Opinião
Como vai o Rio Grande Amado? Segundo o Censo, muito mal, obrigado
Como vai o Rio Grande Amado? Segundo o Censo, muito mal, obrigado
De CARLOS ÁGUEDO PAIVA*
⦁ Introdução: os problemas do Censo 2022
O levantamento do Censo Demográfico de 2022 passou por inúmeros problemas. Já no início da gestão Bolsonaro (2019), o IBGE passou por uma redução de orçamento para a realização do Censo, de 3,4 bilhões para 2,4 bilhões. O “(des)ajuste” envolveu uma mudança radical no questionário, com a supressão de um amplo conjunto de questões que deprimiam a comparabilidade dos resultados do Censo – previsto para 2020 – com os Censos anteriores.
Por contraditório que pareça e seja, a emergência da pandemia ao final de 2019 impôs um adiamento do Censo, que foi benéfico para o conjunto de agentes e setores que se utilizam das informações censitárias para a otimização de seus resultados, tais como Universidades e demais centros de pesquisa, estruturas e organizações de governo e agentes privados, que se servem do Censo para acompanhar a dinâmica do mercado.
Ao longo de 2020 e início de 2021, o orçamento do IBGE para o Censo foi ampliado e o questionário foi refeito com a introdução, inclusive, de questões novas e muito elucidativas (sobre, por exemplo, domicílios improvisados e moradores de rua).
Estas “conquistas tardias” não implicam negar os elevados custos associados ao adiamento, às idas e vindas da previsão orçamentária, das prolongadas disputas em torno do questionário e da pesada polarização político-ideológica que abalou o país nos últimos anos. Por exemplo: nunca, dantes, houve uma percentagem tão elevada de residências ocupadas cujos moradores se recusaram a responder ao Censo: 4,23% do total. Mais de 3 milhões de residência, 43% das quais localizadas no Estado de São Paulo.
Não obstante, ao contrário do que muitos pensam, estas “anomalias” têm um impacto muito pequeno sobre a acuidade informacional do Censo. Ocorre que não há um único Censo. Mas dois. Há o Censo propriamente dito, que envolve o levantamento de dados de todos os domicílios com moradores. E há a amostra censitária, que realiza um levantamento detalhado, sistemático e significativo (em termos estatísticos) de dados de alguns domicílios de cada município (normalmente, menos de 5% do total). É da Amostra Censitária que são extraídas as informações mais importantes para o diagnóstico da população brasileira realizado a partir dos levantamentos demográficos decenais. E a despeito da recusa de muitos domicílios em atenderem os recenseadores, a amostra censitária continua válida e permite a realização de inferências rigorosas. Mesmo nos municípios mais bolsonaristas, negacionistas e avessos à investigação estatística e científica. Aliás, vale observar que não há uma relação simples e direta entre bolsonarismo e não responsividade ao Censo: a despeito de São Paulo e Rio de Janeiro serem os dois Estados com maior taxa de não responsividade, e do Nordeste apresentar baixíssimo índice de domicílios ocupados não respondentes, de outro lado, Rondônia foi o Estado com maior taxa de resposta e o RS encontra-se em modesto 22º. lugar em não atendimento aos recenseadores.
Não obstante, os resultados preliminares do Censo de 2022 vêm alimentando um conjunto de dúvidas acerca de sua acuidade. Dúvidas que reverberam sobre a confiabilidade e consistência do sistema estatístico nacional, que é monitorado pelo IBGE. Para além dos conhecidos problemas e “idas e vindas” do levantamento censitário, há um outro determinante das dúvidas manifestas por gestores públicos e reverberada pela grande mídia: a discrepância entre a população estimada para o Brasil em 2021 – 213,3 milhões – e a população censitada em 2022 – de apenas 203 milhões. Se tomamos os dados do Censo como referência de exatidão, o IBGE teria sobrestimado a população brasileira nos anos anteriores.
