?>

Opinião

Cuidadores com Empatia em lugar de Velhofobia

Cuidadores com Empatia em lugar de Velhofobia

Artigo por RED
04/04/2023 05:25 • Atualizado em 05/04/2023 12:40
Cuidadores com Empatia em lugar de Velhofobia

De FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Resenha do livro The Great Demographic Revival, de Charles Goodhart e Manoj Pradhan, que analisa as tendências demográficas em longo prazo

A população brasileira, estimada em 215 milhões com a falta de Censo Demográfico, já deve ter sido ultrapassada pela da Nigéria com 2018 milhões e do Paquistão (231 milhões). Está na sétima posição, abaixo também da Índia, China, Estados Unidos, Indonésia.

Calcula-se ela atingir seu pico em 2046 com 231 milhões e, a partir de então, entrar em processo de queda até 185 milhões em 2100. A população brasileira idosa em 2020 foi estimada em 30 milhões de pessoas (14% do total), mas em seu auge, em 2075, somará 82 milhões idosos ou 38% do total. Posteriormente, entrará em processo de queda absoluta até 75 milhões em 2100, mas aumentará seu relativo para 40%.

Na época do nascimento da “geração do baby-boom”, em 1950, o grupo de idosos de 60 anos e mais de idade tinha somente 2,6 milhões de pessoas, representando meros 5% da população total. Desde 2010, esta “geração 68” – cuja vanguarda em torno de seus 18 anos era rebelde em política e costumes –, entrou em fase de aposentadoria da vida profissional ativa, fora alguns recalcitrantes como eu…

A pílula anticoncepcional foi lançada nos Estados Unidos no dia 3 de maio de 1960. Antes, a taxa de fecundidade no Brasil era de 6,3 filhos por mulher. Desde então, sua redução ocorreu de forma gradativa: 1970 (5,8), 1980 (4,4), 1991 (2,9), 2000 (2,3) e, em 2006, com 2 filhos por mulher, abaixo do necessário para a reposição populacional.

O Brasil era considerado um país com uma “sociedade jovem” até 2010, enquanto o grupo 0-19 anos era o maior grupo etário do país. A população brasileira hoje (entre 2011 e 2033) é considerada “adulta jovem”, quando o grupo etário 20-39 anos é o maior grupo etário do país. Entre 2034 e 2046, o grupo 40-59 anos será o maior grupo etário, fazendo com que a estrutura etária brasileira seja classificada como “adulta”. Mas a partir de 2047, o grupo idoso (de 60 anos e mais de idade) será o maior grupo etário.

As projeções demográficas mostram: o país chegará a 2050 com uma expectativa de vida de quem nascerá nessa data de 81,3 anos. Cem anos antes, em 1950, calculava-se: a “geração do baby-boom” viveria, em média, 48 anos. Era maior expectativa de vida em relação à do início do século XX, quando era de apenas 33 anos!

De acordo com uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde, uma em cada 6 pessoas acima de 60 anos já experienciou algum tipo de preconceito embasado simplesmente nos seus anos de vida. O etarismo (ou ageísmo ou velhofobia) acontece de forma semelhante a outros tipos de preconceito, como racismo e machismo.

O etarismo, relacionado com a idade de uma pessoa, é discriminação capaz de resultar em violência verbal, física ou psicológica. Na sociedade contemporânea, onde a cultura e a sabedoria acadêmica são subvalorizadas frente à “malhação” em academias esportivas, só se valoriza aquilo pressuposto ser produtivo e bonito, simplesmente, por ainda estar jovem. Isto embora ser “bombado, violento e inculto” não seja admirável…

Mas a seta do tempo é irreversível. Os jovens de hoje serão os idosos do futuro. Portanto, a regra comportamental deve ser “trate como gostará de ser tratado”…

O livro The Great Demographic Revival, com coautoria de Charles Goodhart e Manoj Pradhan, foi lançado em 2020. Ele analisa as tendências demográficas em longo prazo, variáveis não restritas à conjuntura e a determinado país, ou seja, pouco merecedoras de atenção por parte de macroeconomistas monetaristas/fiscalistas.

As implicações do agravamento das taxas de dependência futuras, conforme descrito pelos autores, tornam-se ainda mais graves quando os efeitos do envelhecimento sobre a saúde são considerados. O aumento da expectativa de vida implica uma proporção crescente dessa população envelhecida ficar incapacitada com demência e outras causas de dependência, como Parkinson e artrite, muitas vezes com multimorbidade.

Mais da metade (54,0%) da população com mais de 65 anos em 2015 tinha duas ou mais doenças. Como esperado, a multimorbidade aumenta com a idade: em 2015, de 45,7% para pessoas de 65 a 74 anos para 68,7% para pessoas com mais de 85 anos. Aumenta também ao longo do tempo: para 64,4% em 2025 e 67,8% em 2035 para maiores de 65 anos. Sem dúvida, dois em cada três idosos necessitarão de cuidados especiais.

