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Opinião

Desmanche da Petrobras

Desmanche da Petrobras

Artigo por RED
06/10/2022 14:03 • Atualizado em 07/10/2022 11:58
Desmanche da Petrobras

De FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Os números do Indicador de Comércio Exterior (ICOMEX), organizados a partir de dados da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX/ME), mostram: o Brasil tem superávit no balanço de petróleo e derivados desde 2016. O saldo desse grupo equivale a pelo menos um quinto do saldo comercial total – e tem trimestre quando chegou a quase 1/3.

No período de investimentos no pré-sal (2009-2014), coincidente com o fim do boom de commodities e a queda dos preços, registraram-se déficits comerciais nesse produto. Mas aqueles investimentos, nos governos PT, propiciaram autossuficiência e a exportação anual sair de US$ 400 milhões em 2016 até US$ 14,31 bilhões em 2021.

A média prevista para o barril no ano de 2022 é de US$ 96, ante US$ 71 em 2021. Em 2021, o preço da gasolina subiu, em média, 46,5% nos postos, enquanto o diesel ficou 45,6% mais caro, e o botijão de gás, 35,8%, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou a política de privatizações – como as da Eletrobras e de ativos da Petrobras – poderá ser revista caso seja eleito. A Petrobras deve ser encarada como estratégica e indutora do desenvolvimento ao investir em refinarias, fábricas de fertilizantes, petroquímica, biocombustíveis e nacionalização de plataformas. Reverá também a atual política de preços dos combustíveis da Petrobras, vinculada à paridade internacional.

A Petrobras tem 69 anos e foi gerida, ao longo da história, por grupos de diferentes pensamentos econômicos. É uma empresa de economia mista, controlada pela União, mas tem 63,25% do capital com outros investidores.

Entretanto, atualmente, acompanha a estratégia da outrora estatal, também exportadora de commodities (minerais): a Vale. Ela registrou lucro líquido de R$ 121,2 bilhões (US$ 22,44 bilhões) em 2021, alta de 353,8% em relação ao ano anterior. Visa a criação de valor sustentável apenas a seus stakeholders [partes interessadas] acionistas.

No debate sobre o papel social da Petrobras, no atual desgoverno, sua diretoria responde às críticas sobre a alta dos preços recorrendo ao aumento significativo dos dividendos, distribuídos pela companhia à União e aos demais acionistas. Para ela, a maior contribuição possível de a estatal dar à sociedade é manter-se financeiramente saudável e pagar tributos e dividendos ao Estado para este executar políticas públicas.

A Petrobras pagou à União, em 2021, cerca de R$ 27 bilhões em dividendos. Somados os dividendos aos juros sobre capital próprio (JCP) pagou R$ 42,4 bilhões.

A Petrobras só conseguiu chegar neste patamar de dividendos por conta da mudança de política de preços e do represamento de valores para manter a paridade com o petróleo internacional. A companhia, ao focar a geração de fluxo de caixa e apenas o lucrativo pré-sal, impulsionou o valor de mercado de suas ações.

A disparada da cotação do petróleo no mercado internacional, com o descasamento entre a oferta e a demanda pela commodity, afetou os preços dos combustíveis. Causou questionamentos sobre a política de repasse aos preços da Petrobras, o pilar do pagamento de dividendos para seus acionistas.

Nesse debate, a corrente de viés mais desenvolvimentista defende uma Petrobras menos pagadora de dividendos, mas capaz de oferecer à sociedade preços mais módicos e contribuir com mais investimentos para a geração de emprego e renda. Essa linha foi seguida pela empresa nos governos do PT, ao assumir papel de indutor da indústria naval, por exemplo.

Entre 2011 e 2014, no governo de Dilma Rousseff, a petroleira controlou preços para conter a inflação e, assim, operou com fluxo de caixa livre negativo. A Lei das Estatais, de 2016 impôs uma governança da Petrobras como mecanismo de proteção.

O estatuto da petroleira passou a estabelecer, nos casos quando a União orientar a companhia a assumir eventuais projetos e preços de combustíveis, “em condições diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado”, a estatal ser ressarcida pelo Tesouro Nacional. A Lei das Estatais estabelece, nesses casos, as obrigações assumidas pela empresa estarem claramente definidas em lei ou regulamento e haver transparência nos custos envolvidos.

O ICMS responde por 26% do preço da gasolina e por 15% do diesel, sendo menos relevante face à parcela da Petrobras com 34% do preço final da gasolina e 55% do valor do diesel. A forma de cobrança do ICMS ajuda a encarecer os derivados em momentos quando disparam nas bombas. Em 2021, a Câmara aprovou uma mudança para reduzir esse caráter pró-cíclico.

