Opinião
Comunicação errática x comunicação para o povo: o começo de toda a mudança
Comunicação errática x comunicação para o povo: o começo de toda a mudança
De MANUEL PETRIK*
Muitos são os aspectos que podem ser contemplados em termos de comparações possíveis nesta época de transição de governos. Políticas de inclusão social, relações exteriores, meio ambiente, o papel das Forças Armadas, e composições políticas no Congresso são temas comuns nesses períodos.
A velha dicotomia entre monetaristas x desenvolvimentistas, bem explorada em artigo aqui na RED por José Luís Fiori, é um exemplo dominante no debate sobre os rumos macroeconômicos do país. Sem dúvida, são temáticas essenciais, cuja discussão é fundamental para a conquista de avanços sociais dos quais o Brasil é tão carente. Entretanto, geralmente fica esquecido outro ponto não menos importante e que, de certa forma, perpassa e acompanha todos esses tópicos.
Refiro-me à Comunicação. A troca de mensagens e a forma como é feita fundamenta toda a cena política, permitindo os avanços e recuos necessários para a consolidação das propostas dos temas acima citados. Mais do que isso, a estratégia comunicacional adotada é reveladora de onde se pretende chegar.
Nos últimos quatro anos, o Brasil foi assombrado por um festival de bizarrices estapafúrdias, de informações sem sentido a teorias conspiratórias toscamente elaboradas, num primarismo significativo poucas vezes visto. Subitamente, diversas instâncias foram obrigadas a despender tempo em reafirmar que a terra não é plana, que vacinas não transformam ninguém em jacaré, que bois não são bons bombeiros para queimadas, que cloroquina não é eficaz contra a Covid-19, ter uma filha mulher não é “uma fraquejada”, entre outros enunciados sórdidos.
Jean Baudrillard, divulgado entre os gaúchos pelo professor Juremir Machado da Silva, teorizou sobre simulacros e simulações que nos solapam constantemente em uma sociedade hipermidiatizada. “O simulacro é verdadeiro e revelador”, seria uma das sínteses possíveis da obra do grande pensador francês. A comunicação errática e descabida proposta pelo ex-capitão, como simulacro do absurdo, tinha como meta desviar a atenção do grande público para seus reais objetivos: supressão dos direitos dos trabalhadores, privatizações de cartas marcadas e a difusão de uma crença nas capacidades individuais para o empreendedorismo que se reflete, de fato, em um processo de “uberização” da economia, cujo resultado principal é a precarização do trabalho. Ao mesmo tempo, servia a fazer avançar uma agenda retrógrada e reacionária de costumes e modos de vida, de viés pseudo-religioso, colocando o Brasil em alinhamento com o atraso da extrema-direita mundial.
Deixemos de lado o nefasto passado recente. Lula é mestre na comunicação ampliada. Tachado de populista, nada mais faz do que levar à política termos, sentenças e discursos moldados pela experiência pessoal de retirante, metalúrgico, líder sindical e político exitoso. Fala para o povo porque, inegavelmente, é do povo e sabe quais são os sistemas de significação e representatividade que realmente importam na vida cotidiana das fatias mais populares da sociedade. Tem-se, enfim e novamente, um presidente que “fala a mesma língua”, compreende e comunica com maestria as aspirações sociais mais profundas. Sob o ponto de vista da simbologia, deixa-se de lado um emaranhado de articulações de cunho diversionista e confuso para se estabelecer uma real conexão com vastas populações.
Alguns podem argumentar que essa não é uma mudança relevante, pois orbita num plano abstrato, impossível de ser mensurado objetivamente. Mas há uma melhora que, embora não mensurável, é perceptível ao longo de anos, como foi observado entre 2003 e 2010. Falar com, pelo e, sobretudo, como o povo, altera a autoestima de uma população e essa é a faísca mais necessária para o desencadeamento das mudanças mais profundas que tanto pretendemos para o Brasil.
*Jornalista, doutor em Comunicação pela PUC-RS.
Foto: Pixabay
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