Opinião
De Vargas a Lula
De Vargas a Lula
De ELMAR BONES*
A aula recém havia iniciado, a professora foi chamada à sala da diretora e voltou chorando. Não haveria aula naquele dia, todos pra casa. No corredor ouvi: “Getúlio se matou”. “Mataram ele, com certeza”, disse uma velha professora.
Em casa, encontrei minha mãe na cozinha, chorando. Me abraçou, soluçava: “Morreu o pai da gente”.
Getúlio Vargas era o “pai dos pobres” e a comoção que tomou conta do pobrerio naquele subúrbio de Santana do Livramento foi como se de fato tivessem perdido o pai.
Homens choravam nos botecos, indignação gritada nas ruas, alguns saiam para juntar-se aos grupos que se formavam na estação ferroviária, dispostos a embarcar para o Rio de Janeiro.
A Rádio Cultura intercalava “músicas fúnebres” com as notícias do quebra-quebra em Porto Alegre, da multidão que tomava conta das ruas do Rio de Janeiro. Parecia que o mundo vinha abaixo.
(Nas aulas de música que tive com o Enio Squeff, bem depois, descobri que aquela música aterradora que tocava entre as notícias era o réquiem que Johannnes Brahms compôs quando morreu sua mãe).
No fim o terremoto popular que parecia brotar do fundo da terra dissipou-se e o que Getúlio conseguiu à custa da própria vida foi protelar o golpe por dez anos.
Brizola com a Legalidade, em 1961, foi o último bastião da resistência getulista, que seria aniquilada com o golpe em 1964.
Um golpe contra um projeto nacionalista populista, de conciliação e inclusão social que, na ótica da guerra fria, estava abrindo caminho para o comunismo.
Seria uma intervenção transitória dos militares para extirpar a corrupção, conjurar a ameaça comunista e, em seguida, restabelecer o poder pelo voto.
Resultou num regime militar que durou 21 anos, sem encontrar o rumo certo.
Foi derrubado não só pela política dos porões que adotou, mas principalmente pelo modelo econômico de viés nacionalista- getulista que o general Ernesto Geisel tentou implantar.
“Deus não me traria de tão longe para ser o síndico da catástrofe”, disse José Sarney ao assumir a presidência da República como o primeiro civil, desde o golpe de 64.
Sarney era da “ala jovem” da UDN, o partido que comandou a derrubada de Vargas, quando os militares tomaram o poder. Foi aliado do regime desde o primeiro instante, mas quando percebeu a mudança mudou de lado. Era o vice de Tancredo Neves, ex-ministro de Vargas, que morreu na véspera da posse.
Poderia dizer que aí, quando Sarney se tornou presidente pelo voto indireto (e não quando os milicos derrubaram Jango), é que se deu a derrota definitiva de Getúlio Vargas e seu projeto.
O resultado da primeira eleição direta, em 1989, seria a confirmação: Fernando Collor, também da vertente udenista/arenista, sucedeu Sarney, derrotando Lula e Brizola dois herdeiros da herança trabalhista de Vargas, que se dividiram. Era mais uma pá de terra em cima daquele cadáver.
Para completar, o sucessor de Collor, Fernando Henrique Cardoso assumiu declarando que seu propósito era “sepultar a era Vargas”, negando suas raízes social- nacionalistas.
Mas eis que de repente, quando parecia coberta por várias camadas de terra, a Utopia de Vargas renasceu com a primeira eleição de Lula.
E, por mais de uma década, pareceu que a nação havia se reencontrado com o seu velho projeto nacional desenvolvimentista, de conciliação de classes e inclusão social.
O que veio depois de 2015 está na memória de todos.
Mas parece que a hidra tem sete cabeças e aí está Lula, eleito, com a bandeira do projeto nacional desenvolvimentista, de conciliação e inclusão social.
*Jornalista. Exerceu funções de repórter, editor e diretor nas redações de grandes veículos da mídia nacional. É diretor da JÁ Editores.
Artigo publicado originalmente em Já Online.
Foto de Getúlio Vargas – Biblioteca Nacional/Imagens.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
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