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Deputados pedem que PGR investigue empresa de Eduardo Bolsonaro
Deputados pedem que PGR investigue empresa de Eduardo Bolsonaro
Parlamentares citam investigação em conjunto realizada pela Agência Pública, UOL e Clip publicada em maio
O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) e o deputado estadual Simão Pedro (PT-SP) protocolaram nesta quarta-feira (19) um requerimento pedindo que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue a empresa Eduardo Bolsonaro Cursos Ltda e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Os parlamentares pedem uma apuração sobre os “indícios dos crimes de falsidade ideológica, improbidade administrativa e contra a ordem tributária” e citam uma investigação em conjunto pela Agência Pública, UOL e o Centro Latinoamericano de Investigação Jornalística (Clip) publicada em maio.
Os parlamentares apontam, por exemplo, que Eduardo Bolsonaro omitiu de sua declaração de bens ao Tribunal Superior Eleitoral a existência da empresa e mencionam as descobertas feitas pela reportagem. Eles também questionam o enquadramento da firma como “microempresa” e o fato de o endereço da sede do negócio de Eduardo Bolsonaro não ter nenhuma identificação da empresa.
O filho 03 de Jair Bolsonaro lucrou no ano passado ao menos R$ 600 mil em quatro meses a partir da empresa. Em março deste ano ele transferiu a sede da Eduardo Bolsonaro Cursos Ltda para um local sem nenhuma identificação no mesmo endereço de uma loja que faz venda online de objetos com mensagens golpistas e falsas.
Em 18 de abril do ano passado, o deputado federal fundou a empresa para atuar no ramo de “produção de vídeos e de programas de televisão”, “cursos” e “marketing”. A firma foi registrada em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e, em março de 2023, transferida para um outro endereço em Caçapava, no interior de São Paulo.
A reportagem esteve no local no dia 17 de maio e não encontrou qualquer referência à firma. No entanto, funciona ali a sede da Camisetas Opressoras, diversas vezes propagandeada por Eduardo Bolsonaro nas redes sociais.
A loja faz venda online de objetos como canecas e adesivos com o slogan golpista “Brazil was stolen” (“O Brasil foi roubado”), usado pelos bolsonaristas na tentativa de obter apoio internacional à ideia mentirosa de que as eleições brasileiras foram fraudadas.
Sociedade com ex-assessores parlamentares
De acordo com dados da Junta Comercial de São Paulo, a Eduardo Bolsonaro Cursos foi registrada a partir de um ofício preparado por Lucimar Claudina dos Santos, secretária parlamentar do gabinete de Eduardo, na Câmara dos Deputados, em Brasília, desde abril de 2021.
Pouco tempo depois, em 29 de abril de 2022, o parlamentar admitiu sua mulher, Heloísa Bolsonaro, como sócia-administradora do negócio.
Em 3 de março de 2023, ela alterou o objeto social para incluir “comércio varejista de artigos de vestuário e acessórios” e informou à Junta a troca de endereço para Caçapava (SP), exatamente para o mesmo endereço da Camisetas Opressoras e de outra empresa de publicidade chamada Wiks.
Em fevereiro deste ano, a Eduardo Bolsonaro Cursos Ltda também passou a vender suvenires, como canecas, cadernos e calendários, para a militância bolsonarista por meio do site Bolsonaro Store. A diversificação do mercado coincide com sua mudança de endereço de São Bernardo para Caçapava e de ramo de atividade.
Já a empresa Camisetas Opressoras, nos documentos, pertence a Denise Bueno, esposa de Wilker Delkerson Amaral. Ele foi funcionário do gabinete do deputado estadual de São Paulo Gil Diniz (PL), conhecido como “Carteiro Reaça”, aliado da família Bolsonaro e ex-assessor de Eduardo Bolsonaro na Câmara dos Deputados. No ano passado, o casal também prestou serviço de “atividades de militância e mobilização de rua” na campanha do candidato: os dois receberam R$ 1.500 cada um.
No mesmo endereço da empresa de cursos de Eduardo e da Camisetas Opressoras ainda está registrada a Wiks Publicidade, cujos sócios são Wilker Amaral e Edmilson Rodrigues. A reportagem foi até o local, na cidade de Caçapava, onde fica um imóvel comercial com dois andares. Ao lado do interfone, há um papel colado com o nome dos negócios que funcionam ali e os números das salas. A firma de Eduardo não consta na lista.