A crítica parece correta e pertinente. Mas não é. As discrepâncias entre populações estimadas e censitadas são sistemáticas. Não é de hoje que se sabe que as regras do Censo levam à subestimação da população domiciliada em cada município e, por extensão, nas UFs e no Brasil. Por quê? Porque após um determinado número de visitas (entre 3 e 4, a depender do período de sua realização), as residências onde não há qualquer retorno ou atendimento são classificadas como desabitadas. Mas, evidentemente, a ausência detectada pode ser eventual. Se os moradores trabalham pela manhã e pela tarde, estudam à noite e costumam fazer suas refeições fora de casa, há uma chance não desprezível de todos se encontrarem ausentes nas 3 ou 4 visitas realizadas.
Por oposição, as estimativas populacionais municipais, estaduais e nacionais levam em conta um amplo conjunto de informações, envolvendo: 1) registros de nascimento; 2) registros de óbitos; 3) utilização de serviços públicos de saúde (Datasus) e educação (Censo Escolar); 4) declarações fiscais (ICMS, IRPF, etc.) 5) consumo de energia elétrica e combustíveis; 6) informações sobre imigração para o exterior. O resultado é que, de forma sistemática, as estimativas populacionais superam as (também elas) estimativas censitárias.
⦁ Análise da População
Na Tabela 1, abaixo, apresentamos a evolução da população brasileira entre 2001 e 2022. Três informações são “censitárias”: 2007, 2010 e 2022. Nos demais anos, usamos as estimativas populacionais calculadas pelo IBGE. Em 2007 ocorreu a contagem, que tem previsão decenal, nos intervalos do Censo. Ela só não ocorreu em 2017 porque o Governo Temer não fez previsão orçamentária. Nas Contagens, ao contrário dos Censos, a única pergunta feita nas residências é sobre o número de residentes. Mesmo assim, houve uma queda na população em 2007 com relação a 2006. Que é compensada pela elevação extraordinária da taxa de variação em 2008. Por quê? Porque as estimativas também são confiáveis, e o IBGE ajusta a subestimação da Contagem aos dados obtidos de forma secundária nos anos entre 2001 e 2006. O mesmo ocorre em 2010, ano do Censo: cai a população. Mas em 2013 a taxa de crescimento imputada é extraordinária. E o mesmo voltou a ocorrer em 2022. É de se esperar algum ajuste das estimativas nos próximos anos, com vistas a enfrentar a subestimação recorrente nos levantamentos censitários.
Como a diferença entre a estimativa de 2021 e a população censitada em 2022 foi maior do que das vezes anteriores, é provável que, desta feita, tenha havido, também, uma sobrestimação da expectativa da população para os anos anteriores. De qualquer forma, é de se esperar um ajuste em 2024 e/ou 2025 elevando, mais uma vez, a população estimada; com vistas a corrigir o viés de subestimação típico dos Censos.
Analisemos, agora, os resultados preliminares do Censo de 2022. Antes de mais nada, cabe observar que a tendência à subestimação da população censitada é universal; vale dizer: ela não afeta a dinâmica comparada do Estados. Ainda que a avaliação da população do Brasil, do RS e de Santa Catarina (que estarão no centro de nossa análise) estejam subestimadas, a relação entre elas pouco irá se alterar.
O principal ponto a destacar na Tabela 2, acima, é a enorme distância entre a dinâmica demográfica do RS (1,74% em doze anos) e de Santa Catarina (21,78% no mesmo período). SC assumiu a segunda posição dentre as Unidades de Federação com maior crescimento populacional do país. Apenas Roraima (com um crescimento de 41,25% nos doze anos) superou SC. Mas vale lembrar que RR se beneficia da parca população inicial (450 mil habitantes em 2010) e da transumância em direção ao território que apresentava a menor densidade demográfica do país em 2010. Após a vigorosa migração para RR – num movimento alimentado pela liberalidade do (des)governo Bolsonaro com o garimpo ilegal em terras indígenas – a densidade demográfica de RR superou a do Amazonas.
Mas, para nós, o que importa entender é como um Estado do Sul, de ocupação consolidada, teve um crescimento populacional 3,38 vezes superior ao crescimento da população brasileira e 8 vezes maior que o RS.
Na terceira Tabela, acima, observamos a dinâmica demográfica nacional de uma perspectiva mais ampla (longo prazo), tomando os Censos de 1970 e 2000 como base de comparação com a população de 2022. Em ambos os casos, vemos que o RS ocupa o último lugar em taxa de crescimento populacional comparado (27ª.). Já SC ocupa a 12ª. posição, quando se toma 1970 como ano inicial e a 5ª. posição se tomamos 2000 como ano base.
