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Opinião

Copa 2022: talento da seleção brasileira pode ser diferencial decisivo

Copa 2022: talento da seleção brasileira pode ser diferencial decisivo

Artigo por RED
29/11/2022 04:00 • Atualizado em 29/11/2022 17:57
Copa 2022: talento da seleção brasileira pode ser diferencial decisivo

Por FLAVIO AGUIAR*, de Berlim

A mídia europeia e mundial derramou elogios desmedidos diante do segundo gol brasileiro e de Richarlison, de voleio, como se diz na gíria desportiva. Sublinharam o “talento” do atacante. Houve um comentarista alemão que atribuiu este termo, “talento”, ao conjunto da equipe brasileira, algo que, segundo ele, poderia fazer o diferencial decisivo numa Copa em que quase todas as seleções seguem um mesmo esquema tático, o chamado 4 – 4 – 2, basicamente defensivo e popularizado a partir dos anos 70 do século passado.

É um esquema que atua com quatro zagueiros em linha, às vezes até 5, com um pivô colocado um pouco mais à frente. Aponta para o fato de que a maior preocupação nas táticas atuais é a de não tomar gols, ao invés de fazê-los. Esse esquema contribui para nivelar o desempenho as equipes, diminuindo a distância entre aquelas tradicionalmente consideradas de excelência e as médias. Facilita a ocorrência de “zebras”, como a derrota da Argentina para a Arábia Saudita e da Alemanha para o Japão. Neste último caso, que traumatizou a mídia alemã, o diferencial foi a velocidade dos japoneses, sobretudo no gol da vitória.

Desde os tempos em que o futebol começou a ser exportado da Inglaterra, onde nasceu, para o mundo, o resultado dos jogos foi marcado por uma combinação de dois fatores: esquema tático, combinando disciplina coletiva e inovação, de um lado, e do outro o talento individual dos jogadores. O primeiro fator destaca o trabalho do técnico e a preparação física; o segundo, a habilidade com a bola e eventualmente a liderança em campo.

Esquema tático “Pirâmide”

O primeiro esquema tático, difundido internacionalmente a partir de 1891, foi o da chamada “Pirâmide”: goleiro, dois zagueiros, três médios e cinco atacantes. Sua presença foi tão forte que durante muito tempo, mesmo depois que as equipes adotaram outros esquemas táticos, ele ordenou a escalação dos times. Exemplo: em 1958, quando o Brasil já atuava com o chamado 4 – 2 – 4 ou o 4 – 3 – 3, os locutores ainda descreviam a escalação assim: Gilmar, Bellini e Orlando; Djalma Santos, Zito e Nilton Santos; Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo (o time da final, contra a Suécia).

No final dos anos 20, quando foi introduzida a atual forma da lei do impedimento, o técnico inglês Herbert Charpman inovou o esquema, com uma distribuição que também correu mundo: o chamado “WM”, tão estático quanto eficiente: três zagueiros, dois médios à frente, dois meia armadores e três atacantes, dois pelas pontas e um centroavante. Com a progressiva adoção de números nas camisetas, este esquema evidenciou a nove, a do centroavante, como uma das mais valorizadas numa equipe. Foi a partir de 58 que Pelé consagrou a camisa 10 como a de maior destaque.

A grande inovação seguinte foi a adoção, a partir das seleções da Hungria, em 1954, e do Brasil, sobretudo em 1958, do já mencionado 4 – 2 – 4, com sua variante 4 – 3 – 3, com o ponta-esquerda Zagallo jogando recuado, em auxílio ao meio do campo. Este esquema, mais ágil e dinâmico do que o “WM”, impôs-se também graças à liderança em campo de jogadores que atuavam como “organizadores do time”, como Ferenc Puskas, da Hungria, Didi, do Brasil, Kopa, da França, tão importantes como os goleadores. A invenção do 4 – 2 – 4 é atribuída ao brasileiro Martim Francisco, quando treinador do Villa Nova Atlético Clube, de Nova Lima, na Grande Belo Horizonte, no começo dos anos 50.

“Laranja Mecânica”

A novidade subsequente se deu com Rinus Michels, nos anos 70, com a invenção do chamado “Carrossel Holandês”, também apelidado de “Laranja Mecânica”, devido à cor da camiseta do time. Nele, todos os jogadores se capacitam a jogar em todas as posições, com exceção do goleiro.

Mas nem tudo é inovação no futebol. Em 1954 os criativos húngaros, apelidados de “Mágicos Magiares”, caíram na final perante os disciplinados alemães ocidentais, comandados por Fritz Walter. Depois de estar perdendo por 2 x 0, os alemães viraram o jogo para 3 x 2. Em 1974 os holandeses, liderados pelo legendário Johan Cruijff, caíram na final de novo diante dos disciplinados germânicos, liderados pelo também legendário Franz Beckenbauer. Em 1978 os holandeses perderam a final novamente, mas desta vez para os nem tão disciplinados argentinos, liderados por Passarella e Kempes.

Em 1958 os fotógrafos brasileiros pediram ao capitão Bellini que erguesse a taça Jules Rimet para melhor fotografá-la. Ele o fez, e seu gesto, então inovador, consagrou-se como o preferencial para simbolizar a vitória em qualquer esporte. Vamos ver se desta vez, depois de 20 anos de jejum, o capitão Thiago Silva consegue repetir o feito, “erguendo a taça” para o Brasil.


* Jornalista e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).

Publicado originalmente em rfi. 

Foto – Lucas Figueiredo/Divulgação CBF.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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