Ao chegar ao local, a reportagem foi atendida por Wilker Amaral, mas, ao ser questionado sobre a Camisetas Opressoras, ele disse que “não tinha autorização” para falar da loja, mesmo que o site da empresa esteja em seu nome.
“Não sou dono da empresa. Sou um colaborador. Não tá no meu nome a empresa”, afirmou. Questionado sobre de quem seria a empresa, Amaral insistiu que não podia falar. “Então, não sou autorizado. Não posso falar da operação. Eu não sou autorizado a falar para você e você não pode falar alguma coisa da operação. O que eu tô falando é que aqui fica a empresa”, disse. Ao final, citou que a empresa seria da mulher, “então tudo em casa”.
No dia em que a reportagem esteve no local, a mulher de Amaral, Denise Bueno, não estava. O casal vive em uma casa a poucos metros da sede da loja. Procurada, ela não retornou.
“Live de milhões”
O site da Camisetas Opressoras funciona desde outubro de 2016. Porém, a empresa só foi formalizada na Junta Comercial em 18 de junho de 2021. Antes, a loja funcionava informalmente.
Ela ficou conhecida em 2018 depois que a família Bolsonaro começou a usar seus produtos —Jair Bolsonaro vestia uma de suas camisetas quando foi esfaqueado em Juiz de Fora (MG), durante sua primeira campanha eleitoral para a Presidência. Nas redes sociais, há diversas fotos de Denise e Wilker com o ex-presidente.
Além de serem registradas no mesmo endereço, as três empresas também se conectam pela proximidade dos donos. No período eleitoral, em setembro de 2022, Eduardo Bolsonaro esteve no local, onde deixou autógrafos, fez fotos e gravou vídeos dos produtos. Tudo foi compartilhado nos stories do deputado e republicado no canal do Instagram da Camisetas Opressoras. “Uma visita ilustre pra começar bem a nossa semana. Sem palavras. Grande dia!”, escreveu o perfil da empresa.
Em várias postagens, a Camisetas Opressoras informa que Eduardo Bolsonaro não recebe pelos serviços de garoto propaganda. “Tá rolando agora um papo do @bolsonarosp com a galera do @flowpodcast e fomos surpreendidos com essa super publi gratuita! Que honra!”, diz a loja em um vídeo fixado em seu perfil. Em outra publicação, a empresa diz que sempre pôde “contar com o apoio” do deputado.
Embora, oficialmente, não tenha qualquer conexão com a loja, Eduardo chegou a divulgar a caneca “Brasil Was Stolen” nas redes da Camisetas Opressoras. Em um vídeo publicado em 10 de fevereiro deste ano, por exemplo, o parlamentar mostra como chegar até o site da empresa. Ele desliza a tela mostrando os itens. Dentre eles, aparecem a caneca e adesivos com o slogan golpista. A “publi de milhões”, como descreve o post, tem mais de 3.600 curtidas.
“Brasil was stolen”
O termo “Brazil was stolen” se tornou um dos assuntos mais comentados no Brasil no Twitter quando o argentino Fernando Cerimedo, dono da empresa de marketing político Numen Publicidad e amigo de Eduardo Bolsonaro, divulgou uma live no canal do YouTube do seu site, o La Derecha Diario, com informações falsas sobre as urnas eletrônicas.
No ano passado, a Pública mostrou que a hashtag #BrazilWasStolen foi bastante compartilhada a partir do primeiro turno das eleições, muitas vezes em conjunto com a #BrazilianSpring, cunhada pelo ideólogo da ultradireita americana e mentor de Eduardo Bolsonaro, Steve Bannon.
Cursos espalham fake news e trazem estrelas do bolsonarismo
Há alguns anos, Eduardo Bolsonaro atua para importar para o Brasil algumas das estratégias usadas pela extrema direita americana. Levantamento da Agência Pública demonstrou que ele teve mais de 77 reuniões com conservadores estadunidenses durante o governo Bolsonaro.
Desde 2019, o congresso CPAC, congresso de direita lançado nos EUA, é realizado no Brasil por iniciativa de Eduardo Bolsonaro. Naquele ano, ele firmou um termo de cooperação com a União Conservadora Americana (ACU), think tank que organiza o evento, para “intercâmbio de conhecimento”. Em 2020 fundou o Instituto Conservador Liberal, que passou a organizar os CPACs no Brasil —já foram realizadas três edições: em São Paulo, Brasília e Campinas.