Qual é a importância desta diferença tão marcante de dinâmica demográfica do RS e de SC? Ela é dúplice. Em primeiro lugar, ela denota uma enorme diferença em termos de atratividade dos dois territórios. Ora, um território é atraente em função da qualidade de vida que ele proporciona. E um dos fatores centrais para a qualidade de vida é emprego e renda. É evidente que os diferenciais expressivos nas taxas de crescimento populacional destas duas UFs limítrofes e de colonização similar não se devem, nem a diferenciais fertilidade, nem a diferenciais de mortalidade. Eles se devem a diferenciais de fluxo e saldo migratório: Santa Catarina atrai imigrantes de outras UFs do Brasil, inclusive do RS. Enquanto o RS expulsa parte de sua população, que busca melhores condições de vida em outras UFs.
Em segundo lugar, é preciso entender que a dinâmica demográfica é a expressão do crescimento de um fator de produção importante: o fator trabalho. Se o RS estivesse apresentando uma taxa de crescimento da produtividade muito superior ao resto do Brasil (e, em particular, muito superior a SC), esta “exportação de mão de obra” seria uma questão menor. Mas sabemos que não é este o caso. A produtividade do trabalho vem crescendo a taxas muito discretas em todo o Brasil há décadas. De forma que o crescimento do produto e da renda passa a ser função, também, da disponibilidade e fs qualidade dos recursos humanos. O RS tem perda líquida de recursos humanos. E aqueles que migram são, em geral, os mais qualificados. As consequências já estão se manifestando e se manifestarão com maior amplitude nos próximos anos.
⦁ Análise de Domicílios
As duas Tabelas abaixo – 4 e 5 – trazem informações sobre o crescimento do número de domicílios no Brasil nos últimos 12 anos. Foram criados 23 milhões e 120 mil novos domicílios entre 2010 e 2022, um crescimento de 34,2% em relação a 2010. Mas 8 milhões e 40 mil destes novos domicílios não estão ocupados. Houve um crescimento de 80% dos domicílios desocupados no Brasil no período. Este crescimento assombroso parece ser um desdobramento (ainda que postergado, com uma certa defasagem temporal) das políticas distributivas dos Governos do PT entre 2003 e 2016. Vale dizer, ele vai muito além do Minha Casa Minha Vida, e retrata a canalização de uma parcela da renda extra da população de classe média para investimentos em bens de raiz. Este tipo de investimento tem baixa liquidez, mas é particularmente seguro e gera rendimentos não desprezíveis sob a forma de aluguéis; sejam eles implícitos (no caso de uso próprio), sejam explícitos (no caso de arrendamento para terceiros). Os benefícios associados à segurança e rentabilidade fazem do investimento imobiliário a forma preferencial de aplicação de recursos por aquela parcela da população menos acostumada e afeita ao jogo especulativo financeiro; em especial à classe média baixa emergente.
Porém, os dados do Censo indicam que uma percentagem não desprezível dos investimentos imobiliários gerou um rendimento aquém do esperado. Afinal, apenas 34,1% dos novos domicílios vagos (2 milhões 739 mil) foram classificados como “para uso eventual” (vale dizer, para veraneio). A maior parte deles, encontra-se vago em sentido estrito: rigorosamente desocupados. E, neste caso, trata-se de um desdobramento de uma oferta superior à demanda para aluguel e/ou aquisição de novas residências.
Simultaneamente, o crescimento dos moradores de rua foi tamanho nos últimos anos que o Censo de 2022 incluiu uma nova classe de domicílios: os improvisados; que envolvem desde a ocupação de prédios inacabados, até tendas nas ruas. O IBGE identificou 66 mil domicílios improvisados no Brasil. Tendo em vista que esta é uma categoria nova e que parte dos domicílios improvisados são “móveis” (no caso das tendas), é muito razoável supor que o número de “improvisados” seja muito superior àquele contabilizado pelo IBGE.
