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Opinião

De Bolsonaro a Lula: as mudanças de política econômica

De Bolsonaro a Lula: as mudanças de política econômica

Artigo por RED
28/12/2022 04:00 • Atualizado em 02/01/2023 10:55
De Bolsonaro a Lula: as mudanças de política econômica

De RÓBER ITURRIET AVILA*

A agenda econômica do governo Bolsonaro era semelhante ao do governo Temer, porém mais profunda. Privatizações, redução de despesa estatal, redução de direitos trabalhistas, abertura econômica, redução de tributos, etc. A compreensão dessa linha é a de que a redução de custos empresariais seria a mola motriz de crescimento econômico.

O primeiro ano marcou mais alterações legais, como a reforma previdenciária, a lei da liberdade econômica e a PEC 186, que virou E.C. 109. Já os dois últimos anos foram marcados por redução de impostos, como o ICMS de energia e combustíveis, IPI sobre diversos produtos e imposto de importação.

No meio do caminho havia uma pandemia, o que obrigou a gestão econômica a ampliar gastos, sobretudo com transferência de renda e proteção social, ainda que houvesse resistência por parte do Ministro Paulo Guedes, a pressão social, do Congresso Nacional e mesmo de organismos internacionais empurraram o governo neste sentido.

Essa é uma contradição com a linha governamental, por uma imposição das circunstâncias, a política econômica foi intervencionista, com antecipação de recursos e política anticíclica. Ao se analisar os resultados governamentais, temos que escapar da narrativa ideológica de que “economia” é Bolsa de Valores. Não se mede o que ocorreu na economia através de ativos financeiros e sim com o emprego, juros, câmbio, salários, renda, crescimento, etc.

Certa mudança de linha trouxe também variação de resultado econômico. A taxa de crescimento econômico no primeiro ano foi 1,1%, a taxa de desemprego estava em 11%. No último ano de governo a taxa de crescimento deve chegar a 2,8% e a taxa de desemprego reduziu a 8,3%. O interessante é que nos três primeiros anos, os resultados não foram bons: crescimento baixo, desemprego alto, inflação em alta, fuga de capitais. É claro que houve a pandemia, mas mesmo o primeiro ano foi ruim. Já no último, houve melhores resultados. Isso não ocorreu, entretanto, com corte de gastos públicos e sim com expansão: Auxílio Brasil, auxílio caminhoneiro, auxílio gás, antecipação de 13º salário, etc.

Aliás, desde o final do governo Dilma a agenda de austeridade foi implementada e os resultados foram contundentemente fracassados. A despeito de todas as medidas convencionais sugeridas para dinamizar a economia, não houve recuperação até 2022.

O governo Lula 3 promete mudar a rota em definitivo. Diga-se de passagem que o governo começou no final de 2022, através das votações da PEC da Transição e do Orçamento de 2023, ampliando a margem fiscal para recompor investimentos públicos e gastos sociais. A definição de Fernando Haddad na Fazenda parece dar o tom de um ministro alinhado com o presidente, que prometeu na campanha eleitoral tributar os mais ricos, ampliar gastos sociais, aumentar investimento público e reindustrializar o Brasil.

É preciso ter referência que o governo é apoiado também por liberais. Assim, nem todas as pautas são consensuais. Havia um processo de desmanche de políticas de bem-estar social, sobretudo educação e saúde. Parece que progressistas e liberais arejados conseguiram efetuar um consenso de que é preciso fortalecer essas políticas, assim como manter a transferência de renda e mesmo tributar mais os mais ricos. Nesse sentido, a reconstrução de políticas sociais deve ocorrer, não apenas essas, mas também de moradias.

Todos sabem que precisamos de uma ampla reforma tributária, que não apenas simplifique e elimine a cumulatividade de impostos, mas também amplie a progressividade e incentive a competitividade. Todas essas pautas também se tornaram consenso entre liberais e progressistas, ainda que uma reforma tributária ampla seja difícil de executar.