O desgoverno atual é um desastre para o futuro desenvolvimentista da Petrobras. Marca um período de intensificação do processo de redução do seu tamanho, por meio do programa de venda de ativos da estatal.

Mais da metade dos desinvestimentos feitos pela empresa, desde 2015, ocorreu nos três primeiros anos do mandato do atual presidente da República. Embora a desestatização não tenha avançado, de fato, privatizações de subsidiárias da petroleira saíram do papel no atual desgoverno, como BR Distribuidora (Vibra Energia), Transportadora Associada de Gás (TAG), Liquigás e Petrobras Biocombustível, para encher os bolsos dos acionistas minoritários em nome do Tesouro Nacional.

A Petrobras também avançou na abertura do refino e gás natural. A agenda pró-abertura do mercado, iniciada no governo golpista e acelerada nos primeiros anos do miliciano, começa a dar os primeiros resultados em termos de desconcentração do setor: no fim de 2021, 17% da capacidade nacional de refino passou para as mãos da iniciativa privada, com a conclusão da alienação da RLAM (BA) para o Mubadala. O ano 2022 marca a estreia de quatro novos fornecedores de gás no país: Shell, Petrogal, Equinor e PetroReconcavo: juntos, abastecerão 9% da demanda das distribuidoras.

Desde março de 2015 até dezembro de 2021, a Petrobras vendeu 64 ativos e participações acionárias em outras empresas, em negócios no total de R$ 243,7 bilhões em números atualizados com base na variação do câmbio e inflação do período – dos quais 56% ocorreram a partir de 2019, primeiro ano do atual mandatário. O levantamento é do Observatório Social da Petrobrás (OSP), entidade de pesquisa ligada à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), ao Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e ao Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE).

A desconcentração da indústria tem ocorrido na atividade de exploração e produção de óleo e gás, cujo processo de abertura externa às multinacionais se iniciou ao fim dos anos 1990. Em 2021, a produção das empresas fora a Petrobras ultrapassou, pela primeira vez na história, a média anual de 1 milhão de barris diários de óleo equivalente no Brasil. O volume representa 27% de toda a produção nacional, ante os 23% detidos em 2017, segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP).

A história da indústria brasileira de óleo e gás é de idas e vindas entre agendas ora mais neoliberais, ora mais estatizantes. Depois de 13 anos de governos do PT, quando o marco legal deu à Petrobras o monopólio na operação dos campos do pré-sal, a estatal deu uma guinada neoliberal a partir do governo Temer, com a retomada dos grandes leilões, mudanças regulatórias pró-petroleiras estrangeiras e início da estruturação da abertura do refino e do gás.

Esse neoliberalismo culminou, em 2019, no compromisso da Petrobras com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para venda de oito refinarias e saída do transporte e distribuição de gás até o fim de 2021. Das oito refinarias à venda, a Petrobras concluiu a alienação da RLAM (BA) e assinou contratos para venda da REMAN (Amazonas) e SIX (Paraná). Os neoliberais desejavam, de maneira apressada, concluir seu desmanche em benefício privado antes de outro governo desenvolvimentista.

A pergunta-chave é: a autossuficiência em petróleo beneficia os brasileiros, em cujo território se privatiza o uso desse recurso natural ainda precioso para a sociedade? Só os beneficia, indiretamente, via dividendos pagos ao Tesouro Nacional e dólares obtidos na exportação de petróleo para geração de superávit comercial e manter as reservas cambiais?

A Petrobras, em sua atual estrutura de governança, está voltada apenas para os lucros dos acionistas — e indiferente aos interesses dos consumidores brasileiros. O projeto da companhia, divulgado em seu último plano estratégico, de pagar entre US$ 60 bilhões a US$ 70 bilhões em dividendos entre 2022 e 2026, carece de viabilidade política.

O Mercado poucas vezes presta atenção ao fato de a Petrobras teve quase 40 presidentes em pouco mais de 60 anos de existência. Com essa alternância de poder, sem manutenção de Política de Estado, não dá para estabelecer nenhum plano quando o principal executivo fica, em média, apenas dois anos no cargo por questões políticas.

Um avanço na agenda verde também é necessário para a Petrobras reduzir a diferença no seu valor, se comparado com pares internacionais. Fez sentido nos últimos anos a empresa focar apenas nos investimentos no pré-sal, em seu processo de reestruturação para desalavancagem financeira, mas agora é necessário avançar em energia limpa.

O atraso da agenda verde vai cobrar um preço. Já hoje há descasamento entre o valor das ações da Petrobras em bolsa de valores e a potencial geração de valor no futuro.


*Economista, Professor Titular da UNICAMP, já atuou em direções e conselhos de instituições como Caixa Econômica Federal, FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos) e CIBRASEC (Companhia Brasileira de Securitização).

Foto em Agência Brasil.

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