A Tabela 5, abaixo, apresenta a taxa de variação dos domicílios no Brasil e em cada UF. Cabe observar que o RS (com um crescimento de 1 milhão e 84 mil domicílios, 25,5% do saldo de 2010) ocupa a 26ª. posição em termos de taxa de variação no Brasil (que foi de 34,21%). Somente o RJ apresentou uma taxa (25,32%) discretamente menor de crescimento dos domicílios com relação ao RS (mas com uma variação absoluta maior: 1 milhão e 559 mil novos domicílios). Por oposição, SC encontra-se em 6º. lugar no ranking nacional, com um crescimento de 1 milhão e 47 mil domicílios, quase o mesmo número absoluto do RS, mas com uma taxa de 43,12% com relação ao saldo de 2010.
O ponto mais interessante, contudo, é que, a despeito de uma taxa de variação muito maior, a taxa marginal (referida ao saldo de novos domicílios) de desocupação em sentido estrito (vale dizer, domicílios vagos, por oposição a domicílios para uso eventual) em SC é muito menor do que a do RS; respectivamente 10,1% no caso de Santa Catarina e 25,64% para o caso do RS. É por isso que na Tabela 6, abaixo, o RS, entre 2010 e 2022, ultrapassa SC na percentagem de domicílios vagos: a explicação encontra-se na elevada subutilização dos domicílios produzidos nos últimos 12 anos.
É fácil perceber que este resultado é consistente com as dinâmicas demográficas distintas dos dois Estados: como a população cresce mais em SC, os novos domicílios encontram demanda por parte daqueles que imigraram para o território. Por oposição, o RS, ao perder população, fica com um saldo de domicílios que não encontram, nem comprador, nem mercado para alugar.
⦁ A dinâmica demográfica nas distintas regiões do RS
Todos nós temos uma boa noção do mapa do Brasil. Mas existem inúmeras regionalizações do RS. A despeito dos Coredes serem o padrão mais comum de divisão regional utilizada em análises, poucas pessoas são capazes de associar o nome de cada Corede ao território correspondente no RS. Assim, ao invés do operarmos principalmente com Tabelas, vamos privilegiar o uso de Mapas. No Mapa 1, abaixo, tomamos por referência a dinâmica demográfica entre 2010 e 2022. As regiões pintadas de vermelho são aquelas que perderam população em termos absolutos nestes doze anos: há menos domiciliados hoje do que havia há 12 anos atrás.
As regiões pintadas em cor “pastel” são aquelas que apresentaram algum crescimento demográfico (acima de 0%) nos últimos 12 anos, mas que ficaram aquém do crescimento do RS (1,74% em doze anos)
As regiões pintadas de verde claro são aquelas que apresentaram uma taxa de crescimento populacional superior à taxa de crescimento do RS (1,74%) e inferior à (também modesta) taxa de crescimento do Brasil (6,45%).
Por fim, as regiões pintadas de azul são aquelas que apresentaram uma performance demográfica superior à performance nacional. Note-se que elas todas estão situadas no Nordeste do Estado. Este é o RS que “está dando certo”. Que RS é este? É, de um lado, o RS agroindustrial e metalmecânico (Produção e Serra). E, de outro lado, é o RS turístico. E este “outro lado” vem demonstrando uma pujança maior do que o “um lado”. Para que se entenda este ponto precisamos ir para a Tabela 7 abaixo e analisa-la rapidamente. A grande novidade do Censo de 2022 não é apenas a ampliação da área em vermelho do RS (compare os Mapas 1 e 2 abaixo). Ainda mais importante é o fato de que a Região Metropolitana – coração pulsante e principal motor da economia do Estado – perdeu população. Não há como deixar de acender o sinal vermelho. O RS, definitivamente, não vai bem.
Mas alguém poderia se perguntar se o mau desempenho do RS e suas regiões não poderia ser explicada – pelo menos em parte – pelos problemas já apontados sobre a tendência à subestimação da população nos Censos. Voltamos a um ponto já levantado: os erros que porventura ocorreram foram universais. Na verdade, a estrutura do IBGE do RS é uma das melhores do Brasil. Similar (senão superior) à estrutura de Santa Catarina e do Paraná. E estes dois Estados apresentaram crescimento populacional. SC ficou em segundo lugar no país e o PR em oitavo lugar. Ambos com uma dinâmica demográfica superior à média do país. É preciso parar de cantar “sirvam nossas façanhas” e entender que o problema do RS é interno.