Já no papel do Estado para fazer a economia crescer e reindustrializar o Brasil não há consenso. Então aqui deve haver disputa interna no governo e maior dificuldade de implementar. E, nesse sentido, o papel dos bancos públicos, das estatais e sobretudo o BNDES são focos de disputa.

Uma discussão fundamental é entender por que há estatais e qual foi a relevância delas na história brasileira. A edificação das estatais no Brasil ocorreu porque havia escassez de capital privado para dar conta das enormes carências do País. Além disso, diversos ramos que eram básicos não tinham lucratividade suficiente para atrair capitais. No início do século XX, o capital estava centrado no setor rural e não havia uma burguesia capaz de liderar a industrialização. Na Era Vargas, no governo JK e na ditadura militar houve elevado investimento público em energia, infraestrutura e em indústria de base. Dessa maneira, as estatais foram edificadas para dinamizar o crescimento econômico e para ofertar bens necessários à sociedade, que não necessariamente eram atraentes aos capitais. O Estado tomou a frente, face a uma “burguesia fraca”.

Independentemente de ideias, devemos observar o que ocorreu no mundo objetivo. A sistematização de dados no Brasil iniciou-se em 1947. Desde então, os momentos em que houve crescimento da taxa de Investimento Público em participação do produto no Brasil foram entre 1956 e 1977, após este período até 2005, houve uma redução sistemática desta variável. Entre 2005 e 2010, a taxa de investimento público voltou a subir, invertendo novamente no período posterior, sobretudo após 2015.

De acordo com a ideologia liberal, a redução do investimento público geraria aumento do investimento privado. Porém, quando observamos a taxa de investimento total no Brasil, verificamos que ele cresceu entre 1956 e 1975. Posteriormente, há uma trajetória de queda até 2004. Sobe novamente até 2010, entrando numa fase descendente, mais uma vez. O comportamento é extremamente similar à taxa de crescimento do investimento público.

Já a taxa de crescimento econômico foi mais intensa, com oscilações, entre 1948 e 1962, entre 1968 e 1980, mas com trajetória de queda desde 1974. Entretanto, a variação da renda per capita traduz melhor as condições de vida média. A taxa de crescimento da renda per capita foi superior a 3% entre 1943 e 1980. Houve crescimento importante entre 1968 e 1980, auge do estatismo, e uma retomada digna de nota entre 2004 e 2013.

Após a década de 1980, houve retração das taxas de crescimento econômico. A progressiva queda da taxa de investimento total, empurrada pela retração da taxa de investimento público, reduziu o crescimento. Portanto, a redução dos gastos públicos e os processos de desestatizações não aumentaram a taxa de investimento, mas reduziram.

As utopias liberais deram guarida a um emaranhado fiscal extremamente restritivo no Brasil. Há quatro grandes regras fiscais que impedem o Estado de gastar. Em momentos críticos, é preciso recorrer a novas leis excepcionais para permitir que haja gasto público, a fim de irrigar a atividade econômica. O mercado não tem sido capaz de, sozinho, gerar o volume de investimentos para fazer a economia crescer. É preciso recurso público para fazer políticas anticíclicas. Dessa maneira, está claro que precisamos de um novo marco fiscal e essa é uma das agendas do novo governo, mas que também será fonte de disputas entre liberais e progressistas. Cabe nota que os liberais mais ilustrados mudaram de posição nos últimos anos no debate internacional. Houve uma releitura mundial sobre o papel do Estado na atividade econômica e na mobilidade social.

Em suma, pode-se esperar do governo uma busca por uma reforma tributária e um novo marco fiscal, que viabilize gastos sociais e reconstrução de políticas de bem-estar social, sobretudo educação, saúde, transferência de renda e moradias. Já o papel no investimento público e do Estado para guiar a industrialização do Brasil há menor clareza sobre a coalizão de forças capazes de implementar tal agenda.


*Professor de economia da UFRGS

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

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