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Opinião

Desigualdade de Posses

Desigualdade de Posses

Artigo por RED
28/06/2023 05:30 • Atualizado em 30/06/2023 10:17
Desigualdade de Posses

De FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE apresenta a consolidação de dados de aproximadamente 168 mil domicílios participantes da amostra representativa de 74,1 milhões domicílios particulares permanentes no País, ou seja, média de menos de três moradores por domicílio. Entre eles, em 2022, 43,5% eram situados na Região Sudeste (32,3 milhões); 26%, na Região Nordeste (19,3 milhões); 15%, na Região Sul (11,1 milhões); 7,8%, na Região Centro-Oeste (5,8 milhões); e 7,6%, na Região Norte (5,7 milhões).

Nos domicílios particulares permanentes, havia o predomínio de casas, correspondentes a 85% (63 milhões) do total de unidades domiciliares, enquanto os apartamentos totalizavam 14,9% (11 milhões). Em todas as Grandes Regiões, o percentual de casas foi superior a 80%, variando de 80,1% (25,8 milhões), na Região Sudeste, a 91,9% (5,2 milhões), na Norte. A Região Sudeste apresentou o maior percentual de apartamentos, com 19,7% (6,3 milhões), devido às características metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória e Campinas.

Quanto à maior propriedade familiar, em geral, sua residência, do total de domicílios particulares permanentes do País, 63,8% (47,3 milhões) eram próprios já pagos; 6,0% (4,4 milhões), próprios ainda pagando; 21,1% (15,7 milhões), alugados; 8,8% (6,6 milhões), cedidos; e aqueles em outra condição, como, por exemplo, os casos de invasão, totalizavam 0,2% (174 mil). Logo, 70% do total de moradia eram imóveis próprios.

A piora do país após o golpe de 2016 foi marcante até nisso. Entre 2016 e 2022, observou-se uma contínua redução do percentual de domicílios próprios já pagos. Variaram de 66,7%, em 2016, para 64,8%, em 2019, e 63,8%, em 2022. Durante esse período, o percentual de domicílios alugados aumentou de 18,5%, em 2016, para 19,3%, em 2019, alcançando 21,1% em 2022. Será efeito do desmanche do MCMV?

Dado o percentual relativamente elevado de proprietários de suas moradias, em uma população relativamente pobre, uma informação relevante diz respeito aos materiais utilizados em sua construção. Em 88,6% dos domicílios brasileiros (65,7 milhões), as paredes externas eram construídas de alvenaria/taipa com revestimento.

Os domicílios com paredes externas de alvenaria/taipa sem revestimento representavam 6,9% (5,1 milhões); com paredes externas de madeira apropriada para construção (aparelhada), 3,9% (2,9 milhões); e aqueles com outro material, como madeira aproveitada de tapumes e embalagens, 0,5% (383 mil).

Uma possível dedução é classificar estes como habituais em favelas, pressupondo existir 8,4 milhões deles. Grosso modo, seriam cerca de 25,2 milhões de moradores em aglomerados urbanos com autoconstrução em locais sem planejamento estatal.

No entanto, na Região Sudeste predominam (93,8%) domicílios com paredes externas de alvenaria/taipa com revestimento. Os maiores percentuais de domicílios com paredes externas de alvenaria/taipa sem revestimento foram observados nas Regiões Norte (9,5%) e Nordeste (9,0%), sugerindo a correlação destes com moradores pobres.

A Região Sudeste foi a única a registrar percentual de domicílios com telha com laje de concreto (49,7%) superior ao daqueles com telha sem laje de concreto (25,5%). Nas demais Regiões, observou-se o predomínio dessa última modalidade, principalmente na Norte, onde a estimativa atingiu 78,9%.

A Região Sudeste também possuía a maior participação de domicílios com somente laje de concreto na cobertura (23,6%). Seriam típicos de moradias em favelas?

Em relação a 2016, a PNADC registrou o aumento da proporção daqueles domicílios com somente laje de concreto (de 13,8% para 15,2%). Seria um indicador de pauperização?

A PNADC levantou também informações sobre serviços de saneamento básico, como abastecimento de água, presença de banheiro e esgotamento sanitário, e destino do lixo, além do acesso à energia elétrica. Tais serviços indicam a melhoria (ou não) das condições de vida e saúde da população.

Dos 74,1 milhões de domicílios estimados pela PNADC em 2022, 98,1% (72,7 milhões) possuíam água canalizada. Entre os 64,8 milhões em situação urbana, 99,5% possuíam água canalizada e 95,1% dispunham de acesso à rede geral de abastecimento de água, enquanto, entre os 9,4 milhões em situação rural, os percentuais alcançaram 88,2% e 38,9%, respectivamente.

Novamente, outro dado do retrocesso em políticas públicas: ao longo do período de 2016 a 2022, não houve expansão no País do percentual de domicílios com a rede geral como o principal meio de abastecimento de água.

Entre 2019 e 2022, a proporção de domicílios com esgotamento sanitário por rede coletora aumentou apenas 1,4 ponto percentual (de 68,2% para 69,5%). A Região Sudeste, embora evidenciasse as melhores taxas de acesso à rede geral para escoamento do esgoto, não apresentou progressão desse indicador no período.