Tomemos a última coluna do grupo hachurado de azul na Tabela acima. Os Coredes estão hierarquizados pela taxa de crescimento demográfico. Quem se encontra em primeiro lugar na taxa de variação da população entre 2010 e 2022? O Corede Litoral. Quem vem em segundo lugar? O Corede Hortênsias.
Estes dois Coredes são movidos pelo Turismo. Ainda que sejam turismos distintos. O Turismo do Litoral vem evoluindo de um turismo de veraneio para o que os economistas chamam de “turismo permanente” (apesar dos turismólogos considerarem esta categoria uma contradição em termos). O turista permanente é aquele sujeito que opera economicamente como turista: ele gasta uma renda auferida em outra localidade no local que ele elegeu para usufruir de lazer e de melhor qualidade de vida. Ele não disputa no mercado de trabalho e de bens e serviços: tudo o que ele oferece é …. demanda. O Litoral cresce com os aposentados que vão viver em sua (antiga) segunda residência. E abandonam o seu local de moradia inicial.
Acho que vale a pena observar o que a população que o Litoral ganhou nos últimos 12 anos é pouco superior à população que o Corede Metopolitano perdeu. Parece-me que esta relação não é meramente casual ou aparencial: parcela não desprezível dos proprietários de segunda residência no Litoral são servidores públicos, profissionais liberais e/ou micro e pequenos empresários da RMPA que avançaram em idade e se aposentaram nos anos recentes.
Mas há um outro ponto importante no perfil dos Coredes que apresentaram um crescimento demográfico superior ao Brasil. Se tomarmos a dinâmica demográfica nos dez primeiros anos do século XXI, entre 2000 e 2010, logo abaixo do Litoral (que cresceu 21,64% no período) viria a Serra (que cresceu 17,47% no período). Porém, as taxas de crescimento não nos dão toda a informação. Como a população da Serra era muito superior à população do Litoral, a variação de 17,47% significou quase 130 mil novos domiciliados. Enquanto o Litoral recebeu, no mesmo período, apenas 53 mil novos habitantes.
Entre 2010 e 2022, há uma convergência no fluxo migratório absoluto: Litoral e Serra recebem praticamente o mesmo número de novos domiciliados: 77 mil. Aparentemente, esta é mais uma manifestação da perda relativa de dinamismo e capacidade propulsora da indústria (e dos territórios industriais) gaúcha(os) e da expressão crescente do setor de Serviços e, em especial, do turismo.
Analisemos agora o Mapa 2, que regionaliza a dinâmica demográfica do RS entre 2000 e 2022. Este mapa está baseado nos mesmos critérios: 1) em vermelho, as regiões que tiveram perda absoluta de população; 2) em “pastel” as regiões que apresentaram crescimento positivo, mas aquém do crescimento do RS nos 22 anos (6,8%); 3) em verde claro, as regiões que apresentaram crescimento populacional acima da média do RS, mas abaixo da média brasileira (19,74%); e 4) em azul as regiões que apresentaram crescimento demográfico acima da média nacional.
O primeiro a observar é que as mudanças são tópicas. A “Zona Azul”, o RS que vai muito bem, é praticamente a mesma. A única diferença do Mapa 2 com o Mapa 1 é que, no último, temos a inclusão do Corede Produção. Um pouco mais simbólico é o fato de que, no longo prazo (Mapa 2, abaixo) o Corede Metropolitano ainda não estava pintado de vermelho. Mas, a cor pastel já indica um crescimento abaixo da média do Estado; o que o desqualifica relativamente para o papel de “motor” (ou, pelo menos, de motor eficiente) da economia gaúcha. A questão que se coloca é: como entender isto?
Do meu ponto de vista, só há uma forma de entender isto: superando a clivagem regional. A perda de dinamismo da Economia Gaúcha não pode ser entendida a partir deste ou daquele polo; desta ou daquela região; deste ou daquele setor; mas a partir da falta de solidariedade interna das regiões e das cadeias produtivas entre si. O que, em última análise, nos leva ao problema do Planejamento Público.
