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Consciência Negra: o Brasil Só Será Justo Quando For Verdadeiramente Multirracial

Consciência Negra: o Brasil Só Será Justo Quando For Verdadeiramente Multirracial

Geral por RED
20/11/2024 11:00 • Atualizado em 20/11/2024 17:47
Consciência Negra:  o Brasil Só Será Justo Quando For Verdadeiramente Multirracial

Por ALEXANDRE CRUZ*

A Semana da Consciência Negra é mais do que uma data no calendário: é um marco de resistência, memória e celebração de uma das principais matrizes que moldaram a identidade brasileira. celebrado em 20 de novembro, é oficialmente um feriado nacional em homenagem a Zumbi dos Palmares, ícone da luta contra a escravidão e símbolo da liberdade e da dignidade do povo negro. Mas a importância dessa data vai além do reconhecimento formal; ela nos convida a revisitar nossa história e a construir um futuro mais justo e igualitário.  É uma oportunidade para o Brasil, enquanto nação, refletir sobre os pilares culturais, sociais e econômicos erguidos pelo povo negro, mas também para confrontar as desigualdades e o racismo estrutural que ainda ferem nossa sociedade.

O Dia da Consciência Negra foi idealizado pelo poeta, professor, pesquisador e militante negro Oliveira Silveira. Em 1971, durante uma reunião do Grupo Palmares, em Porto Alegre, Silveira propôs que o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, fosse escolhido como símbolo da luta negra. Essa escolha não foi apenas uma homenagem a Zumbi, mas também uma forma de romper com a narrativa oficial que até então celebrava o 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea. Oliveira e os demais integrantes do Grupo Palmares entenderam que a abolição oficial, por si só, não representava a emancipação real do povo negro.

O papel de Oliveira Silveira e do Grupo Palmares foi crucial para resgatar a memória e a história de resistência negra no Brasil. Sua proposta deu início a um movimento que, anos depois, culminaria no reconhecimento oficial da data como um momento de reflexão nacional.

No Rio Grande do Sul, em 1987, Joaquim Moncks, então deputado estadual pelo PMDB, propôs e instituiu o Dia Estadual da Consciência Negra. Esse gesto foi importante ao formalizar a data no âmbito político estadual, mas deve ser entendido como uma continuidade e amplificação da luta iniciada pelos militantes negros. Moncks, portanto, não foi visionário na criação da ideia, mas atuou como um articulador político que deu visibilidade legislativa a um movimento já consolidado pela militância negra.

A escolha do 20 de novembro não é fortuita. A data homenageia Zumbi dos Palmares, símbolo maior da resistência contra a escravidão. Zumbi personifica a luta pela liberdade, pela dignidade e pela igualdade. Reconhecer essa data como feriado nacional é, portanto, um ato de afirmação da nossa história real, aquela que carrega tanto as cicatrizes do passado escravocrata quanto a força de um povo que, mesmo diante das adversidades, construiu e continua a construir este país.

A cultura negra pulsa em cada esquina do Brasil: no samba, no candomblé, no maracatu, no jongo, na culinária, na moda, na linguagem e na arte contemporânea. Tudo isso são legados que devemos celebrar com orgulho, mas também com responsabilidade. Afinal, reconhecer a cultura negra sem discutir as disparidades ainda existentes é abraçar apenas parte da causa.

No contexto da Semana da Consciência Negra, é fundamental destacar a relevância da agricultura familiar, especialmente nas comunidades quilombolas, que são fundamentais para a preservação das tradições culturais e para a resistência histórica. A agricultura familiar, praticada por essas comunidades, não só garante a segurança alimentar, mas também promove a autonomia econômica e o fortalecimento da identidade negra, contribuindo para a valorização da cultura afro-brasileira. Este modelo de produção é um símbolo de luta, preservação de saberes ancestrais e um caminho para o reconhecimento das conquistas e das dificuldades enfrentadas pelos negros no Brasil.

Além disso, é crucial reconhecer as políticas públicas do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e outras iniciativas que, por meio de programas como o Programa Brasil Quilombola e o Pronaf Quilombola, têm garantido o acesso a crédito e assistência técnica às comunidades quilombolas, apoiando o fortalecimento da agricultura familiar e a preservação de seus modos de vida. Essas ações representam um importante avanço na luta por direitos e na promoção da igualdade racial, reconhecendo a especificidade e a importância dessas comunidades para o desenvolvimento sustentável do país.

Hoje, os índices de desigualdade deixam claro que o Brasil precisa de mais do que palavras. A maior parte da população negra ainda vive nos estratos mais baixos de renda e acesso a oportunidades. É essa realidade que faz da Semana da Consciência Negra um espaço para debates urgentes: sobre cotas, reparação histórica, políticas de inclusão e o enfrentamento do racismo em todas as suas formas.

No entanto, é fundamental pontuar que nem mesmo em todos os setores progressistas a pauta da consciência racial recebe o protagonismo que merece. Há quem, no campo da esquerda, trate a pauta identitária como secundária, quase como uma distração diante de agendas consideradas “mais universais”. Essa visão é profundamente equivocada e, como diria a filósofa Nancy Fraser, reflete uma falsa dicotomia entre redistribuição e reconhecimento. Fraser argumenta que justiça social não se sustenta sem que ambos os pilares sejam tratados de forma interdependente. Negar a centralidade das lutas identitárias é, no fundo, uma forma de ser identitário ao inverso, promovendo uma visão antidentitária que invisibiliza desigualdades concretas em nome de um suposto “universalismo” que apenas perpetua privilégios.

Uma democracia plena é, necessariamente, uma democracia multirracial. Não há como alcançar igualdade substantiva ignorando que as hierarquias raciais moldaram – e continuam a moldar – as estruturas de poder e opressão no Brasil. Relegar as questões raciais a um papel secundário equivale a legitimar o status quo de um país onde ser negro ainda significa, muitas vezes, ser tratado como cidadão de segunda classe.

Que o Dia da Consciência Negra não seja apenas uma pausa para lembrar, mas um convite para agir. Que cada brasileiro, independentemente de sua cor, reconheça que a luta por igualdade racial não é um compromisso de poucos, mas um projeto de todos. Uma democracia verdadeira não teme sua pluralidade; ela a abraça e a celebra. Portanto, que esta data continue a ecoar a força de Zumbi, a visão de Oliveira Silveira e a coragem de cada homem e mulher negra que resistiu e resistirá, até que o Brasil seja, de fato, uma terra de justiça, respeito e oportunidades para todos.

 

*Alexandre Cruz é jornalista político.

Foto de capa: Divulgação/Reprodução

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