A fossa séptica não ligada à rede geral alcançou 16,3% dos domicílios do País, sobressaindo as Regiões Norte e Nordeste, com 33,4% e 25,5%, respectivamente. No Sudeste, essa modalidade era utilizada somente por 5% dos domicílios.

O destino do lixo dos domicílios no Brasil é feito, principalmente, por meio de coleta direta por serviço de limpeza. Os dados da PNADC mostram essa modalidade, além de ser a principal, está aumentando gradualmente: de 82,7%, em 2016, para 86%, em 2022.

Em 2022, o acesso à energia elétrica nos domicílios atingiu cobertura praticamente universal, com 99,8% das unidades dispondo desse serviço, seja fornecida pela rede geral, seja por fonte alternativa. Portanto, o elevado percentual de acesso à energia elétrica ocorre em todas as Grandes Regiões e revela o programa social-desenvolvimentista Luz para Todos ter sido bem-sucedido.

A PNADC também investigou a existência de alguns bens nos domicílios, tais como geladeira, máquina de lavar roupa, automóvel e motocicleta.

No País, 98,4% dos domicílios possuíam geladeira em 2022, percentual variável entre 94,5%, na Região Norte, e 99,5%, na Sul. Com cobertura bem abaixo, a máquina de lavar roupa mostrou-se presente em 70,2% dos domicílios do País, com diferenças regionais acentuadas: as Regiões Nordeste (41,1%) e Norte (55,0%) apresentaram os menores percentuais, enquanto as Regiões Sul (89,3%), Sudeste (81,8%) e Centro-Oeste (80,2%), os maiores.

Quanto à posse de automóvel, é considerado o maior indicador de status social, após a residência. O desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil foi consolidado há anos. O país foi o quarto maior produtor mundial em 2013 com 3,7 milhões automóveis. Caiu para 2,1 milhões em 2016 e só atingiu 2,4 milhões em 2022.

Atualmente, possui 20 empresas competindo em um lucrativo mercado, com 65 fábricas em 11 estados. Potencialmente, somam a capacidade instalada de 4,5 milhões de veículos por ano e cerca de 5.500 concessionárias. O Brasil exporta cerca de 22% de sua produção e a indústria emprega 126 mil pessoas.

No território brasileiro, 49,8% dos domicílios possuíam automóvel; 25%, motocicleta; e 13,1%, ambos. A Região Sul apresentou o maior percentual de posse de automóvel (69,2%), enquanto as Regiões Nordeste e Norte registraram as menores proporções desse bem, 29,9% e 30,7%, respectivamente. Foram as únicas a assinalar percentuais de posse de motocicleta (33% e 35,3%, respectivamente) superiores aos de automóvel.

Nessas duas Regiões, foram observados os dois maiores percentuais de posse de motocicleta, enquanto na Região Sudeste (18,8%) foi identificada a menor proporção. Esta registra o terceiro maior percentual de domicílios com posse de automóveis (56,4%), abaixo do Centro-Oeste (60,2%) e do Sul (69,2%).

Em 2022, a distribuição da população residente no Brasil mostrava a Região Sudeste (42,1%) com a maior concentração populacional, enquanto as Regiões Centro-Oeste (7,8%) e Norte (8,8%) com as menores. Entre esses extremos ficavam o Sul (14,3%) e o Nordeste (27%). Desde 2012, concentrou-se nesta a perda de 0,7 pontos percentuais.

Segundo a prévia de dados coletados pelo Censo Demográfico até o dia 25 de dezembro de 2022, o Nordeste tem 55.389.382 de habitantes; a região Sul, 30.685.598; o Norte, 17.834.762 de habitantes; e a região Centro-Oeste, 16.492.326. O Brasil teria 207.750.291 de habitantes, abaixo das estimativas anteriores, por exemplo, 213 milhões em 2021.

Cruzando o número de domicílios particulares permanentes no País (74,1 milhões), eram 36,9 milhões com automóvel. Dos 32,3 milhões situados na Região Sudeste, 18,2 milhões tinham; dos 19,3 milhões na Região Nordeste, eram 5,8 milhões possuidores; dos 11,1 milhões da Região Sul, 7,7 milhões os tinham; os 5,8 milhões na Região Centro-Oeste, possuíam pelos menos 3,5 milhões automóveis; e nos 5,7 milhões na Região Norte registravam-se 1,7 milhão com pelo menos um automóvel.

Talvez por conta dessa desproporcionalidade regional na posse desse imaginário símbolo de status social, desconsiderando o valor de mercado de cada qual, os orgulhosos possuidores se sentem excessivamente orgulhosos de seu automóvel. Não deviam extrapolar dessa posse um esnobismo com ar de superioridade sobre os habitantes do país não possuidores sequer de um carro.

Uma lição de uma boa educação financeira sugere: “quem compara acaba perdendo, pois sempre encontrará alguém com riqueza relativamente superior à sua”…


*Professor Titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Ex vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007).

Imagem em Pixabay.

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