⦁ Conclusão: a relação entre polos e periferia
Recentemente, a Faccat publicou um e-book sobre 40 anos de políticas públicas de enfrentamento às Desigualdades Regionais no RS. Este livro resgatou, sistematizou e analisou as intervenções feitas pelos mais de 50 palestrantes que participaram do Seminário sobre Desenvolvimento Regional organizado pela Rede Estação Democracia em julho de 2022. Os objetivos do Seminário eram múltiplos. Desde preservar a memória das inúmeras políticas públicas adotadas pelos governos de Estado dos últimos 40 em prol do desenvolvimento do RS, quanto de analisar as razões da limitada eficácia destas iniciativas. Inclusive cujos méritos nos parecem indiscutíveis, e que levaram a preservação das mesmas, a despeito da mudança de Governos e Partidos no poder; tais como os Polos de Modernização e Inovação Tecnológica e os Coredes, por exemplo. Por fim, buscava-se analisar até que ponto os gestores públicos dos diversos governos nestes últimos 40 anos tinham consciência do caráter sistêmico de uma economia regional. Vale dizer: se tinham consciência de que a depressão econômica da periferia leva, inexoravelmente, à depressão econômica dos polos.
Creio que os resultados do Seminário foram excelentes e o E-book agora lançado está fadado a se tornar um clássico. Antes de mais nada, porque eles revelaram a enorme distância que existiu e ainda existe entre os diagnósticos sobre os problemas do Estado e os programas de governo produzidos por analistas e cientistas sociais (economistas, sociólogos, cientistas políticos, engenheiros, geógrafos, demógrafos, etc.) que operavam na assessoria dos candidatos a governador (e que chegaram a ser contemplados, após a vitória, com posições no primeiro e segundo escalão dos governos eleitos) e as políticas públicas efetivamente executadas pelos governadores e pelo “centro de governo” nos anos seguintes. Para a minha surpresa, ficou claro que (malgrado exceções) não falta compreensão dos teóricos gaúchos do planejamento de que a dinâmica de uma região industrial é função da dinâmica das demais regiões. Mas esta compreensão parece estar quase completamente ausente (mais uma vez, malgrado exceções) na “leitura” que os principais gestores públicos estaduais (governadores e sua equipe de confiança) têm do RS. Para que se entenda o ponto, cabe fazer algumas perguntas.
A Serra produz ônibus e caminhões. Para si mesma? Ou para o resto do RS e o resto do Brasil? …. A pergunta é retórica. …. Os maiores município do Noroeste produzem colheitadeiras, tratores, ordenhadeiras mecânicas, silos e armazéns. Exclusivamente para si? Ou principalmente para o resto do RS e o resto do Brasil? …. De novo: não é preciso responder. A indústria química e farmacêutica de fertilizantes, defensivos agrícolas e vacinas veterinárias localiza-se, usualmente, na periferia de grandes polos urbanos. Ela produz estes insumos para serem utilizados nas cidades onde eles são produzidos ou em outras regiões? … Idem. É retórico.
Vamos traduzir, agora, estas platitudes em suas necessárias consequências: se mais da metade do RS, aquela porção cuja produção é essencialmente agropecuária, entra em crise, o que se pode esperar da dinâmica econômica da “metade industrial do Estado”? … Esta pergunta não é retórica. Pois ela envolve um passo a mais, que vai além do senso comum.
É fácil entender que, se os territórios em que predomina a produção agropecuária vão mal, a indústria que produz os insumos para a agropecuária também irá mal. O que não é evidente é que o êxodo da população das regiões decadentes leva, também, à crise da indústria voltada ao consumo das famílias que …. se evadiram. E leva à crise dos serviços – bancários, de consultoria, de transporte, de assistência técnica – que era prestada àqueles territórios. E, com a crise no setor de serviços da “metade rica”, mais uma vez cai a demanda sobre bens de consumo e serviços de consumo. E a população se evade.
A queda no número de moradores do Corede Metropolitano, do principal polo de serviços do RS, é um alerta. E, quer me parecer, é a última oportunidade de compreensão para a reversão de um quadro muito problemático. A crise das regiões periféricas do RS já chegou ao principal polo urbano do RS. Ou os gestores públicos fazem a rotação de pensamento que os tempos exigem, ou estamos fadados a ingressar numa crise secular.
*Doutor em economia e professor do mestrado em desenvolvimento da Faccat (Faculdades Integradas de Taquara).
Imagem destacada em Brasil Escola.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
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