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Opinião

Desafios de uma esquerda consequente

Desafios de uma esquerda consequente

Artigo por RED
15/02/2023 05:30 • Atualizado em 20/02/2023 10:07
Desafios de uma esquerda consequente

De BERNA MENEZES*

Vivemos em um mundo convulsionado. Com duas miras em nossas cabeças: uma ambiental e outra atômica. Dependendo da orientação que dermos a cada passo tático, em direção à nossa estratégia, teremos inúmeras possibilidades positivas de futuro pela frente.

Interpretar os fatos e acertar as tarefas é o grande desafio da esquerda mundial e em particular- a parte que nos cabe deste latifúndio – do Brasil.

Algumas modestas contribuições desta observadora de fora do governo:

1. Começando pelo óbvio. A conclusão, a que mesmo os mais reticentes se convenceram, depois dos fatos do dia 8 de janeiro em Brasília: Bolsonaro foi derrotado, mas a ultradireita vive e é forte.

Ela é filha da poderosa crise de 2008, de um capitalismo agonizante e é um fenômeno internacional. No Brasil, surge da relação promíscua com as milícias no Rio de Janeiro e o com apoio de setores majoritários das igrejas evangélicas e sua ideologia da prosperidade.

Bolsonaro no poder não governou para a maioria. Durante os 3 primeiros anos de mandato, trabalhou para consolidar uma base firme e fiel em torno de 20 a 25%. No último ano, girou para disputar a maioria da sociedade. Usando o aparelho do Estado para esse fim.

2. Para enfrentar a ultradireita temos que construir uma forte trincheira para derrotá-la nas urnas, nas instituições e, fundamentalmente, nas ruas.

3. Mas as agruras do povo brasileiro não são produto apenas da herança bolsonarista. A direita “tradicional” foi golpista e responsável pela aplicação da cartilha neoliberal em nosso país. Ela é uma forte adversária e entrave no combate, mais que necessário, à desigualdade abissal, à injustiça social e à toda herança que excluí a maioria do povo brasileiro do direito a sua riqueza natural ou produzida por ele.

4. Se é verdade que foram e são aliados na luta ao fascismo, também é verdade que são um enorme obstáculo ao futuro progressivo de nosso povo.

Neste sentido, Lula tem dado um combate muito positivo a pontos importantes e estratégicos ao nosso país e à região. A defesa dos Yanomamis, por exemplo, além de expor a grave situação desta comunidade e protegê-la, envolve o combate à grilagem do agronegócio, à pesca ilegal, ao narcotráfico na fronteira, à madeireiras criminosas, ao garimpo ilegal contaminador de rios e do subsolo das florestas e suas relações com as instituições locais, governos e forças militares.

A postura de Lula na reunião da CELAC foi outro golaço. Hierarquizou as prioridades internacionais do Brasil. A posição contrária ao isolamento de Cuba e Venezuela, as reuniões com Argentina e Uruguai, além do papel do BNDES.

Enfrentar o debate sobre independência do Banco Central e a política escandalosa de juros sacudiu o andar de cima, o clube dos privilegiados e a poderosa Rede Globo. Assim como a reestatização da Eletrobrás, reconhecendo o papel estratégico desta estatal privatizada de forma criminosa.

Por último, a viagem aos EUA e a agenda com a China em março. E, ainda que Lula carregue as tintas contra Rússia e Putin, não responsabilizando o governo norte-americano neste conflito, a proposta de um grupo de países não envolvidos diretamente com a guerra é um duro golpe a OTAN.

5. Mas, para que este debate tenha consequências, tem que vir para o andar de baixo. É aí que acredito que o atual governo e o próprio movimento social pecam. Tive muitas expectativas com a reunião chamada por Lula ao movimento sindical. Mas, elas se frustraram. Se por um lado Lula chamou o movimento a fazer pressão, por outro, não avançou em nenhuma proposta concreta. O fascismo surge em resposta ao caos econômico e social. Mas se nutre da falta de conquistas na vida das pessoas. Por outro lado, uma das poucas iniciativas de greve ou mobilização dos movimentos sociais, a greve dos apps, que por fim não se concretizou, foi duramente combatida por setores de esquerda nas redes sociais. Galo, liderança destes companheiros, foi chamado de bolsonarista pra baixo.

Onde é que nós estamos? Por acaso achamos que saída é “o Lula sabe o que faz” ? Não aprendemos nada com o que aconteceu neste país? Os milhões de jovens escravizados pelos apps são empurrados para a morte ou a mutilação, na guerra do trânsito das grandes cidades. São os que estão obrigados a entregar sua comida em 5 minutos para que você não avalie que ela chegou fria. Uma greve de apps expõe a condição extrema de como sobrevivem esses trabalhadores precarizados, politizando a população e fortalecendo nossa organização e mobilização. Portanto, está na nossa trincheira.

6. Por último, temos que constituir um campo de esquerda consequente, disposto a fazer os embates estratégicos e as alianças pontuais, em cada novo desafio. Podemos e, com certeza, cometeremos muitos erros. Mas, não vamos cometer os mesmos erros. Se vamos errar, que sejam novos erros, para que possamos aprender com eles e dar novas respostas aos novos problemas. Votar em Lira, por exemplo, foi um velho erro. Não vai nos ajudar a constituir um campo consequente e socialista. Sim, socialista e que seja polo para milhões que estão ansiosos por uma sociedade diferente do que a barbárie capitalista levou aos Yanomamis, aos sem-teto, a juventude sem futuro, ao desemprego ou subemprego.

Uma esquerda consciente de seu papel estratégico. Que se mova por Projeto e ideias e não por cargos e eleições. Todos os partidos, inclusive o meu, estão cheios de militantes que dão a vida por um cargo ou vendem a alma pela próxima eleição. A institucionalidade é muito importante mas não será a arena onde se decide nosso futuro. Lula pode e deve ser a liderança deste processo! Mas seu governo tem que transformar a vitória política em conquista real pagando a dívida social e histórica com nosso Povo.


*Secretária Nacional de Comunicação do PSOL

Imagem em Pixabay

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

 

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