em 2018, figuras que estavam em terceiro distantes surgem como ganhadoras para os cargos ao senado. Senado esse que se tornou um verdadeiro pesadelo a partir das entradas da extrema direita.

Como explicar as enormes discrepâncias que vimos entre as diversas pesquisas (e não só as eleitorais) e a realidade que surge na abertura das urnas eletrônicas?

Há uma linha de senso comum que alinha argumentos estruturais (o grande capital, as elites e etc.), com uma salada de fruta que une geopolítica, sociologia, ciência política com um torresmo e duas cervejas geladas em algum “pé sujo” nesse país. Aqui entram também os famosos “disparos” no telegram, mais o bannon e toda fábula criada em torno dele numa grande retórica que – sem qualquer rigor causal – aponta para a “guerra híbrida” ou para a falha estrutural da esquerda em “compreender o povo”.

Me desgosta esse tipo de explicação por dois motivos. O primeiro é a óbvia teleologia envolvida. As explicações de um fenômeno precisam ser melhores encadeadas e não podem partir do futuro para explicar o passado. O outro motivo pelo qual me desgosta esse tipo de análise é que ela oferece como os “bandidos” sempre os mesmos. É o “capital”, são as “elites” e etc. Embora em partes separadas essas explicações possam parecer corretas, as relações de causa e efeito que ligam as diversas partes da explicação dificilmente podem ser demonstradas.

Há um efeito detectado nos EUA chamado de “efeito Bradley”, em função das disputas políticas envolvendo Tom Bradley, que foi prefeito de Los Angeles na década de 80. Tal efeito fala sobre as discrepâncias entre pesquisas e urnas ocorridas quando um candidato negro (como Bradley) e um não-negro concorrendo. Havia um indicativo em pesquisa como voto no candidato negro que não se concretizava na realidade e, ao mesmo tempo, uma migração de votos “indecisos” para o candidato branco feito na última hora. Ambos os movimentos não eram detectados pelos instrumentos de pesquisa e análise.

Teria isso ocorrido no Brasil? Vamos lembrar que para parcelas significativas das elites brasileiras Luiz Inácio Lula da Silva é “negro”. Carrega os estigmas da perversidade, da corrupção, da incompetência e da ignorância. E não apenas isso, Lula é o mais perigoso “líder negro” da história recente do Brasil, isso porque empreendeu uma mudança de fato na sociedade brasileiras. Os corpos negros que adentraram as universidades e os locais “proibidos” a partir dos governos progressistas não são facilmente desculpáveis pelas classes médias urbanas.

Seria essa vergonha de se reconhecer racista, preconceituoso e autoritários que leva pessoas a não declararem voto em Jair Bolsonaro (e assim distorcer as pesquisas)? Mais ainda, existe esse surto racista que faz com os “indecisos” pratiquem uma espécie de voto “não negro” nos últimos momentos em frente à urna?

É possível. É uma hipótese importante a ser levada em conta. Ou temos isso, ou – minha segunda hipótese – o que acreditávamos que era o estertor do fascismo no Brasil é apenas a sua decolagem. Mas essa hipótese, eu deixo para analisar na semana que vem.

*Historiador (UFRGS), mestre e doutor em Relações Internacionais (UnB).

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

 

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