Os produtos da Camisetas Opressoras também sempre foram vendidos em estandes nos eventos do CPAC Brasil, edição nacional do evento que reúne conservadores nos EUA e organizado por Eduardo Bolsonaro.
Desde o ano passado, inspirado nas palestras oferecidas no evento, em sua maioria por ministros ou secretários do governo passado, o parlamentar montou cursos, vendidos por meio da Eduardo Bolsonaro Cursos Ltda.
Um dos professores do curso “Formação essencial em política” é justamente André Porciúncula, seu sócio na Braz Global Holding LLC, empresa fundada em março deste ano no Texas, Estados Unidos, como revelou reportagem da Agência Pública em parceria com o UOL e o CLIP. No curso, Porciúncula fala como especialista em arte e defende que a esquerda estaria tentando destruir a fé cristã e a moralidade para implantar seus ideais políticos.
Para se “aprofundar” nos temas, os palestrantes indicam documentários da produtora conservadora Brasil Paralelo. No módulo ministrado por Porciúncula, por exemplo, o curso indica o documentário “Cortina de Fumaça”, que nega o desmatamento e diz que um sobrevoo na Amazônia mostra que se trata de uma “floresta preservada”.
De acordo com Eduardo Bolsonaro, os cursos que sua empresa produz buscam ensinar ao público “o que tem de mais atual e mais importante no conservadorismo” para que as pessoas não caiam “em nenhuma armadilha da esquerda”. “Também vai contribuir para que você enxergue todo o cenário, não só do Brasil, mas do mundo inteiro, quando se fala em política”, explica o deputado na introdução do material “Formação essencial em política”.
Entre os professores convidados estão os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG), denunciado por transfobia pelo MP de Minas Gerais; Gustavo Gayer (PL-GO), cujo ataque levou à proibição de um livro de Marçal Aquino na Universidade de Rio Verde; Bia Kicis (PL-DF), investigada no inquérito das fake news aberto no STF; Marcos Pollon (PL-MS), o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP), Chris Tonietto (PL-RJ) e Mario Frias (PL-SP), que agrediu um jornalista em sessão da comissão da comunicação da Câmara, além da senadora e ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves (Republicanos-DF).
Ferreira e Gayer estão entre os influenciadores da extrema direita que tiveram suas redes bloqueadas no final de 2022 por compartilhamento reiterado de alegações falsas sobre fraudes nas urnas eletrônicas.
O módulo “Formação essencial em política” apresenta conteúdos em áreas como conservadorismo, feminismo, doutrinação, ativismo judicial, redes sociais, meio ambiente, aborto e ideologia de gênero, cristianismo, racismo e eleições. O curso de meio ambiente é ministrado por Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, que deixou o governo Bolsonaro após se tornar alvo de investigação criminal por suposta atuação ilegal em favor de madeireiros, já o de feminismo é conduzido pela deputada estadual Ana Campagnolo (PL-SC), que se diz “antifeminista”.
Além de lucrar com a venda dos cursos, Eduardo também ganha dinheiro com a venda de livros. As obras indicadas pelos palestrantes são vendidas na Livraria Eduardo Bolsonaro, cujo site está registrado em nome da empresa Cedet – Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico Ltda, em Campinas, São Paulo.
A livraria e editora Cedet gerencia diversas livrarias virtuais de bolsonaristas, como por exemplo, a de Campagnolo, conforme revelou matéria do Intercept. De acordo com a reportagem, eles ganham comissões pela venda dos livros.
Depois de passar pela formação inicial, a plataforma do deputado ainda oferece outros módulos, que seriam mais aprofundados, mas ainda não estão disponíveis. Eduardo Bolsonaro, por exemplo, dará o curso de “guerra cultural” e o deputado André Fernandes (PL-CE), investigado pelo STF por suposto envolvimento nos atos golpistas do dia 8 de janeiro, ministrará as aulas de “manipulação da juventude”, segundo o site.
Procurado, Eduardo Bolsonaro não respondeu até a publicação desta reportagem.
Por Juliana Dal Piva, Alice Maciel e Laura Scofield.
Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados.
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