O cuidado envolve apoio pessoal e emocional. Os robôs não podem ter empatia – colocar-se no lugar do outro –, embora possam ser de algum suporte nas atividades físicas e de monitoramento. Por isso, apesar da robotização, uma parcela crescente da força de trabalho, da família ou não, será redirecionada para cuidar dos idosos.

Esses serviços não são substituídos pela automação. Este trabalho envolve várias qualidades humanas como empatia, paciência, gentileza e comunicação.

O aparecimento da demência, da qual o Alzheimer é o tipo mais comum e mais conhecido, torna os seus doentes cada vez mais incapazes de realizar as atividades normais da vida diária. Portanto, necessitam de cuidadores e assistência permanente.

demência contempla um grupo de sintomas, caracterizado pela disfunção de pelo menos duas funções do cérebro, como a memória e o discernimento. Envolve esquecimento, habilidades sociais limitadas e habilidades cognitivas prejudicadas a ponto de interferir no reconhecimento de pessoas muito próximas, inclusive familiares.

A prevalência de demência aumenta exponencialmente com a idade. É incomum ter demência antes dos 65 anos, mas o escore de risco de demência para aqueles com mais de 85 anos é quatro vezes maior em relação a aqueles com 75 anos.

Pior, a demência é uma das várias causas de dependência, ao lado de, por exemplo, artrite e Parkinson. Ambos os danos à saúde também aumentam com a idade.

Nos casos do câncer e das doenças cardíacas, a mortalidade geralmente ocorre relativamente cedo. Já os dementes sofrem em um alto nível de intensidade por muitos anos, até décadas, necessitando de cuidadores pacientes com o sofrimento deles.

Mesmo caso a detecção precoce da demência seja oportuna, as perspectivas de retardar a doença ainda estão incertas. Além disso, uma cura definitiva não está à vista.

Os principais custos associados recaem sobre aqueles com sofrimento de demência, seja no custo médico explícito, seja na redução da qualidade de vida. O segundo fardo mais pesado recai sobre os cuidadores.

Quando os cuidadores não são profissionais, geralmente são familiares (ocasionalmente amigos), geralmente parceiros ou filhos. Atuam como cuidadores não remunerados de pessoas com demência, pelo menos até quando a demência e/ou comorbidade se torne tão extrema a ponto de o demente ter de ir para tratamento especializado em um hospital ou casa de repouso.

A fragmentação familiar como divórcios, maior dispersão geográfica dentro das famílias e ingresso feminino no mercado de trabalho dificulta a prestação de cuidados no domicílio. Pode deixar mesmo quem tiver “baixa dependência” significativamente pior.

A terceira categoria de custos, os custos de P&D em tratamentos de demência, tem sido muito baixo. A principal razão é, até recentemente, nada ter funcionado bem, nem medicamentos nem simples medidas de apoio em Saúde Pública.

O envelhecimento exigirá quantidades cada vez maiores de trabalho serem redirecionadas para o cuidado dos idosos exatamente no momento quando a força de trabalho começa a diminuir. Uma parcela da força de trabalho cuidadora dos idosos produzirá serviços – produtor na presença direta com o consumidor – para uso imediato em vez de bens de consumo durável.

Logo, o restante da força de trabalho precisará aumentar sua produtividade para gerar uma quantidade maior de produção futura. Além disso, contra a vontade dos neofascistas xenófobos, a globalização futura exigirá livre fluxo de mão-de-obra imigrante para suprir a demanda por cuidadores.

Como a prevalência de demência aumenta exponencialmente com a idade e os cuidados sociais ainda são limitados, as crianças nascidas após a criação da pílula anticoncepcional, agora com idade acima de 60 anos, estão mais propensas a ter de lidar com pais dependentes (e dementes) em comparação ao caso de gerações anteriores.

Antes, as pessoas eram em sua maioria livres de cuidados de dependência (filhos e pais) por após os 40 anos até a aposentadoria, justamente quando seus rendimentos eram mais elevados. Isso resultava em poupança ou maior reserva financeira.

Agora, as pessoas estão mais livres de dependência (cuidar de filhos e pais) apenas dos 20 aos 30 anos, quando os rendimentos são mais baixos. E não se pensa em economizar por estar em fase reprodutiva e necessitar atrair o sexo oposto para acasalamento.

Por isso, casados a partir dos 30 anos, quase de forma contínua até a sua própria aposentadoria/demência, terão de cuidar de seus próprios filhos e, em seguida, atenderão a necessidade de ajudar a cuidar de seus pais. Cuidar de dependentes, sejam filhos ou pais idosos, exige tempo, esforço e dinheiro, portanto, Educação Financeira.


*Doutor e Mestre em Ciências Econômicas. Professor na Universidade Estadual de Campinas e ex vice-presidente da Caixa Econômica Federal.

Publicado originalmente em GGN.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

Toque novamente para sair.